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Alexandra Donnelly

Não saio de casa há uma semana. Na noite de ontem, pensei em começar a desenhar palitos nas paredes para contar os dias, como os prisioneiros fazem, mas concluí que seria dramático demais.

Archer esteve ocupado. A explosão na casa da moeda pode ser responsabilidade do exército, mas a transmissão é um problema do meu pai. No escritório, o telefone toca do nascer do sol até as primeiras estrelas aparecerem, fora os dias em que ele teve que ir até a Torre para reuniões. Com isso, ele não fez questão de esconder o mau-humor, e tive bom senso o suficiente para saber que pedir qualquer coisa era o mesmo que invocar um demônio.

No café da manhã de hoje, ele pareceu mais tranquilo, até me perguntou como passei os últimos dias. Depois de andar de um lado para o outro no quarto, ponderando, decidi arriscar. Me vesti e saí do quarto, determinada a conseguir uma autorização para sair, mesmo que por apenas algumas horas. Incrivelmente, um diálogo curto se deu. Bati na porta, Archer gritou um "entre!". Perguntei se podia sair e ele ergueu os olhos do papel que lia. Pensei que fosse me mandar de volta para o quarto, mas mal pude acreditar quando ouvi o "sim". Agradeci rápido e saí, temendo que ele mudasse de ideia.

Antes de sair de casa, peguei um livro na prateleira e coloquei na bolsa de couro. Na cozinha, encontrei o que sobrou de uma fornada de biscoitos em um pote de vidro e resolvi levar também.

Não há uma viva alma na rua e até mesmo os pássaros se calaram. Dá para sentir o medo pairando no ar e eu devo ser a única maluca o suficiente para sair na rua sozinha, mas não há bomba ou grupo de rebeldes que me fará deixar de visitar Jasper.

Ao me lembrar dele, me pergunto se o novo padre chegou a Saint Lloyd.

Parei na frente da igreja com um enorme ponto de interrogação na cabeça. As portas de madeira maciça estão fechadas. A essa hora, deveriam estar abertas. Imagens da explosão passam na frente dos meus olhos e o receio de que algo tenha acontecido me faz ignorar o resto do mundo e correr escada acima. Empurrei a porta da direita e descubri que estava apenas encostada.

Através da fresta que abri, olhei para dentro. As velas estão apagadas e feixes de luz entrando pelos vitrais iluminam alguns pontos específicos da nave, mergulhando o lugar na penumbra. Entrei devagar, evitando fazer barulho, mas o silêncio é tão imaculado que o simples ato de tocar o chão com a ponta da bota provoca um estalo.

Dei alguns passos e parei. Engoli a sensação de algo bloqueando a garganta e abri a boca, hesitante.

- Jasper? Está aí?

De canto de olho, vejo um ponto de luz. Em um pulo me virei.

- Desculpe. - A voz desconhecida diz. - Perdemos a hora.

Com um isqueiro, ele acende as velas do candelabro. A luz clareia a forma de um homem alto e esguio, vestido com roupas pretas. Ele é jovem, não deve ser muito mais velho do que eu, e a junção de traços finos, cabelo loiro bem cortado e olhos azuis-claros torna ele uma pessoa agradável de se olhar.

Não é adequado, mas eu o encaro porque meus olhos parecem presos numa compulsão de fazer isso. Assim, minha atenção cai no quadrado branco na gola da camisa preta de mangas longas.

Perdi o ar por um segundo enquanto os pontos se conectam. Ele é o padre.

Sou obrigada a deixar a surpresa de lado quando noto a boca dele se movendo. Ele disse algo e eu não faço ideia do que.

- Ah... perdão. - Desviei o olhar para o chão e tentei não me enrolar com as palavras. - Pode repetir, por favor?

Eu esperava uma carranca digna de um padre rabugento, mas ele exibe um sorriso singelo.

Espectros [REESCREVENDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora