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Alexandra Donnelly

Eu gostaria de poder dizer que sou igual aos outros escritores que existem por aí. Eles criam personagens, planejam uma narrativa inteira e conseguem dar um final a história, seja ele feliz ou triste. Não sou assim. Minhas histórias, se é que posso chamá-las assim, não tem contexto, costumam ser curtas, e tudo o que descrevo é um personagem anônimo, sem personalidade, fazendo algo que eu gostaria de fazer, ou visitando algum lugar que eu nunca fui.

O que comecei a escrever essa manhã é um exemplo disso. No papel, descrevi uma personagem sem nome caminhando por um vasto campo de margaridas brancas. Tampouco sei quem ela é, seu nome e como a vida a levou até o campo de flores. A única coisa que sei é que no mundo incompleto dela, é um dia agradável de primavera.

Tirei a ponta da caneta-tinteiro do papel e sorri satisfeita ao ler as palavras. Há muito tempo eu não me sentia contente com o que escrevia. Meu sorriso murchou no momento em que levantei os olhos para a janela, olhando para o lado de fora entre as cortinas brancas. Um breve segundo contemplando o típico céu cinzento do Império foi o suficiente para o desânimo voltar a me consumir.

Apoiei o queixo na mão e olhei para além dos muros ao redor da casa, vendo os telhados inclinados de telhas vermelhas das outras casas da região. Mais ao longe, a torre principal em forma de agulha da igreja de Saint Lloyd se eleva em direção ao céu. Acordei mais tarde que o normal e não senti vontade de sair da cama. Ainda assim, forcei meu corpo para fora dos lençóis e me sentei à escrivaninha para tentar escrever algo. Por certo tempo as palavras me distraíram, mas voltei à realidade. Pelo menos Sra.Reed não está aqui para me dar sermão sobre acordar tarde e papai está viajando a trabalho desde o começo da semana.

Batidas tímidas na porta me tiraram dos devaneios.

— Alex? — Mary chama — Está acordada?

Empurrei a cadeira um pouco para trás e me sentei de lado, espalhando pelo chão a saia longa da minha camisola de algodão branco.

— Estou.

— Posso entrar, querida?

— Claro.

Mary abre a porta e o farfalhar das saias de seu uniforme de empregada acompanham seus movimentos. Ela anda até mim e posiciona cuidadosamente uma bandeja de madeira sobre a escrivaninha. Em cima da bandeja, uma tigela de porcelana cheia de biscoitos com gotas generosas de chocolate.

— Não precisava trazer nada — Digo, sorrindo sem graça.

— Você não comeu nada desde que acordou. Não é saudável pular refeições, principalmente o café da manhã.

De qualquer forma, não consigo resistir aos biscoitos e pego um. São a especialidade culinária de Mary, e morder a massa crocante e recém-saída do forno com gotas de chocolate derretendo na boca é uma verdadeira viagem às nuvens.

— Estão ótimos.

Mary toca a ponta do meu nariz com o dedo indicador, um sorriso doce em seus lábios, e se dirige para a minha cama desarrumada. Ela é uma das várias empregadas trabalhando na casa, mas para mim, é o equivalente a uma mãe. Desde que tenho sete anos ela cuida de mim, e a imagem do avental branco sobre o vestido preto e a pequena touca branca sobre o cabelo acobreado preso em um coque justo são sinônimo de acolhimento.

Em duas mordidas termino o biscoito e me levanto para ajudá-la. Com meu pai e Sra.Reed fora, tenho uma brecha na rotina rígida e meus aposentos sofrem com a desorganização. Papéis e potes de tinta nanquim estão dispersos na escrivaninha, e depois que esbarrei o braço em um dos potes, um pouco de tinta preta respingou no papel de parede azul-claro com estampa de flores brancas. Uma torre instável de livros se equilibra sobre a mesa de cabeceira e as portas do guarda-roupa estão semi abertas, deixando a manga de um de meus vestidos escapar para fora.

Espectros [REESCREVENDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora