8 - LAVÍNIA

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Começou a contar o que tinha ouvido no sonho, e quando terminou houve um grande silêncio entre eles. Era bastante compreensível que estivessem assim. Depois de um tempo sem ninguém falar Call disse:
- Olha, faz sentido essa coisa de Nice estar em Olímpia, já que era lá a sede dos jogos olímpicos e tals, mas como ela poderia influenciar as pessoas a disputarem entre si?
- Isso não me é estranho – comentou Maia – Talvez ela de essa sensação nas pessoas que estão por perto...
- ... igual acontece com Ares – completou Bella, batendo a mão na testa – Claro, é a mesma coisa! Nice deve fazer com que todos a sua volta sintam vontade de competir, igual quando estamos perto de Ares e sentimos vontade de bater em alguém, ou quando estamos perto de Hades e sentimos medo e tristeza.
- Agora faz sentido o aviso de Juno – comentou Fai – Imagina se um exército romano e grego a encontrasse?
- Problema – respondeu Sam, o que Lavínia achou um ótimo resumo
- Então nossos pais estão atrás dela para impedir que ajude em uma possível briga entre gregos e romanos, o que, é claro, não é o que queremos agora. - falou Call, trocando o peso do corpo para a outra perna – E vai ser lá que vamos encontrá-los
- É o jeito mais rápido - concordou Lavínia - E, além disso, Argo II precisa de reparos, e acho que Leo gostaria de uma ajuda – e se virou para Sam
O garoto franziu a testa, visivelmente sem graça.
- Não acho que meu pai iria me deixar ajudar... já que ele não vai saber que sou filho dele, porque não podemos simplesmente chegar e falar: oi, somos seus futuros filhos e voltamos no tempo para ajudar!
- Mas não seria necessário falar isso – interveio Lavínia - Só vamos falar que somos semideuses trazidos por Hera para ajudá-los...
- ... o que não é mentira – comentou Maia
- ... e, eles vão saber que somos seus filhos sem a gente precisar dizer – afirmou a garota – Acabei de ver eles no sonho, e nós temos muitas coisas parecidas, principalmente você e seu pai - comentou para Sam
O garoto corou um pouco, com uma pequena mecha de cabelo fumegando.
- Bem, se você tem tanta certeza, vamos acreditar – falou, apagando discretamente o fogo do cabelo 
- E quem vai ir até eles? - perguntou Fai
- Temos que tentar evitar grupos que tenham muita intriga entre si – falou Maia
- Mas aqui todo mundo se ama – falou Sam em tom sonhador – Somos todos paz e amor
- Nossos pais evitaram levar as pessoas que tivessem parente divino competitivo – disse Bella – Mas como somos filhos de semideuses essa técnica não vai funcionar
- Não podemos levar irmãos - afirmou Call de repente
Bella ia protestar, mas o irmão a interrompeu.
- Irmãos já nascem competindo entre si, é natural. Também não gosto da ideia de me separar de você - acrescentou – mas se quisermos evitar brigas não podemos ir juntos
- Ele está certo – falou Fai, trocando um olhar com a irmã
Lavínia não queria se separar de Fai, mas Call tinha razão, então deu um aceno afirmativo de cabeça.
- Bem, como eu e Sam somos filhos únicos acho que podemos ir – disse Maia – E precisamos de mais dois
- Por que? - perguntou Sam
- Precisamos equilibrar o grupo – respondeu
- Eu vou – falou Fai, e Lavínia já ia protestar quando ele a interrompeu - Você ainda não está totalmente curada, então eu vou sim
A garota deu um suspiro.
- Acho que não posso te impedir
- Realmente não pode – concordou ele, dando um pequeno sorriso
- Eu vou também - falou Bella
Call olhou para ela com desaprovação, e a irmão se virou para olhá-lo nos olhos.
- Você precisa descansar. E também, não tive nenhuma aventura ainda. Estou cansada de ficar no barco – falou, colocando inconscientemente a mão no bolso onde guardava Contracorrente
Ele não pareceu tão feliz com a ideia, mas não protestou mais.
- Bem, acho que já temos nosso grupo – falou Sam - Então, se me dão licença, preciso reprogramar o nosso destino – e saiu, antes que alguém pudesse dizer qualquer coisa
Maia suspirou.
- Ele só está nervoso com a possibilidade de encontrar o pai amanhã
- Não é só ele – murmurou Fai
- Vai dar tudo certo – falou Bella, mas a própria parecia nervosa
Lavínia conseguia entender isso. No fundo, tinha ficado feliz quando Fai falou que iria na missão, a deixando ficar no barco. No sonho já tinha sido estranho vê-los, imagina pessoalmente, ao vivo e a cores. Não saberia como reagir a isso, e esperava que os outros não ficassem nervosos demais. Eles não iam só rever os pais, iam também procurar uma deusa louca obcecada por competições; não podiam deixar seus sentimentos interferirem demais. Parecia fácil falando, mas na prática esse era o real desafio: deixar suas emoções não atrapalharem o trabalho.
- Vocês precisam descansar – falou Call, colocando as mãos por cima dos ombros da irmã - Terão um longo dia amanhã
- Vocês dois também precisam dormir – disse Maia – La ainda não se recuperou totalmente e você parece um zumbi
- Nossa, obrigado – resmungou Call
Talvez zumbi fosse uma descrição meio exagerada, mas com certeza ele não estava completamente bem. O cabelo estava mais bagunçado que o normal, seus olhos pareciam cansados, como se não tivesse dormido o suficiente, e ao redor deles haviam leves olheiras. Nem gostava de imaginar em que estado ela própria estaria; se estivesse do jeito que se sentia, com certeza estaria péssima.
- Vamos deixar você descansar – disse Bella, saindo com seu irmão logo atrás, e Lavínia ouviu os dois conversando
Maia desejou boa noite e saiu também, deixando ela e o irmão sozinhos. Os dois não conversaram muito; apenas trocaram vários olhares, o que, para eles, era melhor do que qualquer frase.
- Você devia ir dormir também - falou a garota
Fai se sentou ao seu lado, ficando na posição mais confortável possível.
- Vou ficar aqui – disse, em tom de que dizia já está decido, nem tente me fazer mudar de ideia
Lavínia não protestou. Não queria passar a noite sozinha, e ter Fai por perto sempre era algo bom. Concordou com a cabeça e se deitou, nem percebendo o quanto estava cansada. Em pouco tempo sentiu seus olhos fechando, e logo estava dormindo, não tendo nenhum sonho dessa vez

A garota acordou com Fai a chamando.
- Vamos sair daqui a pouco – falou ele
Lavínia se levantou, meio grogue.
- Sair... para onde? - perguntou, sentindo que seu cérebro estava funcionando na velocidade de uma tartaruga
- Encontrar nossos pais – respondeu Fai, ajudando-a a levantar
Essa afirmação a fez acordar totalmente. Saiu da cama e ficou surpresa ao perceber que suas costas não doíam tanto, e que conseguia andar tranquilamente.
- Pelo jeito a noite de sono te fez bem – comentou o garoto - Você está com uma cara bem melhor
Lavínia concordou, e notou que ele já estava arrumado para a missão: estava usando uma camisa do Acampamento Júpiter e uma calça jeans meio gasta, com o arco e a aljava nas costas.
- Nervoso? - perguntou, e na hora percebeu que era uma coisa idiota a se perguntar. É claro que estaria nervoso
Andaram para longe da enfermaria e passaram pelos quartos. Fai ajeitou o arco.
- Um pouco – admitiu ele – Mas estou tentando não pensar muito
Eles subiram as escadas e chegaram a proa, onde os outros estavam esperando. Sam estava perto do leme, mexendo velozmente as peças que pegava no seu cinto, construindo nada em especial. Bella e Call estavam em um canto mais distante conversando, e Maia olhava vigiante para o horizonte, parecendo uma águia.
- É muito estranho? - perguntou Fai de repente
Lavínia olhou para ele, confusa.
- O que é estranho?
- Ver eles mais novos – respondeu
A garota se virou para olhá-lo nos olhos.
- É - concordou - É bem estranho
Fai balançou a cabeça, concordando, e deu um sorriso.
- Eles são tão diferentes assim?
Lavínia retribuiu o sorriso.
- Não, pelo contrário. Eles não mudaram tanta coisa. Essa é a parte mais assustadora
Ele voltou seu olhar para frente, como se estivesse tentando imaginar como seriam seus pais mais jovens.
- Jason também não usa óculos agora – comentou a garota
Fai franziu a testa, como se essa fosse a informação mais sem sentido que já tivesse ouvido.
- Sério? Achei que ele usasse desde sempre – e se virou para ela - É muito estranho?
- Muito – concordou – Na verdade, tudo é muito estranho
- Contra fatos não há argumentos – afirmou o garoto, sorrindo
Lavínia sorriu também, e deu um abraço no irmão. Fai retribuiu o gesto, e os dois ficaram assim, apenas apreciando o tempo que estavam abraçados.
- Gente – chamou Maia, apontando para um lugar logo a frente deles
Um trirreme grego estava pousando no porto, a mais de 500 metros de distância deles. E, sim, vocês leram certo, o barco pousou. As pás ao redor diminuíram o ritmo, fazendo o trirreme bater levemente na água. Call engoliu em seco.
- Esse é...
- É - concordou Sam, que parecia impressionado e nervoso - É sim
Todos se entreolharam, sem saber o que fazer.
- Vamos esperar eles saíram - decidiu Maia – e ver para onde vão. Vamos segui-los e, quando tivermos a chance, falaremos com eles
Parecia ser o plano mais lógico, mas mesmo assim Lavínia ficou nervosa, sendo que ela nem iria na missão. Em pouco tempo quatro pessoas saíram do Argo II, sendo que duas delas foram para a cidade, enquanto as outras ficaram esperando no porto.
- Hazel e Frank foram explorar a cidade – falou Bella – enquanto meu pai e Leo ficaram no porto esperando
- Como você lembra disso? - perguntou Sam
A garota deu de ombros.
- Eu só lembro – respondeu
Essa era uma resposta tipicamente Bella: eu só lembro.
- Bem, acho que vocês podiam ir – falou Call – Fai, você consegue manipular a Névoa?
Desde que o Argo II tinha chegado ele tinha ficado muito calado. Quando Call perguntou, ele balançou afirmativamente a cabeça.
- Claro – respondeu
- Vocês podem usá-la para eles não verem que tem alguém os seguindo – sugeriu Call
- É uma boa ideia – falou Maia
- Vamos então - disse Bella, dando um último abraço no irmão e descendo do barco
Lavínia deu um beijo na bochecha do irmão e foi em direção a Sam, que continuava olhando para o Argo II
- Ei cara – chamou – Tudo certo?
Sam se esforçou para desviar o olhar do barco e deu um sorriso.
- É claro! Por que não estaria?
- É sério Sam – falou Lavínia - Está tudo bem?
O sorriso do garoto foi sumindo do rosto, e ele voltou a olhar para o barco.
- Eu não sei o que esperar – admitiu ele - É isso que está me deixando mais... ansioso
Lavínia concordou com a cabeça, depois olhou para baixo, onde Bella esperava os outros, balançando as mãos freneticamente no bolso. Ela notou que os dois, Sam e Bella, estavam mais ansiosos do que nervosos, enquanto Fai parecia estar mais nervoso do que ansioso, e Maia, por sua vez, parecia estar em expectativa.
- Não é só você que está assim - garantiu a garota
- Bom saber – murmurou Sam, sarcástico. Depois olhou para ela – Desculpe. Eu só... - e parou, pelo visto sem conseguir verbalizar tudo o que queria
Lavínia pôs a mão em seu ombro. Eles se olharam e deram um pequeno sorriso.
- Agora vai – falou ela, empurrando de leve o ombro dele – Antes que você mude de ideia
O sorriso de Sam aumentou.
- Ah, bom saber... espera – disse, dramaticamente – acho que estou começando a mudar de ideia, acredita? Uau, de repente me veio uma revelação divina...
- Vai logo – interrompeu ela, sorrindo
Sam deu um grande abraço nela e saiu, se juntando a Bella e Fai lá embaixo. Lavínia foi até Maia, que estivera conversando com Call nesse tempo.
- Ei Maia, posso te pedir uma coisa? - perguntou
A garota concordou com a cabeça, curiosa.
- Como você é a única que não vai encontrar seus pais logo de cara hoje, eu queria te pedir para... bem... - ela olhou para onde os outros estavam - não deixar que nada de ruim aconteça
Maia sorriu, concordando com a cabeça.
- Pode deixar. Na verdade, acho que você nem precisaria me dizer isso
Lavínia riu.
- É, acho que não
As duas deram um abraço.
- Toma cuidado – falou, e indicou Call com a cabeça - Tente não deixar que ele faça muita besteira
- Ei, eu ouvi isso! - protestou o garoto
- Por isso mesmo que eu estou dizendo! - respondeu Maia
Call fez uma careta para ela, e a garota deu a língua para ele. Lavínia não aguentou não sorrir. E eu que sou a mais nova, pensou. Maia foi em direção aos outros, e Call ficou ao lado de Lavínia, debruçado na amurada, olhando eles saírem e desaparecerem na Névoa.
- Eles vão ficar bem. Bella vai ficar bem – acrescentou a garota
Ele concordou com a cabeça.
- Eu sei. Ou melhor, minha cabeça sabe. Meu coração está meio confuso – ele olhou com a testa franzida para o peito – Odeio quando ele faz isso
Lavínia sorriu.
- É, eu também odeio
- Deixa tudo mais complicado – continuou o garoto – Como se eu precisasse de mais complicação
Os dois ficaram um tempo sem dizer nada, apenas olhando para frente.
- Nós somos muito parecidos com eles? - perguntou Call – Digo, parecidos com nossos pais
- Somos – concordou Lavínia - É estranho... é como... - ela tentou pensar em algo que pudesse ajudar a explicar – Imagina que você tem do seu lado a cor laranja, e do outro as cores vermelho e amarelo. Quando você olha as três juntas, você percebe que precisou de um pouco do vermelho e de um pouco do amarelo para criar o laranja. É assim que eu me senti vendo eles mais novos. Faz sentido?
Call concordou com a cabeça, sério
- Faz sim – e voltou sua atenção para o Argo II - É tão estranho vê-lo assim
- Quem?
- Festus – respondeu - É estranho não vê-lo voando por aí soltando fogo e fazendo palavras com a fumaça
- Verdade – falou Lavínia; não tinha pensado nisso quando o viu no sonho, e agora sentiu saudade de passear de vez em quando no dragão, vendo Nova Roma enquanto o vento batia em seu rosto
- Quer uma Coca Diet? - perguntou Call de repente
Lavínia se virou para ele
- O que?
- Coca Diet – repetiu – As coisas funcionam igual no Acampamento Meio Sangue, então é só você pedir alguma comida que ela aparece. Olha só - e pigarreou – Eu quero uma Coca Diet azul
Antes que a garota pudesse perguntar do porquê de ter que ser azul, uma latinha de refrigerante apareceu na mão do garoto, que sorriu triunfante para ela.
- Viu? É super fácil - e tomou um gole da bebida, visivelmente muito contente consigo mesmo
- Bem... - começou a garota – Se for assim, eu quero um cappuccino
Imediatamente um copo apareceu na sua mão, e quando a garota tomou um gole viu que era cappuccino de verdade, e um dos bons. A bebida pareceu esquentar todas as partes do seu corpo, a deixando muito mais relaxada.
- Espero que esteja com fome – falou Call, indo até a escada que levava para os quartos – Porque fica mais fácil quando estamos lá na sala
- Que sala? - perguntou Lavínia
- É meio que uma sala de reunião - explicou o garoto - Lá fica muito mais de boa convocar comida
- E nós iríamos para lá porque...
- ... porque nós temos tudo isso só pra gente! - exclamou o garoto, abrindo os braços, animado
Lavínia suspirou.
- Bem, não temos nada para fazer mesmo – e foi em direção a ele
Call esfregou as mãos e foi saltitando para a escada, como uma criança de 7 anos ao saber que tinha presente embaixo da árvore de Natal. Lavínia revirou os olhos, sorrindo, e desceu logo atrás dele.

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