3 - CALL

44 6 6
                                    

NEM COMEÇOU a vigiar e suas pernas pareciam feitas de palitos de dente.
Aquelas rochas eram mais altas do que pareciam vistas de longe. Fai e Call escalaram com dificuldade, arfando igual a cachorros quando chegaram no topo. Call começou vigiando a cidade, enquanto Fai olhava a praia.
A cidade de Épiro era bastante bonita; casas baixas delicadas, com estradas bem pavimentadas e cercada de árvores. Várias ruínas de templos antigos ficavam espalhadas, com mortais passando descontraídos entre elas. Era quase meio dia, e o sol estava bem em cima no céu, com as pessoas almoçando tranquilamente ou tomando sorvete.
A vida dos mortais era tão fácil. Sem monstros para enfrentar, sem deuses te jogando em missões suicidas. Call gostaria de ter uma vida mortal de vez em quando, tirar algumas férias. Mas agora lá estava ele, em outra missão quase impossível de se cumprir. Ele olhou para baixo e viu um homem andando pela rua tranquilamente enquanto tomava sorvete.
O sol estava bem em cima da cabeça deles, e agora Call deseja um bom sorvete gelado. Olhou para Fai e viu que ele olhava desejoso para o mar, quase implorando para dar um mergulho.
- Aqui cara – chamou Call – Vamos pedir para as garotas pegarem um sorvete para a gente. Estamos quase derretendo
Fai concordou entusiasmado.
- Preciso de algo gelado. Sinto meus miolos derretendo
Call riu e olhou para cima, tentando ter algum sinal de Lavínia ou Maia. Bem quando eles precisavam elas não apareciam. Enquanto olhava para o céu, viu um grande pássaro voando, mas sabia que não era Lavínia. Já tinha visto ela se transformar várias vezes, e sabia que não era ela. Call teve um mal pressentimento. O tal pássaro era muito grande, e tinha um jeito estranho de voar. Com o sol na sua cara, era difícil ver mais atentamente, mas achava que não era uma ave normal.
- Com sede?
Call olhou para o outro lado e esqueceu totalmente a estranha ave. Maia vinha descendo até eles com dois grandes sorvetes na mão. Fai soltou um suspiro.
- Ah graças aos deuses! - e pegou o sorvete que a garota lhe entregava
Maia estendeu o segundo para Call, e ele abriu um sorriso. Seu sorvete era totalmente azul, até a casquinha. Viveu vendo seu pai comendo só comida azul, e agora sempre que tinha a oportunidade, colocava corante daquela cor em tudo que comia. E não era só ele; sua irmã também era viciada em comida azul, então eles eram a dupla das comidas azuis.
- Pelos deuses – disse, pegando o sorvete – Maia, você é maravilhosa
A garota corou um pouco.
- Ah... bem, eu e Lavínia já comemos o nosso e agora ela está levando alguns para Sam e sua irmã então... achei que vocês não podiam ficar de fora
Fai concordou, comendo o sorvete como se fosse algo milagroso.
- Realmente, não podíamos ficar de fora – falou, ainda comendo
Maia riu. Ela tinha prendido seu cabelo em um rabo de cavalo alto, o que fazia seus olhos ficarem ainda mais chamativos. Como eles nunca tinham uma cor certa, ficar olhando para eles virava quase um vício; depois que você olhava, não conseguia desviar sua atenção. Pelo menos, era sempre assim para Call. Desde pequeno, não conseguia olhar diretamente nos olhos dela sem ficar totalmente em transe. Nunca soube muito bem o porque; tinha um pouco de medo de ser porque gostava dela, mas sempre que pensava nisso desviava o pensamento. Conhecia ela desde... sei lá, desde que nasceu, então não podia estar apaixonado por ela. Não, era outra coisa...
Call percebeu que estava encarando a garota, com a cabeça pendida um pouco para a direita e com a boca um pouco aberta, quase deixando o sorvete cair. Maia pigarreou, e Call piscou com força. Voltou rapidamente a tomar o seu sorvete, sem ousar olhar para ela. Sentia que tinha aumentado uns dez graus só nesse segundo, o que não ajudou. Fai olhou de um para o outro como se estivesse vendo um jogo de tênis, depois deu as costas para os dois ainda tomando o seu sorvete. Maia voltou sua atenção para a cidade.
- Viu alguma coisa lá de cima? - perguntou Call
Ela balançou negativamente a cabeça.
- Não vi nada lá embaixo. No céu também não vi nada, mesmo estando muito claro por conta do sol. Quando ficar mais escuro vou dar uma nova ronda, só para confirmar
Call concordou com a cabeça. Era estranho não ter nenhum monstro atacando. Eram seis semideuses com um cheiro particularmente forte; por que ninguém atacou ainda?
- Também acho estranho – disse a garota, como se tivesse lido os pensamentos dele – Isso com certeza não é um bom sinal
Bom sinal. Call se lembrou da estranha ave voando e olhou rapidamente para o céu, mas agora ela tinha sumido. Maia seguiu seu olhar.
- Tinha visto alguma coisa? - perguntou a garota
- Uma ave – respondeu – Mas tive um pressentimento ruim. Não parecia um pássaro normal
Maia franziu a testa. Call se perguntou como ela conseguia ficar bonita mesmo fazendo careta. Quem dera ele tivesse essa sorte.
- Vou dar uma olhada – falou por fim a garota - Só por...
- ... precaução - completou Call - Você sempre fala isso
Ela deu de ombros, sorrindo. Então deu impulso e voou para longe. Call estreitou os olhos.
- Só eu que acho que quando ela voa parece a SuperGirl? - perguntou
Fai riu.
- Parece mesmo. Mas nem ouse falar isso para ela, senão a gente morre
Call concordou. Voltou sua atenção para cima. Uma nuvem acabara de ficar logo acima de suas cabeças, formando uma sombra relaxante. Ficou muito mais fácil procurar pela tal ave, e logo Call a avistou novamente. Ela mergulhou em sua direção rapidamente, e o garoto xingou em grego. Devia ter percebido que não era um pássaro normal. Fai ouviu Call reclamar e se virou para onde ele estava olhando, e logo percebeu o problema. Em uma velocidade impressionante, preparou uma flecha que atingiu o grifo bem na cara, o transformando em pó.
Agora Call entendia o porque do monstro ter sumido; ele chamou os seus amigos, que agora os cercavam por todos os lados. Um deles tomou a iniciativa e mergulhou na direção deles. Call teve uma ideia, e se virou para Fai.
- Consegue cuidar deles aqui sozinho? - perguntou
Fai colocou três flechas no arco e as atirou ao mesmo tempo, transformando três grifos em pó.
- Consigo – disse, depois olhou desconfiado para o amigo – Por que a pergunta?
- Tive um plano – respondeu, e viu outro grifo mergulhando. Era a sua chance – Não atire nesse que está mergulhando. Deixa ele comigo
Fai ia protestar, mas decidiu que não iria adiantar em nada; Call conseguia ser bem teimoso quando queria. Assim o garoto começou a atirar nos outros grifos, deixando o da frente continuar o mergulho. Quase que Call cai ladera abaixo; o bicho foi bem rápido, mas o garoto conseguiu desviar do mergulho, passando seu braço pelo pescoço do grifo e descendo junto com ele. O animal protestou, tentando derrubar o garoto enquanto este passava a perna nas costas do bicho. Com dificuldade, Call conseguiu montar no grifo, puxando seu pelo como se fossem rédeas de cavalo. O monstro protestou ainda mais, e Call o puxou para perto e falou no seu ouvido:
- Não vai adiantar espernear: você está sobre o meu comando agora
Provavelmente a frase saiu bem ameaçadora, porque o grifo automaticamente parou de protestar. Call respirou fundo e olhou para cima. Os grifos continuavam atacando, mas Fai estava se saindo muito bem; não deixava nenhum se aproximar muito, os transformando em pó numa velocidade incrível. Call se virou para o seu grifo.
- Vamos até os seus irmãos - disse, e o direcionou para cima
Montar num grifo não era tão diferente do que montar num pégaso; a maior diferença eram os pelos, mas dava para viver com isso. Call tirou sua faca do cinto e começou a atingir a maior quantidade de bichos que conseguia, transformando-os em pó num piscar de olhos. A maioria recuava ao ver um dos seus sendo usado como montaria, e isso dava tempo para o garoto atingi-los. A luta estava indo até bem, mas uma coisa começou a o incomodar: onde estava Maia? Ela tinha ido verificar ao redor e nunca mais apareceu. Como que respondendo a pergunta, as nuvens ao redor deles começaram a escurecer, e um raio atingiu em cheio uma tonelada de grifos. Call olhou para cima e não conseguiu conter o sorriso.
Maia estava envolta de nuvens carregadas, com sua gladis transformada em uma lança. Ela apontou a arma na direção de um grifo e automaticamente um raio cortou o céu, atingindo justo o bicho que Maia tinha indicado. Os grifos partiram em sua direção, mas uma chuva de flechas os atingiu, restando apenas uma nuvem de pó. Call olhou para os grifos restantes e viu que eles estavam receosos, o que era totalmente compreensível. O garoto aproveitou o momento de confusão deles e atacou, formando mais nuvens de pó de monstro. Estava achando que conseguiriam acabar com eles quando uma voz o assustou.
Consegue me ouvir?
Call olhou para cima e viu um pégaso castanho o olhando. Ele se virou para Fai, só para saber se não estava endoidando de vez, e viu que ele estava tão surpreso quanto ele. Pelo menos o pégaso era real.
Venha comigo disse, e começou a voar mais para noroeste. Call olhou novamente para Fai. Eles tiveram uma conversa silenciosa
No fim Call decidiu segui-lo. O pégaso parecia estranho, como se estivesse nervoso. Mas mesmo assim resolveu ir atrás dele; sentia que precisa de algo importante, que estava onde o pégaso estava indicando. Ele se virou para o seu grifo.
- Vamos atrás daquele pégaso - disse, e o direcionou para onde o cavalo estava indo

Herdeiros Onde histórias criam vida. Descubra agora