PRÓLOGO

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                                                                         Ano 546

        O terreno está escorregadio por causa da umidade, os galhos e plantas das árvores ainda gotejam. Já estamos seguindo nossa caça tem algumas horas, meu pai sempre me disse que o Cacudo é um animal difícil de se perseguir, mas sua carne é extremamente saborosa e rica em vitaminas. A quinze anos ele caça um Cacudo e traz para casa, ano após ano no dia em que eu nasci que é o mesmo dia em que minha mãe morreu, eu não entendo o porquê dele fazer isso, antes de eu nascer ele tinha saído para caçar este animal para comemorar, mas eu me apressei e vim um pouco antes do tempo que pensavam, minha mãe sozinha teve que me dar a luz e houve várias complicações, ela aguentou o suficiente até o retorno do meu pai e morreu em seus braços.

        Papai sempre me falou sobre suas aventuras mundo a fora como um guerreiro, mas nunca me trouxe consigo para caçar. Esse ano foi diferente, ele decidiu me trazer para essa caçada e confesso que estava ansiosa, não tenho força para disparar uma flecha e matar um animal desses ainda, então apenas o sigo e presto atenção em seus movimentos, ainda bem que sou ágil e consigo acompanhá-lo de perto mesmo com as dificuldades do solo molhado.

        — Meu anjinho venha aqui — meu pai sessou a corrida e logo chego ao seu lado — Para qual direção você acha que ele foi? — me pergunta esperando que eu analise as pegadas e descubra qual é a rota de fuga do Cacudo.

        “Te provarei que sou capaz de encontrá-lo, tá achando que eu não aprendi papai”, minha própria voz diz em minha cabeça.

        Analiso o chão e as pegadas ainda frescas, não faz muito tempo que ele passou por aqui. — Ele foi naquela direção papai, estamos perto — digo sinalizando com a mão a tal direção.

        Papai me da um sorriso de aprovação e corre na direção indicada, abrindo caminho entre os galhos e plantas.

        “Isso aí, papai deve ter ficado orgulhoso”, Penso comigo mesma, “é melhor eu ir se não vou acabar me perdendo”.

        Sigo meu pai em meio a vegetação com todo cuidado que consigo, sei que a qualquer momento vamos se encontrar com o animal e ao menor som ele correrá novamente, papai parou alguns passos a frente e fez um sinal com a mão para que eu o copiasse. Parei imediatamente ao seu sinal, apenas avancei para conseguir ter a visão que ele está tendo... Lá está o Cacudo.

        Cacudos são aves gordas de pernas longas, não tem muitas penas no corpo, a maior quantidade delas ficam localizadas nas asas, que mesmo assim essas aves não conseguem usá-las para voar, seus olhos são estreitos e atentos, suas orelhas são grandes, suas patas exibem belos pares de garras afiadas e seu pontudo bico surpreendentemente cheio de dentes, o que faz dessa ave um animal carnívoro.

        “Ainda bem que humanos não estão no seu cardápio não é mesmo dona ave?”

         — Saia de seus pensamentos e preste atenção filhinha — ouço a voz de papai ao lado e o olho com um singelo sorriso.

        — O golpe tem que acertar exatamente no ponto vital, o jeito mais fácil é acerta abaixo da asa esquerda, é o caminho mais rápido até ele — explicou meu pai sussurrando.

        “Preciso prestar atenção, preciso prestar atenção, para de pensar e preste atenção”.

        Papai levanta o arco com delicadeza e posiciona uma flecha, analiso sua postura rígida, ele puxa a corda do arco devagar para abafar o barulho, “não pode ranger, arco não faça barulho ou esse orelhudo vai correr e lá vamos nós para mais horas de perseguição”. Papai ficou alguns segundos com a flecha totalmente tracionada na corda, analisando e fazendo os cálculos de vento, terreno, obstáculos e movimentação de reação, ele tinha me explicado que tudo pode interferir para a flecha chegar no seu alvo. O Cacudo nem notou o que tirou sua vida, vi como se o tempo desacelerasse, a flecha ser lançada pela corda que foi solta dos dedos do papai, a trajetória dela no ar até atingir a ave exatamente um pouco abaixo a asa esquerda abatendo o animal que caiu sem tempo de esboçar nenhuma reação. “Ual, não sabia que você atirava tão bem”.

Astrid e o Rito dos caçadores - Volume I: Batismo de TerraOnde histórias criam vida. Descubra agora