10 | Mantendo-se acordado (Sexta-feira)

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Wayne desperdiçou seus duzentos reais em sorvete e refrigerante. Não pensou em comprar coisas de comer. Ela só deixou o frigobar de seu quarto cheio de sorvete e refrigerante. Cheio do que a pudesse matar lentamente.

Agora estava tomando refrigerante debaixo da árvore. Tinha perguntado a Ondy se ele queria e a resposta foi um silencioso não.

Ondy foi castigado por seus pais por ter ficado a noite toda sem dormir. Mandaram-no passar o dia todo no porão. Para não desperdiçar seu tempo fez alguns raps com asneiras. Ficou bebendo café também, e agora não poderia mais consumir cafeína sem sentir náusea.

Ele está como um carro de controle remoto na mão de adolescentes eufóricos.

O motivo deles não conseguirem dormir são os pesadelos. Nenhum dos dois consegue ter sonhos fofos com unicórnios ou colônias de erva cidreira. Nem sonos tranquilos e sem memórias.

— Vem pra minha casa hoje, Wanna — Ondy pediu. Ele ainda está de castigo e pensou o quanto seria legal passar a noite com ela no porão.

Poderiam até ligar a TV que seus pais não iriam ouvir.

— Passo lá meia noite — ela respondeu no automático.

— Estarei no porão.

Seu pai chegou e ela correu até o carro. Ondy não tinha dito onde ele mora, então não ficou confiante que ela iria aparecer.

...

Ele deitou no chão duro e ficou olhando para a pequena janela do porão. Se Wanna aparecesse, ela conseguiria passar por ali?

Ele cobriu os pés com o cobertor de retalhos feito por sua avó e fechou os olhos.

Três batidas no vidro da janela fizeram-no arregalar os olhos.

— Ondy, querido — Wanna cantarolou do lado de fora enquanto ele abria a janela enferrujada com cuidado.

— Consegue passar, doce de leite? — Ondy perguntou.

— Não me chame de gorda — ela passou a mochila e os pés primeiro e depois caiu pra dentro.

Ela olha para o sofá velho, o lençol fino que o cobre e a coberta de retalhos no chão.

— Por que estava deitado no chão se pode deitar no sofá cama? — Ela pulou no sofá, sendo afundada pelas almofadas fofinhas.

O lugar estava escuro, mas um pouco de luz vinha da televisão na frente do sofá cama. A mãe dele não sabe que a TV ainda funciona, e se soubesse não o teria deixado de castigo ali.

— Eu estava um pouco mal — respondeu ele.

— Acha que está doente? — Wanna perguntou.

— Não é isso, doce de leite — ele sentou ao seu lado, trocando os canais da TV. Acabou deixando em um canal de desenhos.

— O que é, então?

— Minha mãe brigou comigo por não dormir durante a noite — explicou.

— Hum — ela suspirou. Entendia bem essa situação. — Trouxe refrigerante e um pouco de sorvete.

— Sorvete? Mas está frio, Wanna — Ondy riu um pouco.

Os dois estão falando baixo por medo dos pais dele aparecerem.

— E eu tenho cara de quem se importa, mané ? — ela tirou o sorvete da mochila e abriu a tampa.

Como sempre foi precavida, tirou duas colheres da mochila e deu uma ao amigo.

— A gente vai ficar tomando sorvete e assistindo desenho? — Ondy perguntou, olhando-a de soslaio. — Parece tão deprimente.

— Podemos assistir a um filme de terror — ela trocou de canal.

— Vamos ficar acordados a noite toda? — pediu.

— Claro, docinho.

...

Eram quatro horas da manhã. Ela estava com a cabeça no ombro dele, analisando a ultima página do caderninho de rap de Ondy.

— Eu não dormi, juro — ela sussurrou.

— Eu sei que não — Ondy colocou o dedo de leve na orelha dela, fazendo a menina rir e dar um tapa na bochecha dele.

— Você é péssimo em escrever raps. Eu juro. Estão horríveis.

Ela passou a mão pelo cabelo dele, ainda com os olhos fechados. Ondy também fechou os dele para sentir o toque dela com intensidade. O som da TV parecia distante no momento.

— Venha aqui — ela puxou a gola da camisa dele.

Ondy abriu os olhos. Estava muito perto dela. Wanna continuava com os olhos fechados. Os lábios entreabertos, como um convite.

O que ela pensa que está fazendo?, pensou ele.

Beije -me logo seu mané, pensou ela.

Ondy não a beijou de imediato. Preferiu percorrer sua mão esquerda pelas costas dela, sentiu os ossos de sua costela, a definição de sua cintura...

Gostou da humanidade dela.

Depois, ele a beijou.

Wanna passou os dedos pela nuca dele. Não foi o melhor Beijo que conheceu. Nem chegou perto disso. Podia ficar entre o top 3 pela ocasião e pelo sentimento. Ondy foi uma das pessoas que ela mais gostou durante a adolescência - consegue se lembrar muito bem disso. Mesmo quando vê quem hoje está ao seu lado, a vida não é feita de comparações. Ondy ainda guarda seu espaço, aquele espaço que quer ser preenchido por outro alguém - por outra coisa. Aquele espaço que Wanna fica irritada por não alugar a outro. Outro alguém, outra coisa. Foi a única vez que eles se beijaram. A única. Primeira e última. Ondy percebeu que não tinha sido muito bom. Pensou que da próxima vez poderia fazer melhor. Só que não existiria próxima. Não existiria depois, daqui a pouco, outro dia. Tudo bem, podemos reformular. Eles só tiveram uma noite. Não quer dizer que foi um beijo só. Ficou aquela coisa meio vem aqui, vai pra lá. Aquela coisa meio "eu ainda quero meu espaço".

Eles quase se esqueceram no que haviam se tornado.

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