EXTRA

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Assim que o sol desceu, as portas se abriram. Como sempre acontecia, antes que a primeira estrela despontasse no céu, o primeiro cliente da noite entrava na casa.

E os outros chegavam aos poucos, até que os sofás estivessem ocupados, os copos cheios, e a música disputando o ar com o cheiro de tabaco dos charutos e cachimbos. Eu não vou mentir e dizer que não gostava dali.

Era minha casa, era onde eu havia sido mais bem acolhido do que em qualquer outro lugar. Meus pais haviam me vendido como escravo, para quitar suas dívidas. Eu nunca havia experimentado um sorriso, um olhar de admiração.

Eu recebi isso quando dançava e cantava. Eu era bom nisso. Sentia orgulho de mim mesmo, ao menos em algo. Mesmo que os homens lá dentro estivessem bêbados demais para se importar. Ou apenas interessados em meu corpo.

Era uma ilusão boa. Era uma brincadeira que eu poderia levar adiante.

Eu amava as pessoas que trabalhavam ali comigo. Amava Pansy. E Daphne e Astoria. E Karlo, Katherine, Viktoria, Calisto, e tantos outros. Éramos iguais ali. E eu podia ser eu mesmo, sem medo, sem repreensões, sem julgamentos.

Havia apenas eu mesmo para me julgar. Como eu fazia agora, olhando-me no espelho, de banho tomado, meu cabelo acobreado caindo até os ombros nus ainda úmidos. Minha pele era branca, mas já não tão pálida. Havia leves sardas, quase imperceptíveis em meu nariz e meus ombros.

Meu corpo ainda era magro. Eu comia pouco. Talvez porque eu não quisesse crescer e então precisar encarar a realidade: que eu não poderia apenas dançar e cantar para sempre. Que em algum momento eu precisaria cumprir com o meu papel. Mesmo que Pansy nunca houvesse tocado no assunto.

Vesti-me com uma túnica rosa perolada e atei um cinto grosso em minha cintura. O tecido de seda caía e deixava um de meus ombros à mostra. A meia calça que eu usava por baixo escondia a brancura de minhas pernas. Eu passei a maquiagem lentamente, vendo minhas sardas sumirem sob o pó. Eu estava acostumado com as roupas e com o ar feminino que elas me davam. Não fazia diferença. Eu era o mesmo, independentemente de quais roupas eu usasse. Elas, de qualquer forma, combinavam com meus traços mais delicados.

Desci as escadas com medo de encontrá-lo lá embaixo, mas felizmente não o vi no salão, após uma rápida análise. Minhas mãos tremiam, mas tentei escondê-las para que ninguém as notasse.

"Andrej," Pansy chamou. Ela parou ao meu lado, com o olhar severo. "eu disse para não descer hoje."

"Eu vou fazer isso." Falei, decidido. "Eu quero."

Era mentira, mas uma parte de mim talvez desejasse aquilo, como forma de estancar a ferida. Eu não devia ter me declarado para Draco. Eu sabia que ele não me amava. Eu entreouvira a conversa dele com Pansy antes de me declarar. Eu sabia que ele amava Harry Potter, e mesmo assim havia tentado.

Eu odeio Harry Potter. Mesmo que ele seja o homem que salvou a mim, Draco, Astoria, Daphne... Eu o odeio. Não importa. Eu faria essa noite. Eu deixaria que Marino Romanowski terminasse de rasgar a ferida.

"Não, você não quer." Pansy fez o olhar de quando queria arrancar as forças de quem encarava, mas não funcionou. Depois do que acontecera, depois das palavras de Draco, nada me afetaria.

Eu não culpava Draco, por não me amar. Em bem verdade, achava que ele estava certo. Por que amar um futuro prostituto? Ele fazia bem amar em nobre e respeitado jovem de vinte e cinco anos. Era o melhor para ele. Eu não pensaria mais sobre o assunto.

Claro, eu sabia que era mais fácil falar.

"Eu tenho liberdade de escolha." Disse apenas, e me dirigi para o palco. Subi e recebi as palmas, fingindo um sorriso. Todos os sorrisos seriam fingidos naquela noite.

Era uma vez em Veneza (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora