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O pôr-do-sol de Veneza era sempre um grande espetáculo. Principalmente com vista para o mar, em algum lugar privilegiado. Eu acabei descobrindo um casarão abandonado e esquecido não muito longe do porto, que possuía uma mansarda com parte de seu telhado arrancado. Eu então podia subir no telhado inclinado e me deitar, enquanto observava a lenta chegada da noite.

Fazia pouco tempo que eu a havia encontrado. Não mais que um mês. E há um pouco mais do que isso, eu ganhara permissão de ir e vir sozinho por Veneza, sem Seamus todo tempo como meu guarda-costas. Eu já estava bem melhor na esgrima, e meu florete estava sempre comigo. Eu obviamente não ia para os bairros mais pobres e suspeitos da cidade. Mesmo que já não deixasse o florete cair da mão nas aulas, nem me atrapalhasse com o movimento dos pés, e conseguisse manter e defender uma sucessão rápida de golpes, eu ainda não era um exímio esgrimista. Mas Harry já confiava nas minhas habilidades para me defender sozinho.

Fazia um ano que eu estava em Veneza, e talvez uns quatro meses desde que eu quase fora violentado na rua, e gerado toda uma confusão por ir depois ao bordel de Pansy. No dia seguinte ao que fiz as pazes com Harry, ele felizmente não perguntou nada sobre o porquê de eu ter corrido dele e me trancado no quarto. Apenas me esperou para o café da manhã do dia seguinte e remarcou nossas aulas de esgrima. Eu mal conseguia olhá-lo nos olhos nos primeiros dias, mas depois resolvi que não pensaria mais no que havia feito na banheira de meu toalete.

Desde então tudo estava tranquilo. Eu adorava a liberdade que havia conquistado recentemente, e adorava meus momentos na mansarda, apenas admirando o céu ou os navios que chegavam e partiam de Veneza; os marinheiros descarregando os artigos de luxo que vinham do Oriente, as crianças correndo com a expectativa de furtarem alguma coisa; as mulheres esperando pela chegada de seus maridos; as caravanas do mar se dirigindo para as feiras para venderem seus produtos.

Nesse último mês, eu já havia ido uma vez ao bordel de Pansy, mesmo sem a permissão de Harry. Fui durante o dia e conversei com ela e Andrej e as duas meninas loiras, Astoria e Daphne. Eu gostava deles. Que Harry me perdoasse, mas considerava-os como meus amigos. Também visitei a Senhora Pomfrey, no hospital. Ela chorou de emoção quando me viu, mas não pudemos conversar muito, porque ela tinha uma rotina bastante agitada cuidando dos enfermos.

"Hic!"

"O que foi? Está com fome?" Perguntei para Mordred, que estava deitado sobre minha barriga com as pernas para o ar, nem um pouco interessado no pôr-do-sol. Ele se espreguiçou e não pareceu mais inclinado a se mover. Dei de ombros e continuei a tocar a minha flauta, a mesma que eu usara para caçar os gatos.

Mordred sempre saía comigo. Ele corria mais que a maioria dos gatos vadios da cidade. Era fácil para ele me acompanhar para onde quer que eu fosse. Quando ele vislumbrava algum perigo na rua, corria e subia pelas minhas pernas até algum de meus ombros. Era ótimo que não fosse nada grande. Um comerciante numa feira explicou-me que Mordred era na verdade um coelho anão. Ele soltou um "Hic!" nada satisfeito ao ouvir aquilo, mas em seguida pareceu resignado com a ideia.

Acariciei a barriga dele fazendo-o se contorcer de cócegas.

"Vamos. Temos de voltar, se não chegaremos tarde para a minha festa." O coloquei em meu ombro e desci de volta para a mansarda assim que o sol desapareceu atrás das águas, deixando apenas um céu manchado de vermelho e laranja para trás.

Os pisos rangiam e meus pés erguiam poeira enquanto eu descia até o segundo andar, da onde eu pularia uma janela, descendo por um muro quebrado que servia como escada até a rua, minhas botas de couro estalando contra a pedra irregular. Minha agilidade melhorara nos últimos meses também, graças às aulas de esgrima. Harry nunca mais me mandou caçar gatos, mas eu fui atrás deles por mim mesmo, até que conseguisse capturar vinte em uma única semana. A flauta, que eu carregava sempre no bolso, ajudava nos casos mais complicados.

Era uma vez em Veneza (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora