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Tomou sua decisão.

Saiu de sua casa logo ao amanhecer, sem nada dizer a Yasmin. Ela não o procurou, também. Caminhou com passos firmes pelas ruas, ouvindo o choro e o riso das crianças que ele nunca via. Não perdeu tempo procurando-as, apenas seguiu. Por mais de uma vez, um homem feito de sombras o abordou, fazendo perguntas silenciosas. Ignorou-o. Passou reto, também, por uma mulher que chorava sem parar. Ela não tinha rosto. Simon não tinha tempo.

Seguiu.

Entrou no Sanatório Municipal sem dirigir a palavra a Mirian.

Ela o fitou, por algum tempo, e aqueles olhos eram perversos, imaginativos. Lembrava-se do sonho da noite anterior, ou do pesadelo, ou de uma realidade que buscava esquecer. Passou por ela sem mover os lábios, sem virar os olhos. Apenas passou.

Entrou na sala de espera como não somente um convidado poderia entrar.

Os guardas não o impediram de adentrar o local. Sequer se importaram com sua presença, mesmo ao assimilar suas atitudes.

—Senti sua falta —Eleonora falou. Ela se levantou, trêmula, na esperança de abraçar a Simon, mas ele a recusou, empurrando-a de volta para a cadeira. —Ei, não faça isso! Os mundos não estão se mostrando aptos a aceitar uma escolha como essa!

Emudecido, Simon seguiu.

E lá estava o velho Bill, os lábios espumando, os olhos vidrados.

—Você voltou? —disse ele. —Achei que não voltaria. Achei que não mais entraria nesse lugar. Que merda, estava errado. Tentei salvá-lo, seu verme, tentei com todas as forças, mas você escolheu esse lugar. Assim como meu irmão.

Calado, seguiu.

Passou por outros tantos loucos, e ao fim, o encontrou.

Allen.

—Seja bem-vindo ao —

Não conseguiu terminar sua frase antes de cuspir dois de seus dentes.

O soco desferido por Simon foi ríspido, sem aviso e sem mesuras. Veio como um relâmpago, atingindo em cheio ao maxilar do paciente, que logo se encheu de sangue. Dois dos guardas pararam para olhar, mas não se moveram, indiferentes.

—Filho de uma puta —Simon falou, furioso. Tirou Allen do chão com suas mãos, sacudiu-o no ar. —O que você fez com a minha vida?!

—Eu? —Allen sorria um sorriso coberto de sangue. O ar lhe escapava pelas duas novas frestas em sua gargalhada. —Nada fiz, moleque. Foi ele. Ele fez. E fez somente porque você deixou.

Outro soco, dessa vez num dos olhos, que logo se marcou, inchado. Allen despencou ao solo mais uma vez, sem reagir. Ria, e apenas ria, o que fazia doer mais do que qualquer golpe o faria.

—Mande ele embora, maldito! —Simon gritou. Os guardas o olhavam. Todos o olhavam. Ele não se importava. —Tire esse demônio da minha vida! Tire essa sombra dos meus passos! Mande ele embora!

Allen gargalhou.

Um terceiro soco, agora no nariz, que entortou de uma só vez, jorrando escarlate.

—Não adianta me bater —disse o paciente. —Você fez sua escolha. O destino já foi escrito, e nada podemos fazer para mudá-lo. Como é vê-la chorar, Simon? Como é ouvir todas aquelas perguntas sem saber o que responder? Como é ser incapaz de aceitar o que fez?

—Você tem uma escolha, Allen, e não vai demorar muito tempo para que eu a faça por você. Ou tira essa maldição da minha vida, ou eu acabo com a sua. O que escolhe?

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