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Fazia um frio incomum para aquela época do ano. As janelas, sempre fechadas, grunhiam tristes sinfonias conforme o vento soprava, sem pressa, carregando consigo o início da madrugada. Lá fora, um sereno singelo começava a cair, umedecendo os telhados e as folhas das árvores.

Foi esse cenário que os olhos de Simon enxergaram quando começaram a se abrir.

O quarto estava escuro, exceto pela branda iluminação do abajur, um pedido de Yasmin, desacostumada a dormir com todas as luzes apagadas. Segundos após despertar, Simon se acostumou à penumbra, e lá enxergou, pouco a pouco, o corpo de sua esposa, enrolada por completo na coberta que deveria dividir com ele. Ela dormia o mais profundo dos sonos, cansada pela rotina e, porque não, pelo amor realizado pouco antes de decidirem dormir. Agarrada ao travesseiro, respirava com tranquilidade, e aquele seria o único som da noite, não fosse o tiquetaquear do despertador sobre a cômoda.

Mas não havia tiquetaquear algum.

Simon sentou-se à cama, esticando o braço até alcançar o relógio que o acordaria na manhã seguinte. Todos os ponteiros estavam congelados e, pelo horário, desde o começo da noite. Como ele não percebera antes? Levantou-se da cama, procurando pelos chinelos, pôs-se em pé. Se aquele relógio não despertasse, ele e sua mulher se atrasariam para seus adoráveis compromissos rotineiros do dia seguinte, o que não era nada bom. Yasmin já levara algumas advertências, e ele próprio não estava no melhor dos climas com seus chefes imediatos. Não valia a pena arriscar.

Com cuidado, sem a intenção de acordar sua esposa, Simon abriu uma por uma das gavetas do pequeno armário ao lado de sua cama, em vão. Encontrou preservativos, contas de água e luz, canetas e lanternas, mas nada de pilhas. Lembrava-se de comprar algumas, uma reserva que sempre fazia, mas elas não estavam lá. Onde poderiam estar... Ah, sim, na cozinha. Havia uma caixa de madeira com diversos utensílios importantes para a casa, bem como muitas outras tralhas colecionadas para uso nenhum. Simon fechou todas as gavetas de seu armário e caminhou, atento para não produzir som algum, até a porta de seu quarto, a qual abriu cuidadosamente, deixando o rangido inevitável o mais baixo possível.

A casa de Simon e Yasmin não era das maiores. Não era sequer própria, na verdade. Até então, mesmo casados, eles dois não tinham reservas financeiras boas o suficiente para comprar uma residência. Dividiam as despesas do aluguel e das contas para manter-se ali, juntos, e não nas respectivas casas dos pais, como antes faziam. Aquela era a terceira casa que alugavam nesse período de tempo, devido a problemas com atrasos de mensalidades, que ocasionalmente aconteciam. Simon esperava que, dessa vez, as coisas fossem diferentes. Por isso a preocupação com as pilhas, o despertador, o horário dos empregos e os salários medíocres.

Atravessando um pequeno corredor que também rangia, Simon passou por sua sala, onde a televisão jazia calada, e chegou até a cozinha. Lá, pelo vidro entreaberto, pode ouvir o som do vento lá fora, que não era de tempestade. Pelo contrário: era miúdo, como o sopro de uma criança contra a vela de seu bolo de aniversário. Parecia um assovio de tão fragilizado. Aproximou-se da janela e a fechou, evitando assim a chuva que por ela passava.

Começou a procurar na caixa de madeira pelas pilhas, e não demorou a encontrá-las. Havia mais delas na reserva feita por ele, e lá mesmo permaneceram. Levou consigo o suficiente para arrumar o relógio e voltou-se para a sala, e foi então que ouviu.

Não era o vento, tampouco a chuva.

Eram passos.

Pareciam estar próximos, perto demais, na verdade. Passos ocos, dados um a um em baques secos, de alguém de pouco peso. Simon parou para escutar, concentrado, e então os passos pararam também, como se o observassem. Olhou ao redor, na sala, na cozinha, na janela. Nada. Ninguém estava ali.

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