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—Tá na hora de acordar, Senhor Fotógrafo —brincou Yasmin.

Simon se revirou na cama. Abriu os olhos sem pressa, tomado por preguiça, esticou o corpo ao seu limite e bocejou. O relógio ao lado da cama dizia seis horas. Cedo demais, obviamente. A manhã acabara de começar, mas o sol já brilhava alto, como uma presença radiante no céu azul. Se comparada à noite anterior, feita somente por chuva e ventos frios, aquela era uma linda manhã.

Mas nunca uma manhã boa para se acordar.

—Eu já vou —tentou ele, mas Yasmin o sacudiu outra vez.

—Não, não, você vai agora mesmo —ela disse. —Seis horas! Faltam apenas sessenta minutos para a sua primeira exposição! Lembra do quão importante isso é?

E certamente ele lembrava, e sabia, muito mais do que Yasmin desconfiava, que o nervosismo daquela data era incomum. Simon adorava fotografar, o que sempre levou como um hobby, mas agora as coisas eram diferentes. Depois de ser descoberto por algumas fotos na internet, mais por acaso do que por talento, recebeu o convite de uma empresa dos arredores para criar uma exposição num museu de sua cidade, completamente patrocinada, e apresentar algumas de suas fotos temáticas. A escolha do tema não foi substancial: crianças. O motivo favorito das fotos de Simon.

Desde então, as coisas mudaram. As fotografias se tornaram profissão, e não somente prazer, mas nada melhor do que uma profissão que se alia ao prazer de se envolver com algo assim. Cada clique das câmeras, desde aquele dia, era diferente. Tinha uma razão. Não era mais um clique qualquer, para uso pessoal. Não era mais uma imagem para ser armazenada em pastas num hd externo, abandonadas pela eternidade ou até mesmo esquecidas. Era uma imagem a ser exposta, admirada e contemplada por diversos olhos, dentre os quais poderia existir alguma imensa oportunidade de trabalho, ainda melhor do que o patrocínio de uma pequena exposição, ainda melhor do que a vaga no escritório do jornal local, que Simon já nem mesmo suportava.

—Vamos, levante!

Ele ainda estava deitado, pensando em tudo aquilo. Abriu os olhos, dessa vez com mais energia, e olhou para Yasmin. Ela já estava arrumada. Acordara muito antes, ajeitara suas coisas, preparada para um evento de tamanha importância para seu marido.

Mais uma vez, teve certeza de que aquela era a mulher de sua vida.

Yasmin era jovem, ainda mais do que Simon. Tinha longos cachos castanhos, desgastados por um dia perderem a cor para a química, levados pelas modas de época, mas hoje tinham, mais uma vez, o tom original. Seus olhos eram bem claros, mas não diferentes das cores tradicionais, que todas as pessoas nas ruas têm. Ela tinha tudo para ser só mais uma mulher bonita, no meio de tantas outras mulheres bonitas, mas era mais.

Era a esposa de Simon.

Conheceram-se por acaso, ainda na faculdade. De início, não fizeram foram bons amigos. Rivalizaram um pouco no Jornalismo, divergindo em certas opiniões e acreditando fielmente que poderiam, através de argumentos e atitudes, modificar os pensamentos do outro a longo prazo, o que não aconteceu, claro. Aconteceu, entretanto, um jantar amigável, o qual foi planejado por ambos como uma oportunidade perfeita de amargurar o rival com sua conversa culta.

Resultado: ambos se apaixonaram, como tinha de ser. Talvez não tenha sido de imediato, mas a questão não é essa. Eles estavam apaixonados, e o tempo cuidou do restante, forçando-os a se unir, e a manter-se unido desde então. Passaram anos juntos, de mãos dadas e alianças trocadas, e logo decidiram se casar, o que exigiu muito da economia de dois jornalistas formados. Casados, após uma lua de mel bastante singela, pensariam em ter filhos, mas tal decisão tardaria a sair do papel.

—Eu fiz o seu café —disse ela. —Achocolatado! Imagino que cafeína te deixasse ansioso demais, o que não seria bom.

—Você sempre pensa em tudo —sorriu Simon, sentando-se na cama. Buscou um beijo de sua amada, mas ela desviou, sorridente.

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