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Simon sentou-se diante de Allen.

Ele não deveria estar ali, ao menos, não naquele momento. Mas ele não deveria estar ali de qualquer forma. Olhou o relógio e constatou que, meia-hora antes do retratado pelos ponteiros, iniciara sua rotina de trabalho. Mas ele estava ali, em outro lugar, cuidado de sua pesquisa. Aquela era uma oportunidade única, certamente, e requisitava uma dedicação centralizada, um esforço e uma determinação que o trabalho de Simon não lhe permitia ter.

Seus motivos para estar ali tão cedo, no entanto, eram outros.

—Olha —Allen falou, sem levantar os olhos. Dobrava um papel, indo e vindo nas esculturas de dobradura. —Se não é nosso querido fotógrafo.

—Gostaria de conversar contigo hoje, Senhor Allen —Simon falou, formalmente. Tirou da bolsa um pequeno bloco de anotações e uma caneta de tinta preta. —Será que me daria essa honra?

—Honra? —Allen deixou escapar um sorriso. —Parece abatido, Senhor Simon —com ironia. —Noite difícil?

—Um pouco. Pesadelos, sabe? Não gosto deles.

—E quem gosta? Terrível a sensação de ser observado enquanto sonha. Pior, ainda, ao acordar e saber que não foi somente uma alucinação.

Simon deu de ombros, indiferente. Não queria falar sobre seu pesadelo, não mesmo.

—Vim até aqui por um motivo específico —disse ele. A ponta da caneta tocou a folha em branco e, enquanto ele falava, ela o rabiscou, trêmula.

—Como disse anteriormente, você é bastante curioso. Deveria ficar longe de certas coisas.

—Não quando certas coisas ficam perto demais de mim. —Simon curvou-se na cadeira, aproximando os lábios da orelha de Allen, onde sussurrou: —Eu o vi. O Homem de Branco. Ele e os seus olhos negros. Foi terrível.

Allen parecia embasbacado pela surpresa. Demorou até que se recobrasse, mas sua reação foi risonha, como se insano. Não era de se esperar diferente de alguém que se mantinha ali, nos quartos de um sanatório.

—Nos sonhos?

—Talvez. Não tenho certeza se era somente um sonho. Foi aterrorizante.

—Devo informá-lo de algo que talvez lhe pareça trágico: o Homem de Branco não sonha, muito menos faz sonhar. Ele não aparece em nossas mentes. Ele está ali, em todo lugar.

—Por que?

—Porque ele quer. É assim que funciona.

Simon percebeu-se riscando o bloco de anotações. Olhou para a folha e, nas linhas, encontrou uma mancha negra similar a um rosto, e duas frestas não pintadas, como olhos alvos de uma criatura bizarra. Coloriu os olhos, também, do mesmo negro da caneta.

—Todos aqui temem ele, e só agora entendo —Simon falou, pensativo. —Você é ele. Você enlouqueceu quem já se mostrava insano. As pessoas aqui te odeiam.

—Logo você também há de me odiar, fotógrafo. Não dá para evitar. Tenho uma atração violenta pelo desprezo.

—Me diga apenas uma coisa: por que? Por que ele apareceu para mim? Por que me escolheu?

Allen riu alto, e dois dos guardas o observaram até que se acalmasse. Simon disfarçou.

—Ele não te escolheu, pirralho —respondeu o louco. —Você veio atrás de problemas. Ele apenas aceitou seu convite e entrou na sua vida.

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