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—Que barulheira é essa? —perguntou Yasmin.

A mesa do café da manhã estaria mais tranquila, não fosse aquele caos da rua. Ainda de pijama, bastante sensual, por sinal, ela abriu a porta de sua casa, logo pela manhã, dando de encontro com as três garotas mais travessas da rua.

—Bom dia, Dona Yasmin! —gritaram todas, em coro, sorridentes e brincalhonas.

—Vocês estão destruindo o mundo, meninas?

—Estamos fazendo dele um lugar melhor —respondeu Cibele, a mais nova, cujas sardas das bochechas transformavam-na na criatura mais dócil do bairro. Seu sorriso era tomado por placas de metal e borrachas verdes, as quais se misturavam ao verde de seus olhos, apaixonantes.

—Mas tão cedo assim?

—Não tem hora para ser feliz, Yas —era Sofia, a do meio, nem tão velha, nem tão nova. Sofia era como um anjo, de cabelos dourados cobertos de caracóis, sempre usando sua tiara azulada, similar ao azul claro de seu olhar seguro de si. Mesmo jovem, Sofia estava sempre maquiada e perfumada, um luxo que sua mãe permitia, e que Yasmin achava desnecessário, mas enfim.

—Hoje é um dia especial! —Selena, a terceira, e mais velha, falou. Sendo a mais alta da turma, Selena era considerada a líder, ainda mais por sua postura mais séria e firme nas palavras, como se fosse uma adulta diminuta. Os cabelos eram enormes, muito maiores do que os fios das outras garotas de nove anos, escuros e brilhantes. Ela sempre vestia saias, algumas curtas, outras longas demais, mas nunca um meio termo. Era seu jeito de valorizar as pernas longas, que um dia a levariam a uma carreira de modelo, possivelmente. —Todos os dias são, na verdade. Mas hoje é ainda mais!

—E posso saber o por quê? —Yasmin perguntou, as mãos na cintura, fingindo curiosidade.

—Hoje é aniversário da Gertrudes! —respondeu Sofia, pulando e sacudindo os braços. —Mas ela não tá aqui pra comemorar, então a gente comemora por ela.

—Gertrudes?

—É a boneca da Cibele! —respondeu Selena. —Ela sumiu.

—Então procurem-na! Como podem comemorar o aniversário de uma boneca desaparecida?

Sofia se aproximou de Yasmin.

—É que o meu cachorro a engoliu —sussurrou, cobrindo a boca. —A gente tá escondendo isso da Cibele pra ela não ficar chorando a toa, sabe?

—Entendi. Poxa, que pena que ela não pôde aparecer! Mas tenho certeza que a Dona Gertrudes está feliz, seja onde for! Quantos anos ela faz hoje?

Cada uma das garotas respondeu uma idade diferente, e Yasmin apenas riu, acatando todas as respostas.

—Que legal! Hm, acho que tenho uma surpresa para essa senhorita, deixe-me ver...

Ela procurou em suas coisas, jogadas na bolsa, sobre o sofá, e tirou alguns bombons.

—Tem seis chocolates aqui —disse ela, entregando dois para cada garota. —Vocês podem comer três deles e guardar os outros para presentear a tal da boneca, o que acham? Ou comam todos! Ela vai agradecer pelo regime, um dia.

—O que é regime, Yas? —perguntou Cibele.

—Muito cedo pra saber, mocinha, melhor esperar mais alguns anos.

—Se você diz...

—E cadê o maridão, Mimi? —Selena perguntou. —Dormindo ainda?

—Quem dera! —Yasmin riu, achando graça nos apelidos. —Ele foi trabalhar mais cedo hoje. Sabe como são os homens, quando começam alguma coisa, gastam todas as energias nela e esquecem da gente! Ah, desculpa, vocês não sabem disso ainda, né? Vão odiar descobrir.

—Mas a gente tá aqui pra alegrar o seu dia, Yas! —cantaram todas, unindo as mãos e girando ao redor de Yasmin, que saltitou, entrando na brincadeira.

—Agora vamos continuar a comemorar o aniversário da Dona Gertrudes! —avisou Selena. —Se precisar de alguma coisa, é só nos chamar!

—Preciso de férias, acha que pode me ajudar? —Yasmin brincou, e as garotas mostraram a língua, gargalhando e correndo para os brinquedos da praça de esquina.

Yasmin fechou a porta ainda sorrindo. Aquelas garotas eram a agitação do bairro, sempre juntas e amigáveis. Simon as adorava, também. Sempre que tinha oportunidade, corria junto delas na rua, brincando de bola ou trazendo novas bonecas para o trio. A própria Gertrudes, aniversariante do dia, fora um presente do fotógrafo, comprada durante uma visita ao centro da cidade. Pobre Cibele, que ficaria esperando pela boneca por longos meses.

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