Cassian
Nestha franze ligeiramente o nariz quando bate a porta do carro e observa a fachada do pequeno estabelecimento.
Paro ao seu lado e observo enquanto ela avalia o lugar, a bolsa ainda pendurada num dos ombros e as mãos brincando com seus pulsos, sob a beirada das mangas de sua camiseta.
— Illyria. — Ela murmura, inclinando a cabeça apenas de leve ao ler o nome.
É a primeira vez que ouço sua voz desde que me ofereci para trazê-la até aqui.
Para mim ela parece estar completamente apática, os olhos vazios ao encarar os meus. Por algum motivo, isso faz meu estômago apertar.
— Como a cadeia de...
— Como a cadeia de montanhas. — Ela me interrompe e eu ergo uma sobrancelha. — Já li a respeito. — Dá de ombros.
— Claro. — Limpo minha garganta, ainda surpreso por ela saber qualquer coisa sobre isso.
— Ainda existe uma tribo de nativos que vive por lá, certo? — Nestha esfrega os braços para espantar o frio e agradeço ao fato de que agora esteja encarando a fachada outra vez e não o meu rosto. — Dizem que são selvagens.
— Não são selvagens. — Murmuro e isso atrai seu olhar novamente. — Eles têm sua própria forma de civilização, por mais deturpada que ela pareça aos olhos de alguém de fora.
— Como sabe disso? — Curiosidade brilha em seus olhos, mesmo que seja uma chama frágil. Abro meu sorriso mais arrogante numa tentativa de atiçar essa chama.
— Eu sei. — Pisco e seus olhos se reviram para mim antes de voltar a encarar a entrada. — Vamos. — Pairo ao seu lado e estendo a mão para apoiar na base de suas costas, mas Nestha é mais rápida e anda à minha frente com aquela confiança natural que irradia dela. Seguro meu sorriso diante disso e a acompanho para dentro através das portas de vidro preto.
Tropeço em seu corpo magro quando ela para logo após o batente, sem saber exatamente para onde ir.
Seguro em seus ombros e aprecio o cheiro delicioso do chá quente que acerta nossos rostos. Depois olho ao redor para as cabines de madeira trançada e os murmúrios de conversas subindo pelo ar. Deslizo minhas mãos pelos braços de Nestha e a impulsiono a continuar andando até os fundos, onde a solto para que se ajeite dentro de uma cabine e me sento do outro lado, com a pequena mesa entre nós.
Ela empurra sua bolsa sobre a mesa e então apoia os cotovelos, pousando o queixo sobre as mãos para me encarar com mais atenção.
— O que você vai pedir?
— Foi o cheiro, não foi? — Brinco, deslizando o cardápio para ela.
— Do que está falando? — Ela o pega depressa e começa a correr os olhos pelas linhas.
— Você está me olhando como se de repente fosse capaz de comer um touro. — Brinco e recebo seu olhar entediado. — Ou a mim, que estou mais próximo. — Acrescento, e dessa vez recebo as costas do cardápio colocadas estrategicamente entre mim e seu rosto.
Vários minutos se passam e começo a batucar meus dedos, até que ela sussurra.
— Sim, o cheiro é malditamente bom.
Sorrio embora ela não possa ver meu rosto. E meu sorriso aumenta quando ela pede uma torta inteira de amora.
Poucas coisas são tão capazes de abrir o apetite de uma pessoa como o cheiro da comida desse lugar.
Estico a mão e puxo o cardápio dela. Antes que ela possa reclamar, ergo a mesma mão para chamar Emerie do balcão.
Nestha desvia seus olhos imediatamente para ela. Quase posso ver a mente afiada dela esquadrinhando a pele escura e os cabelos mais escuros ainda da outra mulher. Então seus olhos voltam para mim, comparando.
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Pedaços de Nós
RomanceFragmento: substantivo masculino 1. pedaço de um objeto que foi desfeito, quebrado; pedaços. 2. aquilo que resta de uma obra antiga. Nestha Archeron jamais se permitiu um único gesto de fraqueza. Um pedido de ajuda. Ela não precisava de ajuda. Mas a...