Encontro de almas

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O som estridente do despertador reverbera pelo pequeno cômodo, quando me viro a luz do sol atinge meu rosto como um soco, franzo o cenho pois não lembro de ter deixado a janela aberta ontem, me levanto com dificuldade apesar de ter dormido mais que o normal sinto-me fraca e dolorida como se tivesse corrido uma maratona ontem. Olho a hora e vejo que são 05:45.

- O dia vai ser longo. - digo, descendo da cama e indo em direção ao banheiro.

As ruas de Londres estão mais agitadas que o habitual, o Dulce Coffe London me parece mais vivo hoje do que nos outros dias da semana, as pessoas entram e saem como em uma estação lotada, mesmo sendo inverno o movimento nunca para, principalmente em uma segunda-feira as 08:30. Caminho calmamente até a cafeteria, a madre tinha razão não a nada melhor do que uma boa xícara de café depois de uma longa caminhada, peço um latte e enquanto espero meu pedido decido dar uma olhada no meu reflexo, quando uma voz chama minha atenção:

- Sentiu minha falta...? - sussurra.

Viro-me de supetão e passo os olhos pelo café nervosa, "quem disse isso?!"

- Algum problema? Não me diga que está com medo de mim...? - diz sorridente, preciso manter a calma, isso não é real, não posso perder a calma em um lugar tão cheio como esse, inspiro e expiro devagar conforme minha psiquiatra indicou e olho novamente para a moça simpática do balcão implorando mentalmente para que ela já esteja com meu pedido em mãos.

- Por que não olha seu reflexo...? Ouvi dizer que os espelhos refletem imagens claras do passado. - sua voz sai ainda mais próxima, como se estivesse não ao meu redor mas dentro de mim. Sinto o pânico tomando conta e por um momento eu desejo que isso acabe, que tudo passasse como o sopro do vento em uma noite quente de verão, mas isso não pode acontecer, não posso desistir sem mais nem menos por algo o qual só eu posso ver, isso não passa de uma brincadeira, ele está brincando comigo, mas eu que irei ganhar no fim, custe o que custar eu irei vencer isso mesmo que custe a minha sanidade, bom, o que sobrou dela.

- Elizabeth Williams. - diz com um tom tedioso, a voz da atendente permite realocar-me de volta a este mundo, não posso deixar ele me distrair assim novamente, suas provocações estão custando cada vez mais de mim, preciso acabar logo com isso, não posso deixa-lo escapar por entre meus dedos outra vez, se eu irei ao inferno mais cedo do que o desejado me certificarei de leva-lo comigo, não importa como ou o que terei que fazer para isso acontecer irei leva-lo, não posso deixa-lo aqui, ele precisa de mim tanto quanto eu preciso dele, dependemos um do outro, por mais que eu odeie admitir não posso perde-lo, ele é a única parte de mim que ainda resta intacta, se eu perde-lo posso não ser capaz de continuar, mesmo tendo ido do céu ao inferno, tendo passado boa parte da vida sendo seu brinquedo favorito, tendo me tornado um monstro por causa de sua ganância e ego inflado ainda dependo dele.

- Sra. Williams...? - a voz da atendente sai um pouco mais alta, pago pelo café e saio da cafeteria a passos rápidos, preciso achar um jeito de encontra-lo o mais rápido possível.

A margem norte do rio Tâmisa observo as estrelas, brilhando e dançando por aí livres para serem e fazerem o que quiserem, sinto inveja delas, achei que quando eu a deixasse ir estaria livre, mas estava errada, quando a deixei partir descobri o real significado da palavra "medo" sem ela o mundo com ele era arrebatador, passei a vê-lo como realmente era, e não com a mesma ilusão criada por ela para que eu continuasse a ser sua linda e frágil bonequinha de porcelana, desde então travamos uma guerra um contra o outro para no fim ver quem saíra livre, mesmo ambos sabendo que se esse dia chegar todos sucumbiremos.
  A estrutura da White Tower faz jus ao nome do reinado de vossa majestade, suas paredes altas e reforçadas guardam anos de história e segredos reais, desafiando o mais corajoso dos mortais a cometer tal loucura a ponto de entregar sua alma ao demônio por mais cinco minutos dentro desse lugar. O que para muitos é uma fonte de história e cultura, para mim não passa de uma forma de acariciar o ego e os bolsos do governo usando e abusando das pobres almas de nossos antepassados.

- Olhe para cima. - ordena, com sua voz forte e rouca ameaçando dominar-me caso o contrarie.

Obedeço a contra gosto e olho a minha esquerda, lá no alto de uma das torres desafiando não apenas o homem, mas também seu criador a tira-lo de lá, a traze-lo para a luz, está minha metade, o pior de todos os seres já criados e meu maior pecado.

- O que você quer? - questiono tentando parecer firme, tanto suas brincadeiras quanto suas entradas extravagantes estão me importunando a tempo de mais, sugando cada gota do meu ser.

- Você. - diz ríspido, posso não ser algo como ele, mas sei como pensa e que sente falta do passado, o qual nenhum de nós será capaz de esquecer, marcado não apenas em nossos corpos e mentes, mas principalmente em nossas almas, unindo e destruindo cada um de nós não só com pesadelos mas principalmente com um ao outro, as vezes desejo que ele tivesse me matado no início, que suas trevas tivessem me consumido e tornado-me mais um de seus brinquedos, assim nenhum de nós teria que ser o amor e ódio, luz e trevas e até mesmo paz e guerra, estou cansada, ao mesmo tempo que quero destruí-lo desejo seus braços ao redor do meu corpo, desejo o passado.

A Procura da VerdadeOnde histórias criam vida. Descubra agora