O vento gelado da madrugada atinge o meu rosto e balança os meus cabelos em uma dança maluca. Os raios do sol nascente passam pelas folhas das árvores aquecendo um pouco da minha pele exposta, apesar da baixa temperatura causada pela nevasca da noite anterior a Epping Forest continua incrível, ainda é possível ver uma fina camada de neve pela grama e as árvores ainda carregam pequenos resquícios de gelo em suas folhas e troncos.
  Muitos podem achar loucura sair para uma caminhada em pleno inverno e pode até ser que eles tenham razão, mas para mim não a nada melhor do que isso, é como se Londres fosse coberto por uma camada grossa, fofa e muito fria de Dezembro a Fevereiro, para todos os efeitos o inverno aqui me trás uma estranha sensação de lar como se durante as outras estações eu estivesse em um sono profundo e assim que a primeira neve cobre a cidade eu desperto, cada vez mais viva. 
  Saio da trilha e vou caminhando observando atentamente cada detalhe desse lugar, mesmo indo cada vez mais longe sou incapaz de sentir medo, pelo contrário me sinto segura, como se nada nem ninguém fosse capaz de me encontrar, estou indo cada vez mais fundo dentro da floresta e a cada passo dado mais segura me sinto, mais poderosa, sinto como se aqui fosse o meu lugar, longe da agitação da cidade, longe dele, de tudo. 
  De repente reparo que estou em uma parte da floresta que não tem neve, o verde prevalecesse aqui como mágica, fazendo com que eu me questione se a primavera já chegou a deixar esse lugar, o tom de verde das folhas das árvores e da grama são tão lindas que por um momento tenho a impressão de que isso tudo não passa de um sonho, de que depois de tantos anos tendo pesadelos eu finalmente posso me libertar, se isso for um sonho eu não quero acordar... Quero ficar aqui, onde ninguém pode me atrapalhar, me machucar. 
  Sigo em frente parando apenas quando chego a beira do lago, me sento em uma rocha aproveitando a sensação boa causada tanto pelo ambiente quanto pelo sol aquecendo o meu corpo. 

- Isso sim que é vida.- indago.

  Poderia ficar aqui para sempre observando os peixes nadando em círculos nas águas cristalinas, os esquilos saindo de suas tocas para pegar nozes, os cervos descansando sobe a sombra de uma árvore, durante a manhã ouvir o canto dos pássaros e ao anoitecer ouvir as histórias das estrelas sem me preocupar se irei encontrá-lo ou não, quando será sua próxima provocação, se será nosso último encontro ou ainda o verei novamente, aqui eu não preciso me preocupar em parecer normal, em agradar as pessoas, posso ser quem eu quiser, fazer o que eu quiser... Não preciso esconder quem eu sou de verdade, temer o que verei ao olhar no espelho se serei eu ou aquela coisa assustadora, sem alma, criada para matar e torturar a seus mandados, feita para destruir tudo que há de bom no mundo, mesmo tendo me livrado das sua garras ainda sou atormentada pelo passado cada vez que o vejo, que o toco, a cada reencontro parece que estou de volta há treze anos atrás, parece que eu ainda sou sua máquina de destruição alimentada pela dor dos outros para suprir a necessidade e a falta de  sua atenção, mesmo agora após tantos anos ainda sou afetada, sendo em Londres ou na Itália não consigo me livrar disso, desse vazio que se instala em mim a tanto tempo, me perdi dentro de mim e agora não consigo me encontrar e nada nem ninguém pode me ajudar porque por mais que eu queira me encontrar não acho que eu poça voltar a ser o que era por completo, sabendo o que sou ou não isso não mudará  o que fiz, não trará de volta as pessoas que perdi por ganância, por poder, eu destruí tudo o que mais amava por causa dele e terminei vazia, acreditei em suas palavras e no final terminei em uma sala fria e úmida de um sanatório, perdi tudo que tinha de mais importante na vida por ele e mesmo assim ainda o amo, não posso me livrar dele por mais que eu queira, o que eu senti por ele foi tão intenso que não sou capaz de descrever, depois de anos trancada naquele lugar eu finalmente pude respirar, mas como tudo nessa vida nada é de graça, querendo ou não tudo que vem fácil vai fácil... Bem, nem sempre já que o preço que paguei pela minha liberdade me condenou ao inferno tanto na terra quanto na vida eterna, sinto falta de casa, sinto a falta dela, das nossas conversas e até mesmo das nossas brigas ridículas, eu tinha o mundo aos meus pés e perdi por algo momentâneo que para mim seria eterno, condenei não apenas a mim mas a todos que amava por ele, vendi suas almas para quem fui ensinada a odiar e nunca confiar, mas porque eu não consigo me arrepender, mesmo aqui em meio a este lugar mágico enquanto tudo o que fiz vem em minha mente porque não posso simplesmente deixar as lágrima lavarem meus olhos e levarem a dor embora?! Passei tempo de mais enganando a mim mesma dizendo que o que fiz era a coisa certa que agora que finalmente me convenci não posso mais voltar atrás, por mais que eu a queira de volta não posso esquecer que tudo começou por sua causa, posso ter cedido a suas tentações mas foi por ela que me entreguei a ele, acreditei que o que ela me dizia era para o bem de todos porém no fim ela acabou morta por minhas próprias mãos assim como os outros e eu fiquei aqui lembrando de como sua voz se sobressaia sobre as outras enquanto eu via sua pele derreter e despregar de seus ossos... Enquanto não só a sua mas a vida de todos ali desaparecia de seus olhos deixando apenas a escuridão e o vazio da noite.   

A Procura da VerdadeOnde histórias criam vida. Descubra agora