𝙲𝚊𝚙í𝚝𝚞𝚕𝚘 𝙸𝙸 - 𝔏í𝔡𝔢𝔯

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S̲ã̲o̲ ̲P̲a̲u̲l̲o̲ ̲S̲P̲, ̲ ̲0̲3̲ ̲d̲e̲ ̲n̲o̲v̲e̲m̲b̲r̲o̲ ̲d̲e̲ ̲2̲0̲1̲9̲

꧁Joanna꧂

         𝕍entos frios invadiram a cidade de São Paulo no primeiro domingo de novembro, um convite para meus amigos se acomodarem na pequena sala da minha casa.
Felicia, como sempre, estava com uma bolsa pronta para mais um mês hospedada aqui. Louisa se mudou para cá, após minha mãe insistir quando contei que ela precisava de um lugar para ficar por uns tempos, Josy se aproximou e resolveu ficar, e Carlos e Victor se convidaram para o fim de semana. Os meninos se acomodaram na sala, um no sofá e outro num colchão de uma cama antiga. Já Felicia sempre divide a cama comigo, agora tem Louisa se apertando conosco e Josy pegou o sofá grande ao lado do meu guarda-roupas.

— Anna? — Josy entrou no quarto. — Você ainda está nisso? Agh. Hoje é sábado.

— Eu sei. — digo. — Venha, senta-se aqui.

Ela puxou outra cadeira e encostou ao meu lado, apoiando a cabeça no meu ombro.

— O que eles estão fazendo lá? — pergunto.

— Jogando xadrez. — Josy junta as mãos e coloca no meio das coxas, tentando se aquecer. — Sua mãe joga muito bem. Mas ainda acho que Felicia preferiria um videogame.

— Ela falou isso?

— Por incrível que pareça, ela não reclamou. Mas eu imagino isso. Na verdade, ela está muito calada.

Mais um dia de silêncio. Quando algo sair da boca de Felicia, será devastador.
Josy segurou minha mão, me fazendo parar de escrever. Olhei para ela, surpresa.

— Anna... Você precisa parar com isso.  Se dê um descanso. Já estamos quase no fim do ano. Respire um pouco.

Não falei nada. Eu sei que nunca me dou o luxo de descansar.
Quando percebeu que eu não diria nada, Josy se levantou e saiu, levando consigo um edredom dobrado embaixo do braço.
Me encostei na cadeira, massageei a têmpora e suspirei. Depois me enclinei sobre a mesa e olhei para toda aquela papelada. Uma vida muito bem documentada, numa época distante, em que isso só era possível para muito poucos. Em termos relativos, tanta tinta e pergaminho foram gastos por seus contemporâneos escrevendo sobre Joana D'arc quanto a impressão e o papel nos séculos seguintes que se seguiram. Na minha mesa, há crônicas, cartas, poemas, tratados, revistas e cópias de livros de contabilidade. Acima de tudo, há cópias de dois notáveis conjuntos de documentos: os registros do julgamento de Joana D'arc por heresia em 1431, incluindo os longos interrogatórios a que foi submetida, e os registros do “julgamento de anulação” realizado pelos franceses vinte e cinco anos mais tarde a fim de anular o processo anterior e reabilitar o nome de Joana. Do outro lado, Maria Quitéria, primeira mulher no Exército brasileiro. Pouco se fala nos livros de história sobre a trajetória da heroína brasileira. Em 1822, Maria Quitéria de Jesus entrou para o exército nacional, vestida com trajes masculinos e sob o nome de Medeiros. Disfarçada de homem, lutou na Guerra da Independência, até que sua verdadeira identidade foi descoberta. No entanto, devido à sua habilidade com armas e disciplina, ela passou a integrar o exército com seu verdadeiro nome, tornando-se a primeira mulher a fazer parte de uma unidade militar no país. Sem final trágico, mas com pouca documentação. A coragem de Maria em ingressar em um meio masculino chamou a atenção de outras mulheres, as quais passaram a juntar-se às tropas e formaram um grupo comandado por ela. Épocas diferentes, mas mulheres parecidas. Joana é, notadamente, um ícone versátil: uma heroína para nacionalistas, monarquistas, liberais, socialistas, católicos, protestantes, tradicionalistas, feministas, para os de direita e os de esquerda, Vichy e Resistência. Ela é uma inspiração recorrente, um tema reproduzido na arte, na literatura, na música e no cinema. Aqui no Brasil, Maria Quitéria tornou-se símbolo da emancipação feminina e exemplo para mulheres de todo o país. Um exemplo para mim, e assim como ela, estou decidida a fazer o que eu quero. Ultrapassando todos os limites possíveis.

𝕰𝖚 𝖙𝖊𝖓𝖍𝖔 𝖖𝖚𝖊 𝖘𝖆𝖑𝖛𝖆𝖗 𝕵𝖔𝖆𝖓𝖆 𝕯'𝖆𝖗𝖈Onde histórias criam vida. Descubra agora