𝙲𝚊𝚙í𝚝𝚞𝚕𝚘 𝚅 - 𝔓𝔦𝔱𝔞𝔡𝔞 𝔡𝔢 𝔳𝔢𝔯𝔡𝔞𝔡𝔢

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S̲ã̲o̲ ̲P̲a̲u̲l̲o̲-̲ ̲S̲P̲, ̲ ̲0̲3̲ ̲d̲e̲ ̲d̲e̲z̲e̲m̲b̲r̲o̲ de 2019

꧁  Joanna  ꧂

𝘊𝘳𝘪𝘢𝘯ç𝘢 𝘣𝘳𝘢𝘴𝘪𝘭𝘦𝘪𝘳𝘢 𝘥𝘦𝘴𝘢𝘱𝘢𝘳𝘦𝘤𝘦 𝘥𝘰 𝘲𝘶𝘢𝘳𝘵𝘰 𝘥𝘦 𝘩𝘰𝘵𝘦𝘭 𝘯𝘢 𝘌𝘴𝘤ó𝘤𝘪𝘢; 𝘱𝘰𝘭í𝘤𝘪𝘢 𝘤𝘰𝘨𝘪𝘵𝘢 𝘳𝘢𝘱𝘵𝘰
                                             ²⁵ / ⁰¹ / ²⁰⁰⁷

  
     𝔼u ainda me lembro dos gritos. Dos passos rápidos no corredor, da confusão que se seguiu por horas,que virou dias, meses e anos. Ainda me pergunto: e se eu tivesse acordado? Por que não acordei?
Jeanine dormia ao meu lado quando aconteceu. Quando alguém entrou no nosso quarto, pegou ela no colo e sumiu.
O gritos da minha mãe. Os gritos... Nunca sentir tanto medo. Fiquei tão assustada. Minha mãe nunca mais foi a mesma. Ela ficou tão irreconhecível. Isso acabou com ela, e consequentemente com o casamento dela.

        Minha volta para o Brasil foi dolorosa. Eu tinha fracassado. Quando acordei, depois de Clava Cairns, eu estava em um hospital. Fizeram exames em mim, mas não encontraram nada.
Em 2014, também voltamos para casa com essa mesma sensação: fracasso. Tinha feito sete anos do desaparecimento de Jeanine quando voltamos, e ela tinha completado dez anos. Após anos de luta, fizemos as malas e voltamos para casa, destruídos. Meu pai não desistiria de Jeanine, ele nunca desistiu. Mas minha mãe, estava sedada, nada mais transparecia em seu rosto. Ela sumiu com as fotos de Jeanine, se mudou para casa do meu avô e nunca mais tocou no assunto.
Aconteceria isso? Se eu tivesse atravessado as pedras. Se tivesse ido parar no meio da Guerra dos Cem anos. Ela teria apagado minha fotos, e fingido que eu nunca existir?

— Motorista, por favor. Me leve nesse endereço. — entrego o papel para ele, e ele balança a cabeça e muda o curso.

Meu destino era ir para casa, mas resolvi que o melhor seria ir para casa de Josy. O apartamento dela é pequeno, cheio de plantas e incrivelmente perfeito para se acalmar deitada na rede da sacada.
Prédios altos e sem tintura, às vezes uns grafites decoravam a faixada ou as passarelas. Ruas lotadas, céu cinzento. É, eu não estou mais na Escócia.

         Quando cheguei no prédio, apertei o interfone e logo Josy autorizou minha entrada. Subir as escadas porque o elevador estava desligado por falta de energia. Logo quando alcancei o terceiro andar já ouvir a voz alta e estrondosa de Bruno, parecia está reclamando da falta de luz. A porta com o número 23 dourado estava aberta, e o gatinho cinza de Josy estava parado bem no meio. Deixei a mala de lado e peguei ele no colo. Seu ronronado melhorou meu humor rapidamente.

— Chuzzlewit! — Josy apareceu na porta. Usando um vestido longo laranja com enormes flores brancas estampadas. — Danadinho. Ele sempre sabe quando é você.

Chuzzlewit, não nos espantou quando Josy nomeou o gato dela com esse nome difícil de escrever e difícil de se falar. O gatinho veio parar nas mãos dela em 2017, quando seu amor pelos filmes da Barbie ainda estava muito vivo. O nosso Chuzzlewit é um
preguiçoso e acima do peso. Bruno , primo de Josy,  o apelidou de "Chuzzie", que ele parece odiar, e isso me faz gostar mais dele. Todos os anos na noite de Natal, ele é constantemente visto usando um chapéu de Papai Noel verde com um sino na ponta, junto com um terno verde com um sino na frente. É como se fosse uma tradição. O gato vestido de verde no meio da cozinha em todas as ceias.

Entrei com Josy, ela andando na minha frente, com seus longos cabelos em formato de espiral com cachos abertos e bem espaçados. Uma beleza natural incrível! Ela se sentou em uma mesa redonda perto da flores penduradas em um painel ao lado da porta da sacada. Em cima da mesa, vejo mini flores de plástico, pedras e suculentas recém compradas. Josy faz faculdade de administração, trabalha com idosos e vende mini terrários de suculentas, incensários e abajur artesanal nas horas vagas. Josy parece uma pessoa que vive em uma árvore de um mundo de fantasia. Passei a mão na superfície da mesa e peguei uma das bolotas entre meus dedos. Olhei para Josy, e ela estava concentrada tentando colocar um pequeno banco de ferro dentro da bola de vidro que o mini terrário está sendo construído. O cabelo castanho-avermelhado dela passava pelas orelhas meio pontiagudas, arrumado em torno de um rosto como uma bolota tanto na forma quanto na tonalidade.
Bruno apareceu na sala, com os braços cheios de roupas amassadas. Quando me viu, ele jogou tudo no chão e me abraçou bem forte. E eu fiquei imóvel.

𝕰𝖚 𝖙𝖊𝖓𝖍𝖔 𝖖𝖚𝖊 𝖘𝖆𝖑𝖛𝖆𝖗 𝕵𝖔𝖆𝖓𝖆 𝕯'𝖆𝖗𝖈Onde histórias criam vida. Descubra agora