Capítulo VII - Ordens são ordens

576 70 32
                                    

— Não vai comer? — perguntou a voz masculina, enquanto puxava a cadeira de ferro.

Os olhos amarelados mal resistiam abertos à luz branca que preenchia o cômodo de três metros quadrados. As pálpebras evidenciavam ainda mais o olhar lânguido que compunha os traços cansados e perturbados da jovem, que mantinha os braços sobre as pernas. Imóvel como um corpo mumificado, ela mantinha as íris fixas no prato à sua frente. Todavia, não prestava atenção alguma no alimento. Enquanto o queijo derretia-se tal qual borracha queimada, os pensamentos dela dançavam outra melodia, em um local de sua mente aonde ninguém mais podia adentrar.

— Ei! — O homem bateu duas vezes na mesa, fazendo com que a água do copo ao lado tremesse em ondas. — Eu fiz uma pergunta.

— É a terceira vez este mês — ela disse, finalmente, sem desviar os olhos do seu imenso vazio.

Desentendido, ele franziu o cenho.

— Que tentam me persuadir com esse queijo de péssima qualidade. — Manuela ergueu as pupilas e encarou o Delegado Superlativo da Guarda Unificada. — Eu não quero.

O Delegado soltou o ar pela boca, olhando para os lados.

— Tudo bem, Senhorita Orlando. Por que não diz a verdade, para negociarmos de uma vez a sua condicional?

— Acha que eu não quero sair daqui? — Ela molhou os lábios e deu um riso sarcástico. — Eu já disse que não sei de mais nada. Germano era... — Os olhos dela piscaram algumas vezes, dando passagem a uma lágrima discreta que desceu vagarosa pela bochecha esquerda.

— Um traidor.

— Uma excelente pessoa! — rebateu Manuela, antes de engolir em seco. — Homero o obrigou. O meu Germano jamais faria uma coisa daquelas sem um intento válido.

— Se não sabia de nada, como tem tanta certeza?

— Eu dormi ao lado dele por vinte dias. Compartilhamos sonhos, perdas, memórias. Falamos sobre coisas íntimas, e eu posso garantir que se tem alguém que foi coagido a algo, era ele.

— Catarin.

— O quê?

— O que tem a dizer sobre ela?

— Nem ao menos éramos próximas no Castelo das Pedras. Eu disse isso no meu primeiro depoimento. — Parecia impaciente.

— Então não se importaria se ela morresse — afirmou o Delegado, pondo as mãos cruzadas sobre a mesa.

— Catarin é uma assassina. Quem se importa com os assassinos?

— Mais gente do que eu gostaria — disse ele, em desabafo.

— O que quis dizer com isso? Ela...

— Morreu. Encontraram o corpo queimado, dentro do banheiro da cela prioritária.

— Pelo menos morreu com algum luxo. — Manuela sorriu de lado, relembrando o pequeno cômodo no qual estava presa. — Grande segurança — afirmou com ironia. — E por que ela estava lá? Eu também era par de um dos filhos de Homero.

— Fontes disseram que ela sabia de coisas sobre o jogo antes de acontecerem. O que nos levou a crer que ela sabe muito mais que você.

— Então por que me mantêm aqui? Não sou eu quem vocês querem.

— Ainda é suspeita, Senhorita Orlando. — Ele se levantou e empurrou o sanduíche à moça. — Coma, Manuela. — Sorriu com dubiedade, preso num dilema entre ser gentil ou firme. — E pense direito sobre o que quer fazer.

O homem virou-se de costas e abandonou a sala. Assim que tomou o corredor, percebeu a figura de seu braço direito, um dos soldados da Guarda Unificada, aproximar-se com pressa. Tinha um papel extremamente alinhado em mãos.

— Delegado — disse o rapaz, com a voz entrecortada.

— O que houve? — Ele parou em frente ao bebedouro e tomou o papel que lhe era estendido em afoiteza. — Mas isto é...

— Uma ordem do Rei Jonathan.

— Mas não era esse o combinado — exprimiu o Delegado.

— E o que faremos? — indagou o soldado.

— Bem — Suspirou o superior —, é uma ordem real. Faremos o que foi requerido. — Ele devolveu o papel ao seu subordinado. — Chame os guardas, diga para que preparem tudo para a soltura de Manuela Orlando.

 — Chame os guardas, diga para que preparem tudo para a soltura de Manuela Orlando

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Já era madrugada. O sereno banhava a janela fechada, fazendo com que a luz dos holofotes do castelo refletisse na pele do príncipe. Não conseguira dormir, permanecera a noite inteira com Aveta em seus braços, guardando o seu sono. Sabia que não haveria maneira de convencê-la a ficar, e temia tudo de ruim que poderia acontecer naquela viagem.

— Já está acordado? — perguntou a princesa, sem abrir os olhos.

— Sim, meu amor — respondeu ele, despejando um beijo carinhoso na testa da moça. — Está quase na hora de partirmos.

— Eu sei. Sempre acordo no horário certo, seja ele qual for. — Ela abriu os olhos e se sentou, puxando todos os fios de cabelo para cima do ombro direito. — Vou me trocar.

— Eu vou pegar algumas coisas a mais para levarmos. Afinal de contas, não é uma lua de mel.

— Um pouco de adrenalina faz bem para o relacionamento — disse ela, tentando convencer a si mesma de tal fato.

A princesa encaminhou-se ao toalete, e, como fora dito, Laerte foi na direção oposta, onde se encontravam as malas e os seus pertences.

O rapaz tomou o cuidado de selecionar uma lanterna, as luvas táticas da princesa, o tabuleiro de Xadrez e o seu amado relógio. Precisava sentir a presença do pai em momentos de perigo, e aquele objeto era o que ele tinha de mais precioso. O príncipe ajeitou tudo dentro da mala principal de Aveta, a que continha mais espaço. Depois, ouviu os passos da princesa, que caminhava em sua direção. Por mais que fosse uma situação perigosa, ele não conseguiu disfarçar o olhar apaixonado e admirado. Os cabelos presos no topo da cabeça em um rabo de cavalo perfeito que desabava sobre as costas cobertas pela jaqueta vermelha deixavam-na com ar de uma verdadeira soberana.

— Laerte — ela o chamou, com os braços cruzados.

— Oi — respondeu sem jeito, descendo os olhos para as botas altas que a moça calçara. — Já está pronta? — Pigarreou.

— Sim. Vou ver se os outros já estão saindo, enquanto se troca. — Ela se aproximou dele, devagar, e deu-lhe um rápido beijo nos lábios.

— Eu te amo, Aveta — ele disse.

— Eu também. Mas não fale mais assim.

— Como?

— Como se fôssemos morrer.

Três batidas na porta quebraram o silêncio de agonia que se instalara.

— Deve ser o meu pai. Já volto.

O Jogo Da Realeza - Lidium (Livro 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora