Capítulo IX - Lendas e Trovões

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Trovões. Não era possível enxergar nada do lado de fora, além dos raios extremamente cegantes e inquietos. A madrugada fria ambientava aquela cena mórbida, mais do que todos gostariam. Uma pequena gota solitária lutava contra as milhares de outras que escorregavam pelo vidro escuro. Os olhos âmbar a acompanharam até que desabasse na parte inferior da janela. Aveta inspirava fundo, e o seu ritmo refletia-se nos demais.

O balançar do automóvel a cada curva revelava um caminho que a princesa já conhecia. Estava acostumada a passar os verões ao lado do pai e da família real de Lidium. Contudo, o escuro lúgubre em nada se assemelhava a paisagem harmônica e airosa na qual suas íris encontravam refúgio outrora. O amarelo alaranjado das recordações, tal como uma folha de outono, preenchia sua mente, de dentro para fora, mas a escuridão não permitia que aquela sensação tomasse o seu corpo e se expandisse entre os bancos de couro e as vestes qualificadas.

— Estes raios não me trazem bom agouro — disse Wictoria.

Enquanto o silêncio da falta de resposta pairava no ar, o pequeno brilhante que repousava sobre o topo da chave presa à corrente de prata tremeluzia nas sete cores do arco-íris, era tão mirífico que remetia ao sobrenatural.

— Perdoe-me, o que disse? — Aveta sacolejou a cabeça, saindo de seu transe momentâneo.

— É uma coisa de família — respondeu a General. — Temos uma cultura muito rica em lendas e histórias milenares. As de Agnessa, principalmente.

— Agnessa? — a princesa franziu o cenho.

— Sim. Mas... não acho que queiram ouvir neste momento. — Wictoria abaixou a cabeça.

— Ora, por favor, conte. — Aveta endireitou-se em seu assento. — Se tem uma coisa da qual dispomos, é tempo.

— Já ouviram falar da lenda de Erysimun? — Instintivamente, a General levou a mão ao peito, onde estava o seu colar, aquele que não tirava nem mesmo em momentos de perigo.

— O reino perdido? — Laerte indagou.

Aveta sentiu-se desconfortável por não saber do que se tratava, mas manteve-se atenta.

— Bom, não foi só a cor dos cabelos que herdei da família de minha mãe. Se conhece a história, sabe que uma das grandes heroínas foi...

— Teodora, a General — Laerte completou com uma feição que expressava a epifania.

— Mas é só uma lenda — a princesa afirmou.

— Existem grandes chances. Mas minha família jura que foi real e que o reino ainda existe. Só está escondido em algum lugar inacessível aos humanos, que partiram depois da última batalha — disse a ruiva.

— E os trovões, o que têm a ver? — Laerte indagou.

— Segundo a lenda, no momento em que a magia proibida adentrou o Reino de Erysimun pela primeira vez, houve um estrondo maior do que tudo que já se pôde ouvir. Era um presságio, um aviso do que estava por vir, mas ninguém deu ouvido. E quando se deram conta do que fora feito, não houve saída que não fosse a que envolvia centenas de mortes por todo lugar. — Wictoria engoliu em seco. — Eu não sou supersticiosa em muitos aspectos, mas os trovões sempre me recordam das piores partes da história da minha família. — Ela soltou o colar.

— Fique tranquila. Vamos fazer o que for preciso e voltaremos antes mesmo do que imaginamos — disse Aveta, na intenção de tranquilizar a moça.

Enquanto tentavam manter a calma, os três sentiram os corpos serem impulsionados para frente, em uma freada brusca. As mãos de Laerte e Aveta entrelaçaram-se instintivamente. A respiração de ambos tornou-se ofegante e as pupilas assustadas procuravam as almas brandas um do outro, como um porto seguro. Wictoria, que estava próxima à porta direita, levou a mão ao coldre em sua perna e sacou um revólver. Estava atenta, mas não assustada. Fora treinada arduamente para lidar com situações de perigo. A moça vivia em alerta.

O Jogo Da Realeza - Lidium (Livro 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora