Capítulo XX - Retorno

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A moça respirou fundo antes de ensaiar o primeiro passo.

— Droga — murmurou, encarando o rapaz concentrado ao longe.

Perdera alguns segundos vagando com os olhos curiosos sobre os cabelos claros e a pele alva, que se escondia em grande parte embaixo da blusa preta de malha grossa, arregaçada até os cotovelos. Essa parte em especial a deixara ainda mais intrigada. Como poderia um Agente Técnico, que teoricamente vivia sentado em frente aos computadores, ter as veias tão aparentes entre os músculos definidos?

Cada expiração era uma tentativa a mais de fazer sua postura manter-se ereta, a fim de que o trabalho fosse concretizado com sucesso. Em contrapartida, observar o vai e vem lento do cordão pendurado ao pescoço de Tyliard, enquanto ele respirava pesado com o corpo inclinado para frente sobre a mesa, afetava seu poder de concentração.

— Ora essa, Wictoria — disse a moça a ela mesma, repreendendo seus instintos mais primitivos.

A general balançou os fios ruivos algumas vezes, prendendo o lábio inferior entre os dentes; bateu os dedos sobre a farda sobre as coxas e piscou os olhos com rapidez. Os passos firmes tinham uma direção pouco agradável.

— Pensei que ia ficar só admirando de longe — disse o rapaz, voltando o olhar a ela.

— E-eu não... eu não estava. — Parou quando recordou as ordens de Aveta. Os olhos reviraram instintivamente e ela cruzou os braços. — O que está fazendo? — questionou em um tom aprazível.

Tyliard deu um meio sorriso, que foi iluminado em tons de azul pela tela.

— Checando informações, cruzando alguns dados. Nada que eu já não tenha tentado antes. É só que... — Ele sacolejou a cabeça para os lados. — Estou tentando não perder as esperanças. — Tombou a face para baixo, erguendo um pouco as costas enquanto se apoiava nos braços.

— Talvez esteja precisando mudar um pouco o foco — disse Wictoria. — Não quer me ajudar?

— Pensei que as coisas entre nós não estivessem funcionando bem — ele retorquiu.

A general manteve a postura, mesmo que aquela forma do rapaz agir a irritasse por demasiado.

— Eu tenho uma forma peculiar de lidar com as situações. Não gosto de entregar minha confiança e minha verdadeira personalidade de bandeja.

O agente ergueu as sobrancelhas, demonstrando que havia entendido.

— Enfim, topa? — Ela deu um passo à frente, pousando a mão esquerda sobre a mesa.

— Claro — ele assentiu e expirou com força. — Do que precisa?

— Queria ver como anda o exército de Lidium, força física, capacidade bélica, essas coisas. Mas a sua amiguinha, como é mesmo o nome?

— Valentina.

— Essa mesma. — Wictoria piscou o olho direito, enquanto estalava os dedos. — Ela não foi muito com a minha cara, acredito que não iria pular de alegria se pedisse isso a ela.

— Valentina é mesmo difícil. — Tyliard olhou para o coldre na cintura da moça, que portava dois revólveres e um punhal de prata. — Precisa disso tudo?

— Desde pequena eu aprendi que não devo confiar nem na minha própria sombra. Se meu braço esquerdo tentar me matar, o direito precisa se defender. — A general levou a mão sobre a arma no lado direito do corpo.

— E o punhal? — ele questionou.

— Ele é só para ocasiões especiais. — Wictoria retirou o objeto do coldre com presteza, firmou a perna direita à frente da esquerda, tombando o tronco sobre o peito de Tyliard e posicionando o punhal ao centro do abdômen. — Não quer experimentar, quer? — Estreitou as pálpebras.

— Seria uma honra morrer pelas suas mãos — Tyliard respondeu, sentindo o hálito fresco de menta que a boca da moça exalava bem perto do seu rosto.

Ela soltou um curto riso sarcástico e movimentou a língua no tecido da bochecha enquanto se afastava e colocava a arma branca no coldre novamente.

— Vamos, agente. Não temos tempo a perder.

 Não temos tempo a perder

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— Pietro.

— É um prazer revê-la, alteza — disse ele, prestando reverência.

— Quando chegou? — perguntou Aveta, disfarçando a desconfiança.

— Agora. Acabei de saber das notícias.

— Quem te disse? Penélope? — perguntou, já sabendo que era a resposta errada, tendo em vista que acabara de conversar com a irmã gêmea do duque.

— Não. O rei Constantino. — Esfregou as palmas das mãos, enquanto a princesa se colocava de pé. — Ele está arrasado.

— Não é para menos — disse a moça, colocando as mãos na cintura. — Por que veio até aqui antes de conversar com os outros?

— Não é sempre que temos uma visita tão ilustre — ele disse. — Onde está o seu marido? — Os olhos de Pietro deram a volta pelo quarto.

— Não sei. Voltei para o quarto e ele já não estava.

— Tão cedo para se abandonar a noiva assim.

— Não nascemos de braços dados — disse Aveta. — Tenho certeza que ele está fazendo algo mais útil que a nossa pequena conversa.

— Não precisa ser rude comigo, princesa. Foi só um comentário cômico.

— Não estou rindo, Pietro. E, no momento, temos coisas mais importantes a fazer. — Ela segurou o cotovelo com as costas da mão direita e semicerrou os olhos. — E o convite da Guarda Unificada, a quantas anda? — questionou.

— Ainda estou pensando. Tenho muito aqui em Lidium. Desde quando chegamos e nossos pais faleceram, esse castelo tem sido minha casa. Penélope precisa de mim, enfim... Muito o que se ponderar.

— Compreendo.

— Aveta, eu... Oh. — Laerte se calou ao abrir a porta. — Perdão, eu não sabia que estava em reunião — ele disse. — Eu conheço você, não é? — Apontou para o homem, discretamente, antes de se colocar ao lado da esposa.

— Claro, acho que a última coisa que me disse foi que nada valeria a pena se a mulher que você ama estivesse morta.

Aveta não sabia deste breve acontecimento, então, encarou o marido por alguns segundos, antes de volver a face ao duque.

— Vou deixá-los a sós. Acho que preciso saber como Penélope está. Bom revê-lo, príncipe Laerte.

O outro apenas acenou com a cabeça e esperou que se retirasse.

— Aveta, eu...

A princesa o interrompeu, segurando em seu pescoço e puxando-o até seus lábios. Um beijo agridoce demonstrava mais do que podia dizer. Assim que pôde encará-lo dentro dos olhos, piscou duas vezes com doçura, mostrando algumas lágrimas que brotavam.

— Eu amo você, Laerte. Eu te amo muito — completou, fechando as pálpebras e encostando a testa na dele.

— Eu também amo você, meu amor. O que foi?

As luzes do castelo se apagaram de súbito e a mesma voz gutural voltou a ressoar por todos os cômodos. Cada corredor frio e cada canto empoeirado sucumbia ao clima pesado.

O tempo está passando depressa. Chegou a hora de jogarmos um pouco.

O Jogo Da Realeza - Lidium (Livro 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora