Capítulo 5

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Eu observei em horror, uma morta-viva de cabelos negros compridos se aproximar dele. Seus punhos perdiam o brilho enquanto ele tentava criar outra redoma ao seu redor. Ela ignorou e atravessou de novo.
Vita então ficou de pé mais uma vez e levantou a mão com a palma estendida pra ela, gritando numa língua que eu não entendia, sua mão brilhou e paredes de espinhos surgiam do chão com velocidade mas, ela atravessava cada uma delas enquanto o garoto andava pra trás, até suas mãos perderem o brilho e ele cair de joelhos no chão, exausto.
Vi Lo chegar voando como um jato, sibilando e pulando na cara dela, tentando arranhá-la, mas suas pequenas patas apenas a atravessavam. Ele parou pousando do outro lado, confuso.
Eu sentia meu rosto molhado pelas lágrimas enquanto observava ela ficar na frente de Vita, que levantou o olhar para ela, derrotado. Ela estendeu a mão até ele, agarrando seu pescoço e levantando ele lentamente, Vita não lutou, não parecia ter força alguma.
Ele ia morrer . Eu não conseguia me mexer, eu olhava para meus braços que estavam estendidos na minha frente, com as palmas pra cima. Minhas veias brilhavam numa cor branca e eu conseguia ver meus cabelos compridos brilharem no mesmo tom.
Ela gritou, parecendo apertar o pescoço dele com mais força e ele finalmente parecia reagir, debatendo as pernas e tentando tirar as mãos dela, sem sucesso. Lo observava, se encolhendo.

— Não... – Eu consegui sussurar. —NÃO! — Eu gritei olhando pra ela.
A zumbi horrorosa tirou os olhos dele e olhou pra mim, parecendo me ver pela primeira vez.
— Não. — Repeti firme.
Ela o soltou na mesma hora e ele caiu no chão ajoelhado, puxando ar desesperadamente. Lo voou até ele e se esfregou em suas pernas, miando alegremente.
SAIAM. — Eu gritei e os monstros começaram a virar sombras outra vez, eu sentia meu corpo voltar ao chão. Só a morta viva ainda me olhava com curiosidade sem se mexer, ela era surda, porra? Cheguei ao chão e olhei pra Vita, que ainda fazia um chiado horrível de quem puxava oxigênio com urgência. A mulher então, abaixou a cabeça pra mim suavemente e andou devagar para trás, se tornando uma sombra e se misturando as outras que foram se dissipando.
Suspirei aliviada, corri até Vita e me ajoelhei na sua frente colocando a mão em seu ombro, ao me ver ele me abraçou com força, ainda ofegante, abracei de volta surpresa.

— Foi... Tudo culpa... Minha... — Ele falou entre respiradas pesadas ainda me abraçando. —Não devia... Ter feito você... Sem saber... O que poderia...
— Não fala agora. Só respira. — Falei o soltando devagar e ele se concentrou em respirar por um tempo.
Ficamos em silêncio por alguns minutos. Ele já respirava melhor e só me olhava, parecendo absorver o que aconteceu, assim como eu.
— Seus olhos estavam brancos e brilhando. — Ele falou, parecendo de certa forma, admirado? — Seu cabelo... Flutuava e na sua testa formou uma lua. — Ele tocou na minha testa delicadamente. — Tinha uma linha brilhando da lua até seu nariz e embaixo dos seus olhos.
— O que foi que eu fiz Vita? — Falei, sentindo a ficha cair do que eu tinha sido capaz de fazer e do desespero que senti.
— Você tem o mesmo poder que meu irmão de certa forma, Guardião dos Espíritos. Ele também consegue invocar espíritos, mas para conversar apenas... Eles nunca se materializam. – Ele falou colocando a mão em seu pescoço e esfregando. Lo miou e ele pegou o gato no colo, dando um beijo em sua cabeça e depois o devolvendo ao chão. – E também não o obedecem, por isso que o trabalho dele é criar barreiras no Reino dele para que não saiam... Mas você simplesmente fez com que os espíritos surgissem do chão.
Meu coração ainda estava acelerado e eu tremia. Ele se levantou, colocando o arco dele que estava caído no chão atravessado nas costas.
— Seu... Poder. – Eu olhei pra ele ainda ajoelhada no chão. — Eu senti tanta paz... Era como se eu fosse, sei lá, uma plantinha só vivendo.
Ele riu alto e depois tossiu um pouco, levando a mão ao pescoço dolorido. Em seguida se ajoelhou em apenas uma perna, me olhando.
— A natureza traz paz, é a essência dela, já a essência da morte... Bom você viu por você mesma. Aquela é a essência do seu dom, não sua, Camila.
— Até onde tem como separar isso? – Eu falei, puxando uma folha do cabelo dele o que fez ele levar a mão à cabeça e reclamar.
— Você tem um ponto, eu acho. – Ele falou ainda esfregando onde eu tinha arrancado a folha.
— Ninguém vai estranhar meu cabelo branco no próximo reino? – Falei passando a mão por ele.
— O feitiço que fiz para você parecer com meu povo deixa o enfeitiçado e quem enfeitiçou ver a forma original, mas os outros vão te ver cheia de flor no cabelo assim como eu, não se preocupe. – Ele falou sorrindo e se levantando, estendeu a mão para mim e me ajudou a levantar em seguida.

Andamos durante a madruga e quando o sol nascia, senti minha barriga roncar profundamente. Vita me olhou e riu.

— Você não sente fome nunca não? Só bebe disso aí. – Falei apontando pro cantil dele, o que fez com que ele fechasse a cara por um momento.
— Guardiões... Não precisam comer tanto. – Ele falou sério, sem me olhar, decidi não comentar mais nada.

Ele parou ao lado de um arbusto grande, levantou a mão e a passou pelas folhas com delicadeza, da ponta de seus dedos saía uma pequena luz verde quase imperceptível a luz do sol. O arbusto, como se tivesse sido acelerado no tempo, se encheu de frutos muito parecidos com amora, minha boca encheu da água e logo catei o máximo possível, enchendo nossa mochila.

Com meu buchinho agora cheio de amoras, seguimos viagem. Percebi que há muito tempo não sentia falta do meu celular, ele estava na minha bolsa lá no shopping, mas sumiu quando passei pelo portal. Na verdade, eu não sentia falta de nada, eu sentia o sol queimar minha pele e era como se eu nunca tivesse sido tão feliz. Talvez porque realmente nunca tivesse sido. Eu não precisava viver mais no mundo real, nem com as pessoas que sentiam pena de mim por causa do meu pai, nem com minha mãe alcoólatra. Eu não acho que quero voltar pra casa.
Sorri com a minha situação e sorte, sendo criação da minha mente ou não, eu tinha fugido do mundo que eu odiava e agora tinha uma nova chance nesse. Diferente do outro mundo, agora eu tinha alguém, eu acho. Vita não sabia parecer ser amigo de ninguém há muito tempo e era difícil saber o que passava pela cabeça dele.
Andamos mais algumas horas até as árvores começarem a diminuir e eu sentir uma brisa leve. Com o tempo, a brisa passou a aumentar, balançava meus cabelos e eu tinha que fazer um pouco de força para andar. Vi uma construção enorme a frente, era uma grande redoma ao redor de uma cidade com prédios gigantes e tortos, fazendo curvas e até ficando na horizontal, se conectando a outros. Pareciam ser feitos de metal puro.

— Vita... O que é isso... – Falei assustada e curiosa, ele me olhou e sorriu de lado, parecendo se divertir com meu choque. Ao nos aproximarmos do portão da grande redoma eu vi melhor a cidade. Parei, agarrando o braço de Vita quando consegui perceber que as coisas que eu via voando ao redor dos prédios eram pessoas.
— Bem vinda ao Reino do Vento, acho que vai gostar daqui pelo que me contou de São Paulo.

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