Quando abri os olhos, lá estava ele de novo, o garoto da flor na cara me observando. Me sentei assustada, por que eu não tinha acordado ainda?
— Me tira daqui. – Eu só consegui falar baixo, desesperada. Ele se aproximou devagar e eu pude observar melhor seu rosto, as flores que antes decoravam seu cabelo e sua face haviam desaparecido dando lugar a algumas folhas secas, seus olhos verdes que antes brilhavam um pouco, pareciam mais opacos. Antes estava vestindo apenas uma bata comprida marrom, agora usava outra bata, só que florida e com bordados dourados.
— Me escuta, por favor. – Lágrimas de desespero começaram a sair dos meus olhos. – Não se mata de novo, porque vai ser a última vez. Eu só consigo realizar um feitiço poderoso assim por vida.
— ME TIRA DAQUI. – Eu gritei e ele arregalou os olhos, tampando minha boca com a mão.
— Eu não sei como fazer você entender isso, mas você não tá na merda de um sonho e você já percebeu, só não quer aceitar. – Ele falou sussurrando no meu ouvido, atropelando as palavras como se estivesse com pressa de terminar de falar. – Se ela perguntar seu nome é Floreli e você é uma semelhante, eu te enfeiticei pra parecer. – Ele se afastou e olhou nos meus olhos, destampando minha boca devagar. – Se ela souber que você veio das Luas ela vai te matar.
Não tive tempo de processar o que ele disse porque a porta do quarto abriu com um estrondo, Vita se afastou de mim num salto e abaixou a cabeça pra silhueta que surgiu na porta. Ela era a criatura mais bela que eu já vi, era como se uma árvore tomasse o corpo de uma mulher, tinha flores por todo o corpo principalmente pelos cabelos cacheados longos e volumosos que se misturavam aos galhos. Ela usava um vestido comprido, de textura fina e bordado com uma linha que parecia feita de ouro. Puxei o cobertor de folhas até o pescoço pra esconder minha roupa de outro planeta.
Ela andou até estar na frente de Vita e ele levantou a cabeça um pouco, mas sem olhá-la nos olhos. Ela deu um tapa no rosto dele tão forte que ouvi o estalo, minha expressão se contorceu e engoli em seco sem saber se deveria dizer algo.
— Por que uma garota caiu em queda livre do seu quarto? E mais importante, por que você usou o dom que eu te dei para salvar ela? – Ela falava num tom ameaçadoramente baixo com Vita que apenas olhava pros próprios pés.
— Ela quis invadir meu quarto e eu a empurrei em reflexo pela janela, mais uma fanática, senhora. Eu... Usei cipós para tentar segurá-la, não sei como agi tão rápido, mas ela ainda sofreu o impacto, fiz isso por pensar que talvez isso atrapalhasse o equilíbrio no reino da vida, não quero nosso povo irritado por matarmos ninguém.
Me forcei a manter a expressão mais vazia possível, mas o medo tanto meu quanto o de Vita era palpável. Ela me analisou e pude ver seus olhos verdes brilhantes me encarando, imediatamente desci o olhar assim como Vita.
— Há algum tempo quero discutir isso com você. "Nosso povo" está me entediando.
Vi o garoto levantar os olhos por um momento e depois descer outra vez, balançando a cabeça levemente em confusão.
— Achei que a paz era necessária pra manter o controle.
— E como isso tem funcionado para o Reino da Luz? — Vi o maxilar de Vita enrijecer, como se quisesse responder algo que não deveria. – A paz traz controle até você não poder fazer nada que queira para não irritar as criaturinhas felizes, isso que é falta de controle. Hoje isso acaba. – Ela gesticula e duas coisas gigantes feitas de madeira vem do corredor, vindo na minha direção, os olhos assustados, meus e de Vita se encontraram.
— ESPERA. – Ele entrou na frente, levantando as duas mãos pros monstros que pararam no mesmo momento. A Deusa o olhou de cima a baixo e ele abaixou as mãos e o olhar. – Eu menti... Me perdoe, senhora. Eu estou apaixonado, eu a via escondido em meu quarto, mas eu temia que ela atrapalhasse nossos projetos, empurrei ela da janela quando veio me visitar e... depois me arrependi e tentei salvar a garota. – Ele disse rapidamente o que fez com que eu e sua mãe o olhássemos confusas.
A Deusa soltou uma gargalhada que não parecia feliz e me fez sentir mais desconfortável do que quando achava que estava presa em um sonho. Aquilo tudo era real, o medo era real.
— Quando eu penso que você poderia deixar de ser o meu filho mais inútil, você parece se superar. – Ela olha pra mim e depois pra Vita. – E agora você pensa que eu vou deixa-la viva para você ter um romance e ser o Guardião mais patético dos Reinos?
Ele pareceu confuso novamente, eu quase conseguia ver sua mente borbulhar com as ideias, ele procurava uma maneira de me salvar e eu ficava cada vez mais em pânico.
— Você disse que não quer mais manter a paz em nosso reino. Depois do que fiz a moça nem mesmo olha na minha cara e seus pais devem estar aterrorizados... – Ele se aproximou da mãe e disse num sussurro conspirador. – Se a forçarmos a casar comigo o povo não vai ficar feliz.
Ao mesmo tempo que eu sabia que ele estava tentando me salvar, o rumo daquela conversa não me agradava de nenhuma forma. Eu só queria sair viva daquele momento para que Vita pudesse me mandar de volta pra casa.
— NÃO, SEU MONSTRO. – Eu gritei tentando me levantar da cama para encenar minha parte do teatro e percebi que minhas pernas não se mexiam, Vita deu um sorriso que o fez se parecer muito com sua mãe, ele levantou a mão em minha direção, fazendo galhos surgirem do chão abruptamente e agarrarem meus braços e minhas pernas me prendendo a cama, coisa que realmente doeu e me fez gritar outra vez, só que mais realista. A Deusa sorriu, satisfeita.
— Talvez ainda haja esperança pra você, Vita. – Ela falou, virando as costas e seguindo para o corredor. – Vou avisar seus irmãos para virem para a cerimônia, amanhã.
— Amanhã?
— O que foi isso? – Ela falou parando de andar. Após um momento de silêncio, ela seguiu para o corredor e as portas se fecharam.

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Os Oito Reinos
FantasíaUma Deusa entediada decide criar oito reinos caóticos e desequilibrados. Seu filho metade planta e mimado teleporta Camila pro mundo deles por puro acaso, o que pode dar errado quando a Deusa está disposta a ir até onde for possível pra matá-la? Cap...