Capítulo 9

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Pelos próximos dois dias, enquanto Argon e Sialia saíam, eu e Vita treinávamos a mesma coisa, as folhas com as adagas. Ele era mais agressivo a cada dia, me forçando a ser também. Dessa vez, eu consegui correr até ele depois que as sombras destruíram suas folhas, parei com minha adaga próxima a sua garganta, ambos ofegantes e sorrindo.

— Acho que podemos passar pro próximo nível, ainda hoje. – Assenti. Me sentei no chão e observei ele treinar seu arco e flecha, ele raramente errava, seu corpo emanava um pouco daquela aura verde, me perguntei se ele não roubava um pouco, direcionando a flecha pra onde queria com seu dom. Quando Sialia e Argon chegaram e começamos a comer, Vita começou a falar.
— Sialia, eu preciso que você comece com a Floreli hoje. – Ele assentiu e assim que terminamos de comer, me levantei com Sialia enquanto Argon e Vita observavam. Sialia levantou a espada de madeira pra mim e eu fiz o mesmo com as adagas. Corri até ele, que simplesmente saiu do meu caminho enquanto eu corria e me deu um futucão com a espada nas costas.
— Não venha com pressa. – Ele falou enquanto eu fazia cara feia esfregando o local do futucão. – Apenas foque em me bloquear, até conseguir uma abertura. — Ele me acertou diversas vezes, seguidas, até que aproveitei que ele me jogou no chão e fiquei por lá mesmo. — Levanta, Flo. – Ele riu e estendeu a mão pra ajudar a me levantar. – Acho que é melhor pararmos por hoje... Otis? Você tá bem?

Do nariz de Vita escorria um líquido preto, o que me fez correr até ele na hora.

— Você tá bem? O que houve? – Ele esfregava o nariz de uma forma meio desesperada.
— Não é nada. – Ele falou olhando pra mim sério, desviando o olhar pros outros homens, deixando óbvio pra mim que tinha algo a ver com a história de Guardião.
— Eu nunca... – Sialia começou a falar e Vita olhou pra ele sério, com a cara de "não te pago para fazer perguntas" o que fez ele se calar.

Mais dias se passaram enquanto eu treinava com Vita pela manhã e Sialia pela tarde, com o tempo eu conseguia bloquear alguns ataques de Sialia, mas nunca o acertar. Segundo Vita, eu provavelmente não conseguiria acertar a mãe dele também, então, aprender a bloquear já estava bom. Depois foi a vez de treinar com Argon, de acordo com Vita, era provável que a Deusa enviasse aqueles gigantes e seria bom eu saber desviar de coisas grandes.

— Tem certeza que menina devia treinar com eu? Esmago ela e acabou. – Argon falou olhando pros meninos.
— Ela precisa saber fugir de coisas... Maiores. – Vita falou tentando não ofender. – Não sabemos o que podemos enfrentar nas minas.

Vita me contou que as minas eram a única saída do reino, e de lá saíam os piores monstros, além de ser como um labirinto. Era esse o desequilíbrio do reino, foi necessária a criação de uma redoma ao redor da cidade pela Guardiã do Reino dos Ventos (uma irmã meio louca, porém, de bom coração, segundo ele) para se defenderem dos monstros e dos furacões constantes.
Argon então correu até mim com o punho estendido o que me fez dar um berro e me jogar pro lado, caindo de barriga.

— Falta um pouco de... Técnica, mas esse é o caminho. – Vita disse me vendo contorcer de dor com a mão na barriga.

Com mais alguns dias eu conseguia fugir de Argon com alguma agilidade, rolando ao invés de cair de barriga. O que fazia os meninos baterem palmas as vezes e eu dar o dedo a eles por isso. Em nossa última noite antes de partirmos, eu estava deitada num colchãozinho de penas ao lado deles.

— Não aguento mais não ver o Sol. – Falei baixo com Vita enquanto não conseguia dormir, estava muito ansiosa. Lo dormia ronronando ao meu pé e o ronco de Argon era audível por todo o porão.
— Imagina eu, é como se estivesse faminto a dias. – Ele sussurrou pra mim e eu ri.
— Pera, você faz fotossíntese? – Sussurrei de volta.
— Claro, mas só um pouco, tecnicamente consigo sobreviver só de Sol. – Eu coloquei a mão na boca, surpresa.
— Qual a sensação? – Sussurei de volta, me aproximando.
— É como se o calor na minha pele me desse energia. – Lembrei dessa exata sensação de quando ele meditava perto de mim, será que eu mesma já tinha feito fotossíntese?
— Eu sinto isso quando você medita perto de mim. – Falei olhando pra ele, que sorriu me olhando de volta. – Me faz querer ficar ali pra sempre.

Com as velas que deixamos perto, consegui ver seu rosto pálido ganhar um pouco de cor, ele desviou o olhar de mim e passou a olhar para o teto.

— Tenta dormir, amanhã não vai ser fácil. – Ele virou pro outro lado, deixando claro que a conversa acabou. Suspirei e com o tempo (e uma pequena pausa no ronco de Argon), finalmente adormeci.

No dia seguinte, após comermos, nos equipamos e fomos a superfície. Suspirei sentindo o ar puro e o Sol na minha pele. Vita fez o mesmo, ficou com o rosto virado pra cima um tempo, com os olhos fechados.

— Vamos, chefe? – Argon disse, seguindo caminho.

Eu e Vita íamos logo atrás de Sialia e Argon, pela espécie de savana, quente. Os banhos que nós tomávamos no porão eram somente com baldes de água e paninhos, por isso naquele momento, tudo que eu pensava era cair numa ducha gelada. Eu e Vita sussurrávamos pelo caminho sobre isso.

— Você quer que eu acredite que cada um tem sua própria nascente no seu planeta? – Vita sussurrava pra mim, incrédulo.
— Não é isso! – Ri alto, o que fez Sialia virar para nós por um momento e depois voltar a olhar pra frente, conversando com Argon. – A água é distribuída entre várias casas e daí saí no chuveiro.
— Que funciona com energia? Elétrica? Foi o que você disse. – Assenti. – Mas a energia elétrica vem do que?
— Vita, eu tava no primeiro período de Veterinária, não vamos aprofundar...

Quando o sol já estava se pondo, chegamos na entrada da mina, dois guardas parecidos com Argon guardavam o lugar. Quando nos aproximamos, os dois nos olharam atentamente.

— Espero que saibam os riscos. – Um deles falou, abrindo passagem para entrarmos. Ao redor tinham vários carrinhos cheios de minérios, além de vários capacetes de minerador.
— Eles estão aqui mais para impedirem que algo saia do que entre... – Sialia falou para mim e Vita. Argon tirou duas tochas da mochila e as acendeu na fogueira próxima a mina, provavelmente onde os guardas acampavam. Ele passou uma pra mim.
— Fica perto. – Ele olhou de mim para Vita. – Chefes vão ouvir coisa, mas ignora, continua seguindo eu.
Assentimos e entramos na mina. Eu ficava atrás ao lado de Vita, comparado com lá fora, estava muito frio. Algumas tochas iluminavam o caminho, penduradas nas paredes, mas a sensação de estar dentro da mina era sufocante. Passamos algumas encruzilhadas e ouvimos batidas, que pareciam ser de picaretas batendo contra as pedras. Com o passar do tempo, a quantidade de tochas ia diminuindo, até não ter mais nenhuma.
— Os mineradores não passam desse ponto. – Sialia disse para nós.
Andamos mais um pouco, sentindo cada vez mais frio. Lo saiu do ombro de Vita e se enfiou em sua mochila para tentar se aquecer. Eu via o ar da minha respiração saindo em forma de vapor.
Mãe! – Me virei rápido quando ouvi a voz de uma criança vindo de um caminho, Sialia se virou pra mim.
— São pessoas que desapareceram. – Ele disse.
— O que? Então vamos ajudar! É uma criança! – Ela ainda gritava pedindo ajuda. Sialia negou com a cabeça.
— As vozes são de quem se perde na mina ou é pego pelas criaturas... Ecoa por anos nas minas. – Ele disse e voltou a andar. Fiquei olhando a escuridão de onde a voz veio alguns segundos e também segui caminho, incomodada.
Passamos mais tempo andando e de vários lados eu ouvia diferentes vozes, pessoas chorando, gritando, ou apenas chamando por ajuda. Quando um silêncio tomou conta, Argon parecia tenso.
— Tem algo errado. – Ele parou e olhou ao redor, parecendo surpreso ao olhar para trás de nós. – CHEFE, CUIDADO!
Mas era tarde, uma lança veio de trás, atravessando Vita de um lado até o outro. Ele abaixou a cabeça, olhando em choque pra lança em seu abdômen e depois olhou pra mim. Quando tentei desesperada agarrar sua mão antes que ele caísse, a lança foi puxada, junto com Vita, para dentro da escuridão.

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