Capítulo 1

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Eu poderia infartar a qualquer momento, um garoto meio planta me olhava com um gato que parecia um arbusto voador, eu sei que minha psicóloga falou que eu deveria tentar parar de ficar divagando e viver mais no mundo real, mas será que pirei de vez? Ou era um sonho? Me belisquei algumas vezes e o garoto arqueou uma sobrancelha, pegou um caderninho e anotou coisas.
— Ok, cheguei à conclusão que estou sonhando e que aparentemente você será meu guia aqui.
— Como você sabe que é um sonho?
— Porque nada disso é real, obviamente. – Afirmei batendo em minha roupa para retirar a sujeira da terra de onde caí.
— Real é o que você vê, você me vê então sou real, mesmo que seja em um sonho.
— Se apenas eu te vejo não é real. – Ele levantou a sobrancelha outra vez e fez mais anotações
— Sua realidade então se baseia na dos outros?
Parei pra pensar um pouco, surpresa com a pergunta. Eu estava confundindo a mim mesma no meu próprio sonho com questionamentos filosóficos? Observação: Anotar esse diálogo quando acordar. O garoto escrevia no caderno então olhei ao redor para observar o que minha mente tinha criado, a noite era iluminada por muitas estrelas, eu nunca tinha visto tantas assim, ainda mais em São Paulo. Eu estava em um jardim, mas mais adiante eu conseguia ver um palácio que mais parecia uma árvore gigante e moldada nesse formato, com várias torres e galhos que saiam do seu topo, e deles saiam diversas flores que brilhavam em tons coloridos.

— É o seguinte, minha mãe não pode te ver, então não faça escândalo e venha aqui. – Ele falou colocando a mão no chão, de onde apareceu uma espécie de plataforma de madeira, eu me aproximei e pisei nela. O gato verde bateu as asas e levantou voo, indo na direção de uma das torres do castelo.
— Por que sua mãe não pode me ver? — Ele me olhou como se eu fosse a criatura mais estúpida do mundo e me ignorou enquanto subíamos na plataforma de madeira, que era levantada por troncos que cresciam rapidamente, nos levando até a janela da torre que o gato já havia adentrado. Ele desceu da plataforma com leveza para dentro de um quarto e ficou me encarando enquanto eu ficava parada na plataforma olhando ao redor.
— Pela Deusa, você quer uma bandeira para sinalizar sua presença também? – Ele estendeu a mão pra mim com certa ignorância e me ajudou a descer da plataforma, que desceu e todo o tronco encolheu até voltar a terra. – Lo, por que as Luas teriam mandado uma humanóide tão mediana para mim?
— é meu nome e eu não sou mediana se você quer saber eu tiro notas muito decentes na faculdade. – Meu Deus, porque eu estava me botando pra baixo dessa forma? Minha autoestima era razoável.

Aparentemente Lo era o gato, que miou preguiçosamente enquanto se alongava. Olhei ao redor pelo quarto e fiquei pensando de onde meu subconsciente poderia ter imaginado tudo aquilo. O quarto era quase como uma floresta, era mato pra todo canto, era enorme e muito maior que meu apartamento com certeza. Haviam várias escrivaninhas lotadas de papéis e potes de vidro com coisas brilhantes e gosmentas, o quarto era iluminado por luzes em formato de circunferência que flutuavam pelo quarto. Quando retornei minha atenção para o rapaz ele me olhava curioso.

— Ainda pensa que está em um sonho... ? – Ele falou meu nome lentamente como se fosse algo super diferente.
— Mas é claro.
— Sua tranquilidade em um reino desconhecido me assusta. – Ele disse sentando em uma rede grande no meio do quarto, que aparentemente era sua cama. Era feita por galhos e folhas que até pareciam ser macias.
— Garoto, racioci...
— Meu nome é Vita e eu tenho milhares de anos, tá certo que eu morro e renasço a cada...
— Foda- se, garoto. – Repeti. – Raciocina comigo, porque um alienígena falaria português se não fosse um sonho meu? – Falei sentindo a ansiedade já atacando.
— Português?
— Isso, a minha língua.
— Eu não falo português, eu produzo sons com a boca e você transforma esses sons em mensagens, aqui. – Ele disse apontando pra própria cabeça. — Eu falo o que eu falo.
— Qual a sua língua?
— Minha língua são os sons e o que interpreto a partir deles, já disse. — Eu o encarei e ele sorriu. Era tudo tão vívido, eu sentia meu corpo como sempre. Eu conseguia me movimentar rápido diferente do que acontecia normalmente em meus sonhos, mas não tinha opção ali, ou era um sonho ou eu havia enlouquecido.
— Como eu vim parar aqui? – Perguntei, sentindo meu coração apertar um pouco, pensando melhor, eu lembrava de forma vívida de estar no shopping minutos atrás.
— Eu fiz um ritual, com as Luas. – Ele disse apontando pela janela onde eu conseguia ver, de fato, umas cinco Luas de diferentes tamanhos.
— O que você esperava do ritual? – Minha psicóloga teria MUITO o que ouvir.
— Eu crio seres, entende? – Nossa, mas é claro que eu entendo. – Eu esperava conseguir criar um ser com a magia da Lua..., mas não um humanoide, apenas um animal.
— Você não me criou, eu já fui criada faz tempo. – Ele riu.
— Sim, aparentemente ao invés disso criei apenas um portal. Eu nunca tinha usado poder da Lua... Seu cabelo já era branco antes?
— Que? – Falei desesperada procurando um espelho no lugar, até que fiquei em frente a um pequeno que havia na escrivaninha e sim, meu cabelo estava tão branco que brilhava.
— Foram as Luas, você deve estar ligada a elas de alguma forma. Olha... – Ele se levantou e se aproximou de mim, falando mais baixo e perdendo um pouco o tom de ignorância. – Tem um tempo que eu procuro os poderes das Luas pra me ajudar com a minha mãe e com o meu povo. Ela é uma Deusa pra muitos aqui, mas eles não a conhecem de verdade, ela não quer o bem de ninguém.
— Eu acho que já deu. – Falei me afastando do garoto esquisito que criei, já estava assustada e não acordava de jeito nenhum não importa o quanto os beliscões doessem. Só tinha uma alternativa, a gente sempre acorda quando morre nos sonhos. Virei pra janela, meu coração palpitava no peito, aquilo parecia loucura, eu não sentia que era o certo a se fazer, mas eu já não respirava direito tamanha era a confusão na minha cabeça.
Corri e me atirei do alto da torre, eu não estava acordando e a queda parecia muito real, ouvi a voz do garoto na minha cabeça falando palavras que eu não entendia e senti algo dentro de mim, senti coisas finas como agulhas perfurando minha pele por todo o meu corpo e gritei. O chão chegou e tudo ficou preto.

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