O Gaúcho e A Morte
Mário Resmin Jr
São Sebastião do Caí, RS
2020
Os covardes morrem várias vezes antes da sua morte, mas o homem corajoso experimenta a morte apenas uma vez.
William Shakespeare
Capítulo 0
A madrugada mal havia passado, o sol ainda relutava e aparecer no horizonte, mas isso não fazia diferença para Bugre, ele já estava de pé, apesar de demorar um pouco mais que o de costume para sair da cama, e assim começar o seu dia, ele nunca acordou depois do sol. Os passos agora lentos, fazem o mesmo trajeto feito em poucos segundos há a alguns anos atrás, mas isso não o faz desistir, a única coisa que mudou foi o pensamento, que agora é quase um resmungo:
—Coisas boas vem com a idade? Não sei onde...
Mas se limita a isso, segue seu caminho até a pilha de lenhas, pega alguns pedaços, leva até seu fogão de campanha que ainda guarda algumas brasas da noite anterior, amaça um pedaço de papel, mexe nas brasas, que voltam a arder, e assim larga a lenha bem ajustada para seu fogo, busca água em sua chaleira de ferro, a acomoda sobre a chapa do fogão e então pode ir pensar em sua higiene matinal. Após um alivio no banheiro, Bugre volta, puxa seu banco, esse feito de uma tora coberta por um pedaço de pelego marrom, e se põe a olhar o fogo. Nesse momento, os olhos do velho gaúcho brilham, talvez apenas refletindo as chamas de seu fogão a lenha, mas não parece ser apenas isso, pois aqueles olhos carregam mais, talvez dor, alegria, saudade, ou qualquer outra coisa capaz de perfurar o cerne de curunilha que aquele velho trazia em seu peito.
O velho só saiu daquele transe ao ouvir o chiar da chaleira de ferro, indicando que a água estava no ponto, se levantou, buscou sua cuia, bomba, e um porongo, onde guardava a erva. Como em um ritual próprio, aquele velho pensativo, prepara seu mate, a água quente lava a cuia por dentro, com uma ponta de guampa feita de concha ele derrama um pouco de erva dentro da cuia, com cuidado ele a espalha pelo interior da cuia, então completa até pouco acima do pescoço da cuia com água, que quase fervendo levanta vapor e então com a mesma concha feita de guampa, ele cobre tudo com erva, foram necessárias mais de três guampas de erva, que formou um morro, e o morro verde sobre a cuia lembrava e muito algumas paisagens da serra. Com cuidado, mas sem dó, o velho crava a bomba próximo a pé da serra por entre aquele campo verde daquela cuia, e em seguida despeja mais um pouco de água, completando o preparo, ele volta a sentar no seu banco rustico, e então começa a sorver aquele chimarrão, um misto de satisfação com nostalgia inebria o ar, o velho olha para seu redor, e ali pode ver muito de sua história, talvez não só no que realmente adorna aquele galpão, mas sim em suas lembranças. Se alguém visse aquele velho ali poderiam dizer que aquela expressão era de dor por ter de matear sozinho, outros poderiam dizer que era de satisfação de uma vida bem vivida, outros ainda poderiam crer que no rosto do velho externava tristeza por já não ter mais a jovialidade para fazer tudo que deseja. Mas para ser bem sincero, creio que todos ao mesmo tempo que estavam certos, estariam errados, pois aquele sentimento é mais forte, é maior, e seja lá do que for, traz em si uma vida inteira.
Aquele velho pensativo ouve o ronco, indicando o fim do seu chimarrão, e então estica seu braço, pega a chaleira, lentamente completa aquele amargo, quando do nada uma voz surge:
— Vai me oferecer esse mate?
— Tchê, achei que não ia se acusar, assim como já fez por algumas vezes...
— Como assim?
— Mas que barbaridade, você acha que eu já não percebi que tu tá me cercando?
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O Gaúcho e A Morte
Historical Fiction"As histórias de vida de um velho Gaúcho podem tocar o coração da Morte?" A Morte, em forma de homem, vai de encontro a um velho Gaúcho, pois está curiosa em saber do porquê, mesmo estando já debilitado pela idade, o velho não quer morrer e descan...