Adulto
...— Se vocês presam por suas vidas é melhor darem meia volta e debandarem todos de minhas terras!
— Mas esse bandido...
— Vocês é que são bandidos, e tenho dito! Se não saírem, meus peões vão transformar todos em peneiras!
Ouvi isso, e não conseguia ver nada, tudo era escuro, mas eu conhecia aquela voz, me esforçava para me reerguer, mas não tinha mais forças, não tinha força nem para sentir dor naquele momento.
Ouço passos se aproximando de mim, já não tenho medo, pois de alguma forma me sentia salvo.
— Rapaz, você está bem?
Faço um incrível esforço, e o máximo que consigo é ver uma silhueta de homem com o olho azul, eu sabia quem era, agora entendi. E só o que me lembro após ver aquele homem e de tentar dizer:
— Muito obrigado. E por favor, cuide de minha Lua!
Mas não sei se ele chegou a ouvir isso, pois não tenho certeza que tenha conseguido dizer toda a frase, nem sei se consegui pronunciar uma palavra. E tudo ficou escuro.
***
A Morte com a cuia em mãos, observa aquele velho que agora lasca mais um pedaço de carne, e mastiga, e para lubrificar a garganta, toma mais um gole de canha. Ela parece querer perguntar algo, mas ela sabe que nesse momento nenhum ceifador foi busca-lo, mas mesmo assim, ela sente que precisa falar algo, mas não entende o que, ou porque, será que nesse momento a Morte pela primeira vez está sentindo empatia? Aquela novidade para a Morte já mostra que realmente aquele homem é diferente, Ela não entende o porquê de sentir aquilo, pois já viu histórias tristes inúmeras vezes, mas ela via aquela situação com algo diferente, existia ali uma carga emocional, ou qualquer outra coisa que a fazia sentir algo novo. E então ela não se segura e pergunta:
— E então? O que aconteceu? Como você ficou?
E com cara de deboche, o velho responde:
— Então eu morri!
Morte faz cara de poucos amigos:
— Sei que não morreste neste momento.
— Aí é que tu te engana, eu morri ali sim, não fisicamente, mas pela segunda vez, minha vida é destruída. E sem chance nenhuma de me defender.
Morte, de alguma forma compreende o que o velho quis dizer. Ela termina o chimarrão sem silêncio, parecia refletir sobre o que ouviu. E então ela percebe que apesar de ser necessária, a morte de pessoas não acaba só com a vida da pessoa, e sim pode influenciar em muitas outras vidas. Apesar de ser algo tão lógico, nunca havia pensado assim, afinal de contas por ser uma entidade atemporal, já fez seu trabalho tantas vezes, e mandou seus ceifadores o multiplicarem esse processo, que aquilo se tornou banal, nem se dava conta, apenas ceifava as vidas.
O ronco da cuia a fez voltar de seu pensamento, ela passou a cuia ao velho, mas manteve-se no mais completo silêncio.
***
Não sei ao certo quanto tempo se passou, só sei que me acordei, num pulo, talvez estivesse sonhando com o acontecido, mas para ser sincero, não lembro de sonho algum, lembro de cair, ver o homem, e depois acordar ali, mas sei que os dias foram se passando, pois tinha no corpo cicatrizes e marcas deixados por aquele dia. Claro, tinha ainda aberta uma grande ferida, na barriga onde me esfaquearam, mas por sorte, não furou meu bucho. Ao menos foi isso que a senhora que entrou correndo no quarto quando eu acordei disse. Talvez uma semana passei desacordado, mais ou menos, para dizer a verdade isso não importa.
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O Gaúcho e A Morte
Historical Fiction"As histórias de vida de um velho Gaúcho podem tocar o coração da Morte?" A Morte, em forma de homem, vai de encontro a um velho Gaúcho, pois está curiosa em saber do porquê, mesmo estando já debilitado pela idade, o velho não quer morrer e descan...