Não há como explicar essa dor

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Lembro até hoje daquela tarde que traumatizou nossas vidas, quem diria que algo tão divertido e tão simples poderia causar uma enorme dor.

Era feriado na cidade, na verdade no país inteiro, uma data celebrada com respeito por todos os coreanos e como estávamos vivendo naquele país a mais de dois anos também decidimos a comemorar e demonstrar o devido respeito por tudo que era feito naquele dia.

Meus pais acabaram me fazendo uma surpresa naquele dia, um dos poucos que eles podiam estar em casa ao mesmo tempo e com toda a calma, tivemos uma refeição decente em família sem assuntos sobre escola ou trabalho e sem o cansaço que o dia a dia corrido nos causava. Depois daquilo meu pai acabou surpreendendo mais uma vez com ingressos para a queima de fogos que teria durante o entardecer na orla da praia, o local era um pouco longe de onde morávamos, mas de carro poderíamos fazer o caminho a tempo de conseguir ver tudo em primeira mão.

Quando saímos o sol ainda brilhava forte, aquecendo nossa pele da pior maneira possível, mas não iria reclamar dias como aqueles eram bonitos e únicos que em deixavam feliz e sonhadora, com a esperança que coisas melhores viriam e me encorajariam.

Quando chegamos já havia várias pessoas na região, achamos um lugar que desse para ver a queima de fogos com um pouco de dificuldade, mas no final deu tudo certe e o show que aconteceu foi de deixar todos maravilhados e encantados. Naquela noite agradeci pela criação que meus pais me deram, nas oportunidades que tive e também por tudo que enfrentei naquela pouca idade.

Engraçado eu estava ali, abraçada com meus pais sem imaginar o que minutos a frente poderiam me causar.

É engraçado como o clima na Coreia muda drasticamente ou como uma tempestade pode se formar mesmo com o céu limpo, por ter um alto índice de poluição e o clima ser muito seco é comum durante o entardecer ou anoitecer ser surpreendido por uma chuva ou uma simples pancada da mesma.

Naquela noitinha, depois da queima de fogos, enquanto voltávamos a chuva nos surpreendeu com força, minha mãe acabou verificando e a meteorologia já havia avisado que aconteceria e que deveríamos ter nos preparados, a precaução tomou conta e resolvemos ir devagar respeitar todos os limites de velocidade que existiam nas pistas enquanto voltávamos para casa.

Enquanto meu pai dirigia nos envolvemos em uma conversa sobre nossos planos para terminar aquela noite, sobre o que gostaríamos de comer quando chegássemos em casa ou se devíamos parar em algum lugar para fazer um lanche e a segunda opção acabou sendo a escolhida, pararíamos em alguma pizzaria ou hamburgueria para matar nossa fome.

Infelizmente nem todas as pessoas respeitam o limite de velocidade nem a sinalização que existe para nos proteger, foi tudo tão rápido que nem sei como explicar, mas as breves coisas que lembro são:

O sinal estar verde para seguirmos...

Alguém furar o sinal da nossa esquerda...

Ele estar em alta velocidade...

O carro ser atingido com tamanha força que rodamos na pista...

Uma dor inexplicável se espalhando por todo meu corpo

E então eu desmaiei...

Quando acordei me informaram que já havia se passado três dias depois que o acidente havia ocorrido, tentaram me poupar das notícias ruins, mas eu fui descobrindo uma a uma com dor e pesar, a primeira delas foi logo assim que me sentei na cama e tentei mexer meus pés...

- Por que meu pé esquerdo não se mexe? – indaguei a enfermeira e tentei novamente

- Senhorita, tenha calma o médico já virá conversar com...

- Por que ele não se mexe? – gritei e arranquei o lençol de cima das minhas pernas tendo uma triste surpresa

Eu havia perdido metade de minha perna!

Segundo o que o médico explicou, minha perna ficou presa nas ferrugens de uma forma impossível de ser removida e infelizmente tiveram que fazer esse procedimento para salvarem minha vida. Enquanto ele explicava cada detalhe eu me banhava em lagrimas me perguntando por que aquilo teve de acontecer e por que daquela forma, no entanto aquilo era só a beira do iceberg.

Minha mãe saiu com ferimentos leves do acidente, alguns cortes que precisaram de pontos e curativos, assim que foi me ver – quando recebi alta da UTI – choramos juntas por um longo tempo, devido a tudo que havia acontecido e também um outro assunto que também a abalou.

Quando nos recuperamos parcialmente acariciei o rosto de minha progenitora e me permiti sorrir. Aquele não era o fim do mundo, eu ainda estava viva, eu ainda poderia viver.

- Mae? – ela me olhou ternamente – quando eu você e o pai vamos ter alta?

E foi ali que levei meu segundo baque, quando seus olhos perderam o foco, as lagrimas começaram a se aglomerar novamente e um suspiro saiu de seus lábios com pesar...

- Oh minha filha – ela me abraçou apertado e somente com aquele ato eu tive uma dura resposta sobre como estava meu pai. – nosso herói não resistiu meu amor... ele... ele...

Foi como se a dor do acidente viesse novamente, como se eu estivesse revivendo tudo novamente, o choro veio alto e não tive vergonha de mostrar minha dor, eu estava sofrendo, mais do que perder um membro eu havia perdido a pessoas que mais amava e admirava e juntas naquela sala de quarto abraçadas choramos até nossos corações se esvaziarem com a dor de não ter sido possível me despedir daquele que sempre me orgulhei.

E ali naquela sala descobrimos que teríamos que recomeçar, catando os caquinhos que sobraram e tentando unir forças para juntas seguir em frente com os desafios que viriam...

I wanna dance again | JHOnde histórias criam vida. Descubra agora