Os boatos de que Astrid Hofferson havia empurrado Rebecca Grieg escada abaixo se espalharam como um incêndio e chegaram aos ouvidos do conselho de classe no mesmo instante em que Rebecca fora levada ao hospital. Mesmo acordada, a garota não se deu o trabalho de desmentir nenhum dos boatos o que fez com que prontamente o diretor ligasse para Finnik, pai de Astrid.
A discussão acalorada acabou com os dois homens decidindo que seria melhor que Astrid deixasse o internato. Ela, é claro, não estava sendo expulsa. A loira tinha notas altas o suficiente - e Finnik uma conta bancária longa o bastante - para terminar o ano escolar antes dos colegas, então para qualquer um que perguntasse, Astrid era apenas tão boa na escola que havia se formado antes de todo mundo.
Então nesse exato momento Astrid estava no quarto que pelos próximos minutos ainda dividia com as amigas enquanto esperava o carro que seria enviado pelo pai para buscá-la. E mesmo nunca antes ter gostado do confinamento daquele internato, Astrid se encontrava não querendo ir embora.
Duas batidas na porta perturbaram as três meninas no quarto.
- Está aberta. - Foi Astrid quem disse em seu tom monótono, a porta foi aberta por um homem usando os inconfindíveis uniformes de todos os empregados da família, com o brasão Hofferson costurado nas mangas e um "H" em dourado no peito.
- Senhorita, - disse ele - seu pai me ordenou que a acompanhasse até o carro.
A loira assentiu, apontando com a cabeça para o outro lado do quarto.
- As malas estão ali.
E enquanto ele pegava as malas, Astrid abraçou as amigas pela última vez. Nenhuma das três chorou com a despedida, não ficariam separadas por muito tempo, já que tanto Cabeça Quente quanto Heather seguiriam para Paris depois da formatura - Astrid apenas estava indo mais cedo. Se separaram e Astrid seguiu o homem parqa fora do quarto com a cabeça erguida e o nariz empinado, sabia que os outros alunos estariam assistindo sua partida e sairia com toda a dignidade que seu sobrenome carregava.
Andou pelos corredores, chegou ao jardim e caminhou em direção aos portões, mas parou de repente pois bem ali do outro lado do gramado, encostado contra o pessegueiro estava Soluço. Ele se endireitou quando a viu, seus olhos verdes encontrando com os azuis de Astrid.
- Senhorita? - O empregado falhou em chamar a atenção da garota que debatia seriamente atravessar o jardim até o pessegueiro. Ela perguntou sem tirar os olhos do garoto por nem mesmo um segundo:
- Onde está o meu pai?
Ele prontamente respondeu:
- Com o diretor, senhorita.
Um nó se formou em sua garganta com a resposta. Viu Soluço dar o primeiro passo em sua direção e não perdeu tempo em baçançar a cabeça. Não. Soluço não podia vir até ela, assim como Astrid não podia ir até ele. Finnik estava na escola provavelmente pagando o diretor e os pais de Rebecca para ficarem em silêncio, ele poderia aparecer a qualquer momento e aquilo era algo que Astrid não podia arriscar, não podia arriscar que Finnik a visse com Soluço.
Porque Finnik era o mau encarnado. Ele destruía tudo o que era bom sem um momento de hesitação ou um pingo de misericórdia e Soluço era bom, Astrid não podia deixar que o mundo em que vivia o esmagasse, não podia deixar aquilo destruí-lo porque não era justo - porque destruir Soluço a destruiria também.
Solulço não deu outro passo em sua direção e Astrid sentiu o coração se partir em dois. Mas aquela era a decisão certa, mesmo que já estivesse se arrependendo, mesmo que o arrependimento fosse lhe perseguir pelos anos seguintes, sabia que estava certa e naquele momento aquela certeza era tudo o que bastava para que conseguisse girar em seus calcanhares, engolisse seus sentimentos e todas as palavras entaladas em sua garganta e voltasse a caminhar sem mais uma única palavra mantendo os olhos fixos à sua frente porque talvez se não olhasse para trás - se não olhasse para ele - não doeria tanto.
O motorista colocou as malas no chão e abriu a porta do carro para que Astrid entrasse. Ela entrou no carro e ele fechou a porta para então pegar as malas novamente e guardá-las no porta-malas.
Soluço viu a coisa toda reprimindo a vontade de andar os poucos metros que faltavam. Mas Astrid o havia dito que não e por mais que não entendesse, Soluço a respeitava o bastante para não se aproximar. Ele olhou para cima, vendo um pêssego pendurado baixo o bastante para que Soluço não precisasse ficar na ponta dos pés para alcançá-lo, ele pegou a fruta, a pesou na mão e soltou uma respiração.
Há apenas quatro dias Astrid chamava sua atenção tentando escalar aquela mesma árvore e a memória fez seu coração ficar pesado no peito. Era ridículo sentir saudades de algo que durou tão pouco e com a loira ainda tão perto, mesmo assim, lá estava Soluço, se lembrando do gosto dela cada vez que encravava os dentes na fruta. Sim, Astrid o havia fodido completamente e ele não tinha para onde correr ou como escapar, não tinha como se recuperar daquele ataque brutal contra sua sanidade.
Talvez justamente por isso enquanto terminava de engolir a última mordida de seu pêssego e observava a figura imponente de Finnik atravessar o jardim em direção ao carro Soluço havia decidido:
Nem fodendo sua história acabaria desse jeito.
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Perigo
FanfictionOnde Astrid Hofferson, a maior e mais memorável abelha rainha de Berk High, se encontra com um terrível caso de obsessão por Soluço Haddock, um garoto tranquilo e sem nada de especial. Não há nada que Astrid não seja capaz de fazer para satisfazer s...