Capítulo 18

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Salafrária

"Toque, toque". Bela onomatopeia pra quem tem uma sub metralhadora nas costas e uma pistola na cintura.
- Eu entro atirando? - queria não ter escutado aquela pergunta.
- Óbvio que não.
- Mas e se eles abrirem a porta atirando? - prosseguiu a assassina de aluguel.
- Aí você me deixou sem argumentos.
- Eu sempre te deixo sem argumentos - ela bateu na porta novamente - e tá proibido de discordar disso.
- Justo.
A porta marrom com olho mágico amarelado se mexeu para trás e do outro lado avistei um velhinho dobrado apoiado sobre uma bengala, óculos grossos e cabelo bem penteado. Aquele grisalho era natural, ao contrário daquela louca.
- Testemunhas de Jeová? - o senhor tinha uma voz curiosa, gentil e com um pouco de desgosto.
- Na real, não - eu parecia está vestido como uma testemunha? Talvez ele fosse quase cego. - Nós somos ami...
Dhalia me interrompeu com uma cotovelada.
- Senhor! - ela começou a falar alto. - Está esperando alguém!!? Se for, voltamos depois!!.
- Garota, eu não sou surdo - ele fitou Dhalia diretamente no piercing, - sou apenas meio cego, e sim, estou esperando uns amigos da minha neta.
- Sua neta não séria?...
- Ah - uma senhora apareceu atrás do senhorzinho, possivelmente uns 45 anos. - Eles chegaram, vamos, entrem. Um pouco atrasados, mas vindo da Shayara é normal.
- Oooo - o velho ficou impressionado. - Desculpe o engano, entrem, queridos.
Entramos no apartamento roxo familar, cheirava a perfume de gente idosa e lasanha. Talvez o lugar mais feliz em que estive nos últimos dias.
- A mamãe tá fazendo uma lasanha pra vocês, daqui a pouco fica pronto - a mulher era muito cordial e gentil, me sentia parte da família.
- Ei, eu preparei junto com ela - o senhor idoso interviu.
- Claro, papai - e os dois trocaram um sorriso. - Que falta de educação, não nos apresentamos aos convidados.
- Eu sou Olivia - disse a mulher mais velha. - Mãe da Shayara, ela falou muito bem de vocês.
- Me chamo Francis - o velhinho disse com orgulho - e também "melhor pai do mundo".
- Pai...
- Menti?
- Não mesmo - uma senhora de avental e vestido florido falou enquanto aparecia pela porta da cozinha. Cabelos brancos amarrados em um coque no alto da cabeça e óculos pequenos e quadrados apoiados no nariz. Deixou sua lasanha na mesa de vidro, aquilo cheirava ao paraíso.
- Eu sou a vovó Marrie, me chamem assim.
- Okey - eu e a ruiva aceitamos rapidamente.
- Me digam, crianças...
- Não somos crianças, vovó Marrie - Dhalia interrompeu a vovó Marrie.
- Me digam, crianças - ela ignorou totalmente a oposição. - Como está minha queridinha? Comendo bem? Forte?
Dhalia me olhou decepcionada por ter sido ignorada, eu por outro lado segurei o riso.
- Ela está ótima, barba bonita, trabalhando muito... - olhei para minha mão esquerda... - não consigo contar nos dedos o tanto de esforço que ela faz pra seguir bem na vida.
- Oh meu Deus, o que aconteceu com seu dedo? Foi recente? - a mãe de Shayara, Sra. Olívia parecia preocupada como se eu fosse um filho.
- Problemas no trabalho, serralheria e coisa do tipo - me sentia um boneco de desenho animado, só faltava a luva branca.
- Coitadinho - a vovó Marrie lamentou; - venham, sentem na mesa e comam minha lasanha divina.
Todo mundo fitou a mesa e só vimos a silhueta do garfo chegando a boca do Sr. Francis.
- Velhote, que falta de educação, temos visita - a vovó Marrie estava zangada.
- Desculpa, velhinha, eu não consegui resistir - nada é mais fofo do quê um idoso com medo de bronca.
- Por causa disso só vai ficar com esse pedaço até eles irem embora - a vovó Marrie puxou a lasanha e nos ofereceu cadeiras a mesa. - Podem se servir e não sintam medo de repetir, ninguém se contenta com apenas um pedaço.
- Verdade - o velho Francis concordou do outro lado da mesa.
- Você não - vovó discordou.
- Que droga - o velhinho saiu da mesa emburrado, pegou seu chapéu e foi em direção a porta.
- Vai pra onde, papai? - Olivia questionou, sua mão levando uma fatia generosa para o prato.
- Jogar dominó no Joaquim, tchau, queridas.
- Tchau - a vovó e Olívia responderam em uníssono.
- Hummm - tentei formar uma sentença, a boca cheia de comida dos deuses. - Ele tem amigos do dominó, isso é uma velhice legal.
- Hahahahaha - vovó Marrie rio.
- U quie? - Dhalia também não parava de comer.
- Joaquim é um adolescente que chamou meu pai de "Coroa do filme UP" - Olivia explicou achando graça. - Daí o papai joga peças de dominó nele.
- Okey - já estava quase pra morrer de curiosidade e dei uma cutucada na ruiva. - Vamos na cozinha lavar nossos pratos. Tudo bem?
- Claro, um casal precisa de um tempo a sós - vovó Marrie apontou para a porta cedendo seu espaço. - Quando terminarem, vamos conversar um pouco sobre "aquele" assunto.
Eu não sabia qual era o assunto e estava com medo de saber.
- Tudo bem, já voltamos.
Fui para a cozinha fofa amarelo morto e marrom, Dhalia me seguiu e colocou o prato limpo ao lado do meu. A puxei para a janela que tinha vista com a rua.
- Cadê aquela coisa? - falei com um aparente nervosismo na voz.
- A arma?
- Não, minha dignidade.
- Amor - acariciou meu rosto. - Você não tem mais isso.
- Há - tirei sua mão. - Cadê a arma?.
- Caixa de correios.
- E tem isso aqui?
- Tem - respondeu como se duvidasse da minha inteligência, - do lado da porta, passa uma perna por alí.
- Como eu não vi aquilo?
- Você não é muito perceptível - ela olhou pra baixo - e só tem nove dedos.
- O que isso tem a ver?
- Nada, é um charme, parece mais perigoso - ela me deu um selinho e saiu em direção a sala. - Temos que fingir.
- Isso é doentio...
O celular tocou, rezei para que não fosse Mabel. Olha a sorte, era Shayara.
- Oi, amor. É pra levar o leite? - gentil com minha esposa.
Não posso narrar muito bem o que ela disse, mas tem a ver com arrancar algo abaixo da cintura... Com uma ferramenta, mais especificamente um alicate.
- Você não é nem um pouco gentil.
- Deixe de ser covarde, Angelle, termine rápido - a voz de Shayara mudava muito com o humor, falando comigo era sempre um misto de "morra" e "odeio sua existência".
- É a sua família, por que matar eles?
- Testemunhas, descobriram uma pequena coisa e já me ameaçaram de denunciar.
- O quê? Mas eles estão sendo gentis, a Dhalia até guardou a arma com medo deles verem - estava desacreditado, não existia mais porto seguro, eu estava cercado de lunáticos e psicopatas.
- Exatamente, vocês dois são para tirar a suspeita, o fingimento. Inventei de vocês estarem com problemas no sexo e como vovó Marrie é ginecologista ela vai ajudar e então "pow" - a onomatopeia de tiro foi a melhor parte.
- Eu vou ignorar a parte do problema e te perguntar logo - fiz uma pausa, analisando o piso da cozinha, ele ainda estava lá. - É nossa única forma de pagamento?
- Sim, estou sendo gentil com vocês. É isso ou nada, quando acabar eu vou encobrir e nunca mais quero ver sua cara de merdinha na minha frente. Compreendeu?
- ......... Entendi.
O celular ficou silencioso.
Peguei a arma na mão, girei observando se estava pronta para aquilo. Bem, eu com certeza não estava.
Fui até a sala e vi Dhalia conversando com Olívia e a vovó Marrie, com certeza tinha entrado na brincadeira. Eu queria vomitar, meus olhos estavam queimando dentro da órbita.
- Venha aqui, filho - ela me convidou para sentar no tapete, olhando para ela no sofá. Obedeci.
- Estava com sua parceira, deixamos algumas coisas claras e sanamos algumas curiosidades...
Enquanto a vozinha falava, Olívia me deu um suco de maracujá.
- ... E queria saber como você se prontifica a cooperar com ela nessa nova fase da relação.
- Hummm. Sobre? Sou meio esquecido - ela queria algo específico e eu não sabia de nada.
- Acho bom engolir o suco - advertiu a ruiva.
- Bem, sobre a relação anal...
Agadeci o aviso, quase me engasgo com aquilo.
- Hummmm vovó Marrie...
- Calma, é normal a timidez - ela fitou Dhalia, o que a deixou assustada com o ato. - Afinal é o corpo dela.
- Mais especificamente meu c*...
- Aaaaaaa!!! - tentei interromper.
- Pois bem, vovó Marrie - prossegui. - Shayara não explicou bem, ela exagera com os amigos e coisa do tipo. Queríamos apenas saber se você recomenda... - tentei achar alguma mentira. - Lubrificante aromatizado?
- Sim, é até melhor - ela concordou rapidamente. - Me lembro da minha primeira vez com o Francis, fiquei sem andar por dois dias...
- Mamãe!!! - Olívia interrompeu com vergonha.
- Estou ajudando eles, Olívia. Preciso fazer se sentirem confortáveis.
Eu não estava nenhum pouco confortável, saber que minha vó e meu vô... Espera, eles não eram meus parentes.
- Obrigado, vou agradecer muito a Shayara quando sairmos daqui. Ela falou tão bem e agora concordo com ela - quando terminei de falar um semblante de tristeza caiu sobre as duas mulheres. - Ah, me desculpa... Eu não queria.
- Calma, você não fez nada de errado. Shayara faz bastante falta aqui, antes como Jony e agora como ela mesma - Olívia enxugou uma lágrima no canto do olho. - Toda energética e ranzinza, não deixando ninguém triste...
- E ainda cantava bem, fazia as duas vozes de "The Chain" nas noites de Karaokê - vovó completou feliz.
- Isso é impressionante - realmente era impressionante, amava aquela música.
- Ela adora rock clássico, isso é fato. Se tiver KISS, não precisa ter mais nada.
Como eu tinha tanta coisa em comum com a pessoa a qual arrancou meu dedo? Era bizarro.
- Entendo, ela saiu de casa por conta da aceitação e da transição? - Dhalia parecia muito curiosa, estava criando empatia pela família; e nós tínhamos que matar todos alí. - Vocês se referem no feminino e parecem tão gentis.
A ruiva não queria fazer aquilo, sentia tristeza na sua voz, as vezes seus dedos tremiam.
- Não é pela gente, é o irmão dela... No dia da revelação eles brigaram feio, quebraram a porta do vizinho - isso explicava a porta de cor diferente. Imaginava o tamanho do irmão de Shayara, ela já era um armário.
- Então ela escolheu deixar a família ao invés de brigar novamente - vovó Marrie continuou narrando a perda da sua neta preferida.
- Não podemos fazer nada, meu filho é quem paga os remédios do papai - Olívia adicionou mais alguns fatores para odiar a imagem fraterna da mandante do crime.
- Não podem fazer nada - repeti para mim mesmo.
- Querem mais suco? - o assunto mudou repentinamente.

Aqueles Perigosos Cabelos RubrosOnde histórias criam vida. Descubra agora