Capítulo 9

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Piloto de fuga, amante maluca

Não era minha cama, óbvio. Mas me sentia bem depois da última noite, era um sentimento bem diferente. O jogo de cama azul cobria meu corpo nu e ao lado estava ela, um braço apoiado no meu peito magro e o outro perdido embaixo dos lençóis. Seu rosto colado do meu lado esquerdo, agora com um piercing de cor diferente no nariz, uma ferradura prateada e brilhante.
- Você vai preparar o café - ela falou com aquele bafo de amanhecido do meu lado, difícil a vida.
- Com certeza, as visitas sempre trabalham - tentei me levantar mas fui segurado por seu braços fortes. - Não dá pra fazer a comida na cama, Dhalia.
- Vai preparar depois de me acordar, anda. Quero atenção para minha alma voltar pro corpo.
Eu estava casado? Desejei muito ouvir um "não" divino. Sorte não ter ouvido.
- Me larga, grude - soltei da dama de ferro e fui até a cozinha recém descoberta. Era bem bonita, todas peças estavam juntas em uma extensão conectada: fogão, armários, pia, talheres, local para pratos e um local pro lixeiro no canto. - Vou fazer essa droga rapidamente e voltar pra minha casa...
Eu queria pronunciar a palavra, queria falar "erro", mas ela ficava presa na minha garganta, doía como se fosse um anzol me puxando. Era... Era triste, por que eu fiz aquilo? Eu não conhecia ela, três meses junto com Dhalia e eu não sabia nada além do sobrenome. Uma conta bancária? Parentes? Gosto musical? Filmes? Alfabetizada? Signo?... Bem, essa última pergunta era inútil, ninguém liga, eu...
- Ezio - me virei para olhar ela e senti meu corpo pesar uma montanha, cai de joelhos e o lado esquerdo do meu rosto doía, milhares de formigas mordendo e agulhas me furando. - EZIO!!! EZIO!!! QUE FOI?
- Cartela... - eu gemia entre os dentes e puxava meu rosto, - no meu.. AH PORRA DO MOLETOM AAAAA
- Ezio!!! Não morre na minha casa.
- Pega a droga da cartela - levantei a cabeça o suficiente pra encarar ela e suplicar.
Vi o vulto vermelho correr até o quarto, voltar, passar pela cozinha e se encontrar comigo.
- Toma, toma, toma, aqui, água - ela estava chorosa, a voz falhava de medo. - Por favor, para com isso.
Tomei o remédio rapidamente, a dor ia sumir gradativamente, aquele pico foi justamente pelo erro da noite passada... Por culpa dela.
- Ezio...
Passei por ela encarando o chão, entrei rapidamente no quarto para pegar tudo e fui em direção a porta da frente.
- Espera aí, espera aí - ela correu atrás de mim, até sua voz me incomodava. - Espera, inferno - fui segurado pelo braço, estava surtando.
Foi um movimento automático, bati na sua com tanta força que a própria levou o braço pra trás.
- Desculpa, eu, eu prometo me sair melhor, mãe.
- O quê? Ezio, eu não sou...
Sai nervoso pela porta e corri o mais rápido que meus pés aguentavam. Só parei faltando algumas quadras para meu apartamento. Quanto tempo corri? Quarenta minutos? Uma hora?
Mãe? Por que? Por que ela? Tanto tempo. Por que logo agora? Tantos anos, tô tão longe... QUE INFERNO!!!.
Essa última parte eu gritei e chamei toda a atenção pra mim; era hora de ir pra casa.
Já em casa, vi seis mensagens de Mabel a quais duas eram figurinhas com gatos e corações. É claro, o encontro.
- Por que eu tô fazendo isso? Sou algum tipo de mega assaltante destruidor de governos e impostos? Não, sou... Eu. Quer saber.
Coloquei a arma engatilhada na mesa de centro, o metal se destacava no vidro esverdeado. E do outro lado deixei o celular aberto nas mensagens de Mabel, tinha começado a escrever: "Vamos, adorei. Que horas?" Entre ambas uma moeda... Finalmente tomei coragem.
- Cara, coragem e coroa, covarde.
Tinha acabado de me tornar uma página.
Talvez uma música ajude.
Pedi para a Alexa tocar "Somebody Watching Me" do meu rei, saudades, Michael.
- "Eu sou apenas um cara normal, com uma vida normal" - tentei acompanhar a música desafinado e rolando a moeda entre os dedos.
O celular continuava nas mensagens, Mabel entrava e saia da rede social.
- "Tudo o que eu quero é ser deixado em paz na minha casa comum" - a moeda estava no ar.
A arma tinha um gosto de vitamina, meus dentes doíam, a cabeça inclinada olhando pro celular.
"Click"? "Tin"? "Plim"? "In"? O metal girou freneticamente fazendo um barulho ensurdecedor no apartamento vazio, mordi a arma com raiva. Por que? Por que tô sempre me questionando?
- Oh, a moeda parou... Coragem.

Aqueles Perigosos Cabelos RubrosOnde histórias criam vida. Descubra agora