Capítulo 4

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Pra não ir pra prisão

- Sabe, Ezio - sua voz fazia eco no banheiro do posto, entramos escondidos para caso fossemos descobertos, a maior acusação séria de atentado ao pudor.
- Diga - amarrava o tênis com o pé apoiado na pia, estava praticamente gótico, calça preta igual uma sombra pra combinar com o tênis e uma camisa gola redonda sem estampa pra combinar com a jaqueta jeans... Também preta, olha que coincidência.
- Você é um cara alto, não tem tantos caras altos na tua cidade - ela saiu do banheiro enrolando a trança boxeadora junto a cabeça. - O que acha da gente se mudar? Jogamos o carro... - ela esqueceu que ele é alugado? Espero que não - ... No mato e tudo certo.
- O carro é alugado, Dhalia, depois que devolvermos pensamos nisso - não sei porquê usei "nós". Já me considerava algo da ruiva? Não faz sentido, saiu automaticamente. - Beleza?
- Por mim tudo bem, a lojinha é duas quadras a partir daqui na diagonal - ela apontou pro lado direito do banheiro, o que era bom, a loja ficava dentro da cidade - Eai, como eu tô? - ela deu uma voltinha e balançou as sobrancelhas animada.
Olha, ela literalmente tava vestida igualzinho a mim, dos pés à cabeça. O que comentar?
- Legal - sou um imbecil. - Vamos?
Sou um grande imbecil.
- Hummm - ela me olhou chateada, as sobrancelhas laranjas fogo caíram em tristeza, - Tudo bem, checou tudo?
- Sim, armas carregadas, mochilas vazias e com zíperes funcionando, luvas e máscara no bolso de trás - dei um tapinha em cada objeto depois de falar seus nomes.
- Medo?
- Medo, muito medo.
- Ezio.
- Oi - já me aproximava da porta.
- Por que aceitou isso?
- Não sei - segurei a maçaneta e ela pesava uma tonelada. - Acho que não provei o quanto me odeio.
Segui até a estrada com Dhalia logo atrás arrumando sua mochila e arrumando a camisa em cima do cano brilhante.
- Uau, tá meio frio e meio quente - puxei as mangas da jaqueta até os cotovelos. - Tá fazendo quantos graus?
- Vinte e seis - ela imitou meu gesto, mas também puxou os jeans até os joelhos. - É outono, Ezio, nunca viveu isso?
- Não, vivi 21 anos dentro do buraco da tua...
- Ok, okey, ok, entendi - seus braços levantados em um gesto de defesa, - vamo logo.
Passamos todo o caminho sem dizer uma única palavra para o outro, apenas analisando o caminho. Imaginava que ela também estava analisando locais de fuga e possivelmente um bom saco de lixo pra morrer caso a polícia cancelasse nosso CPF na fuga mais estúpida existente, um casal todo de preto carregando mochila e ninguém iria achar suspeito. Percebi algo também, muito, muito conveniente, todas as casas estavam fechadas e nos encontramos com apenas duas pessoas - uma criança chorosa a qual odiou ver a gente, parou, apontou e correu pra direção oposta e o outro foi um emo fumando no beco; nem ligou, éramos parentes trevosos.
- Chegamos.
Uau, uma loja incrivelmente clichê, com uma bela fachada que iria ficar iluminada a noite, portas de vidro que abriam pra frente e pra trás deixando tudo lá dentro a mostra.
- Você desliga as luzes lá atrás, não é pra isso durar mais que cinco minutos.
- Okey.
Coloquei a primeira luva e já ia em direção aos fundos quando Dhalia me segurou pelo braço.
- Ezio.
- Muito fofo, mas já tá anoitecendo.
- Não importa o que aconteça, estamos do outro lado.
O olhar de Dhalia era triste, com certeza já tinha passado por aquilo inúmeras vezes.
- Por mim tudo bem, mas te garanto - agarrei a cabeça da garota ruiva com as duas mãos e beijei sua testa, - eu sou incrível em jogos de quadra.
- Você é um imbecil - ela correu e vestiu o resto da sua fantasia de criminosa do mal.
- É, eu sei que sou.
Fui avisado, não era pra demorar mais do que cinco minutos, quebrei o cadeado da caixa de força, encontrei o interruptor, igual minha cola com pincel piloto no meu pulso esquerdo indicava, puxei, fechei com um novo cadeado, coloquei a máscara, guardei a chave na mochila e... Tirei a arma do coldre que tinha colocado pendurado no lado esquerdo do corpo.
- Essa merda é abafada - olhei aquele pedaço de ferro preto moldado na minha mão direita, pesa mais do que no dia que comprei.

- Dhalia.
- O que, Ezio?
- Pega a arma.
- Okey.
Dhalia fez um movimento rápido e pegou o ferro cinza em formato de "L" no chão.
- Vou secar o caixa, não tira o olho dele - ela abriu a mochila e começou a colocar todo o dinheiro que achou ali, até as moedas.
O quê? Vou ter que resumir? Tudo bem, assim que desliguei as luzes corri direto para dentro da loja e vi a ruiva parecendo um tridente com as mãos pra cima e o dono da loja segurando uma arma do tamanho de um braço apontada pra cabeça dela. Bem, não sei explicar muito bem o que passou, mas meu dedo apertou duas vezes e o homem estava no chão. A arma dele caiu e fez um baque no balcão, coincidência maldita não está carregada.
- Ezio, bora - ela me puxou pelo braço, pra ela eu deveria pesar umas dez toneladas.
- Humrrum, sim, vamos.
Corremos sem olhar para trás e para os lados, apenas escutei o portão da loja sendo fechado por ela.
- Ezio, relaxa, não surta. Beleza?!
- Não vou surtar - parei e puxei ela pra gente caminhar.
- Coloquei silenciador na arma, olha - mostrei a arma quase com o dobro do tamanho.
- Ezio, você é genial.
- Sim, vamos apenas nos trocar e andar mesmo - eu queria chorar, minha garganta tinha 16 bolas de billhar. Precisava de fraldas geriátricas.
- Tudo bem, tem esse beco aqui, vem.
Nos trocamos tão rápido, já tinha visto Dhalia nua inúmeras vezes, ela era uma adepta do nudismo. Mas naquele momento até piscar me machucava, meus olhos estavam cheios de areia e sal.

- Toma - ela me jogou uma garrafa de água, agora vestida em um short que casava bem com sua camisa de alfaiataria branca e a sapatilha preta. - Vamos, eu dirijo - Dhalia amarrou seu cabelo laranja em um rabo de cavalo de movimento duplo.
- Por mim tudo bem.

- Espera aí - fui interrompido pelo colecionador de infartos. - Só queria explicar que não aceito devoluções.
Ele gritou por infinitos dois minutos sobre "não devolução", queria vomitar em cima daquela cara, não faria diferença na coleção de cheiros.
- Tudo bem.
- O quê? - o homem parou no próprio eixo.
- Pode ficar com tudo.
- Hehehe, obrigado - ele tentou se aproximar para um abraço mas Dhalia o afastou com a garrafa de água apontada no meio dos seus seios.
- Recomendo que não chegue mais perto, Moby.
- Opa, mas é claro madame - se afastou debochando com um meio gesto de reverência.
- Ezio, tira os pés de dentro do cimento, vamos - acompanhei ela até o carro.
- Puta - disse o mecânico.
- Espera um segundo - ela falou e saiu do carro.
Sentei no banco do passageiro e apenas vi Dhalia voltando com a mão vermelha e um olhar tão cheio de ódio que fiquei gelado.
- Bem, vamos lá? - ela limpou o líquido vermelho quente da mão e deu partida no carro.
- Você quebrou alguma parte do corpo dele?
- O nariz, chega espalhou na minha mão.
- Legal.
- Ainda quer vomitar? - ela perguntou já entrando na principal.
- Sim, com toda certeza.

Aqueles Perigosos Cabelos RubrosOnde histórias criam vida. Descubra agora