IX- A figura encapuzada.

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O Sol já havia quase morrido quando, já longe da vila de Kenzir, Alefh notou aquela figura que vinha se desenhando a certa distância a frente de seu grupo que, ainda assim, despertou logo de imediato a desconfiança dos viajantes. Já estavam a alguns poucos minutos do vilarejo mais próximo, onde iriam passar a noite, quando o fato aconteceu. A tensão foi aumentando a medida que o sol ia se pondo, e eles iam se aproximando. Um caminho de estrada de terra, cercado por algumas árvores dos dois lados seguidos de planícies onde, ao lado direito havia um pequeno riacho. A luz do sol que ia morrendo em um amarelo queimado desenhava múltiplas formas por onde conseguia passar entre as folhagens. O encontro já era inevitável.
- Pode ser apenas um camponês comum. - disse um dos cinco soldados.
- Como pode também não ser- disse o outro mais atrás da formação retangular e já colocando a mão na espada.
- Acalmem-se! -disse Alefh enquanto segurava as rédeas do cavalo com mais força. - Quem vem daí? - gritou Alefh.
A figura a alguns metros permaneceu em silêncio. Logo, os seis tomaram suas posições ao longo da estrada.
A pessoa que vinha com um capuz de couro então parou abruptamente, enquanto o vento parecia ter parado junto dos movimentos das folhagens próximas. Ao longe só se ouvia o som de uma ave noturna que acabara de sair para caçar, aquele instante pairou na espinhas de todos ali como uma flechada gelada que lhes atravessava suas entranhas. Os guerreiros olhavam estáticos e com as mãos em suas armas prontos pro que viesse, enquanto as mãos da pessoa a frente deles subia levemente para retirar o capuz de cima da cabeça. Uma mulher, loira dos cabelos quase brancos e olhos claros como mel apareceu por detrás daqueles tecidos que a escondiam. Ela olhava a todos com um semblante assustado, como se estivesse tão surpresa quanto todos ali naquela inesperada situação.
- Quem vem daí? - Alefh exclamou mais uma vez.
- Thoriun- disse a mulher enquanto se inclinava em reverência.
Os homens ali ficaram surpresos com a beleza da mulher, os soldados logo relaxaram um pouco mais suas posturas, mas Alefh se mantinha imutável.
- Por qual motivo não respondeu antes quando lhe foi perguntado? O que fazes por este caminho ao cair da noite ? Se não por lobos, o perigo vem dos homens. - disse o capitão com as sobrancelhas curvadas e pontiagudas, negras como seus cabelos curtos na cabeça. Um silêncio percorreu os instantes antes da resposta da mulher, que possuía um olhar o tanto quanto desconfiado e amedrontado.
- Eu moro próximo daqui, na floresta com minha família, fui até Svingard para vender as ervas que colhi mais cedo e comprar mais suprimentos. Desculpe não ter respondido antes, achei que fossem bandidos mais uma vez. Minha visão já não anda tão boa como antes- dizia a mulher com uma expressão de tristeza. 
- Vejo então que conseguiu a venda, mas não conseguiu o comprar os suprimentos?
- Infelizmente o que consegui pelas ervas não foi o suficiente. Me renderam apenas algumas modas de bronze.
- Entendo... - Alefh a observava ainda com certa cautela em seu olhar. - Disse que achou que éramos bandidos, não deve ser tão seguro assim voltar sozinha a esta hora. O quão profundo vive na floresta? Podemos acompanha-la até lá.
- Sim, poderíamos, quem sabe passar a noite também? Temos o suficiente para irmos em Svingard e a ajudarmos com mantimentos. - disse um soldado quase ao lado de Alefh.
O riacho mais ao fundo corria uma água gelada e forte, já escura com o peso da noite que pairava sobre ela. Logo a beira, protegido da correnteza, um peixe permanecia parado entre as pedras, enquanto o diálogo decorria. Ao ouvir o que o soldado disse Alefh curvou levemente o pescoço, olhando por cima de seu ombro em um olhas afiado como uma espada, reprovando tal sugestão que não lhe foi perguntado.
- Não precisam me acompanhar, já estou próxima da cabana e o caminho é seguro até lá, também sei me defender. - disse Thoriun se aproximando da cabeça do cavalo de Alefh.
- Não há dúvidas que sim. De que tipos de mantimentos precisava? - Alefh questionou. A mulher acariciou a orelha do animal por alguns instantes antes de responder.
- Óleo de Jotonir, queremos agregar valor a caça que meu pai trouxe hoje. - Disse a moça olhando diretamente a Alefh. - Bom, devo ir, já devem estar preocupados com o meu não retorno.
- Sim, sim, de fato! - Alefh assentiu com a cabeça. O clima de dúvidas pareceu ter passado, com a volta do vento que soprava em seus rostos.
-Aqui, tome! - dizia o soldado ao lado de Alefh mostrando uma moeda de prata a garota, que não hesitou em pegá-la.
- Foi um prazer, que a deusa da floresta proteja seus caminhos. - Disse o soldado animado.
Alefh olhava para aquilo tudo com certo desdém pela repentina atitude de seu subordinado frente a bela moça. Os os outros soldados desenharam sorrisos sutis em seus rostos para o amigo que ofereceu a moeda, Alefh olhou para cada um concordando com o que pensavam.
- Vamos, Svingard ainda nos espera, já perdemos alguns minutos. Tome cuidado em seu caminho, que a Mãe esteja com você. - disse Alefh já movimentando seu cavalo negro.
A mulher deu um sorriso caloroso ao soldado que a ajudou, colocou seu capuz e retornou a seu caminho. O trotar dos cavalos rompeu a calmaria mais uma vez entre as pedras da estrada.
Os seis iam a alguma distância da mulher cuja a silhueta já quase sumia na escuridão.
- Você quase deu sua armadura à mulher também. - Alefh disse sorrindo para o soldado arrancando gargalhadas dos outros.
- Um homem não pode mais ser bem feitor neste mundo perdido? - o soldado falou com um sorriso malicioso.
- Claro que pode, contanto que não seja uma bondade seletiva por olhos cor de mel e um belo par de coxas. - disse outro soldado aumentando ainda mais a gargalhada coletiva.
Os seis seguiram seu caminho e a imagem da mulher já havia sumido da paisagem quando o soldado que de a moeda olhou para trás.
- Você está quase como o deus do mar! Que deu o jotonir como presente a deusa da floresta na esperança que ela o amasse de volta. Pensando bem agora, é estranho saber que o óleo das ovas de um peixe pode deixar uma carne muito mais saborosa... - disse o soldado devaneando enquanto trotavam.                                                                                                                            - De fato, um bom dote, um peixe lindo de escamas douradas e que ainda deixaria a carne de um cervo ainda mais gostosa. - disse um outro soldado.

Um sereno leve começou a cair em cima dos guerreiros Corinthanos. O ar agora era mais gelado e o som dos insetos era abafado pelas gotas que se chocavam contra as folhagens.
- Repete o que você falou.- disse Alefh mudando a expressão de descontraído para séria.
- Não é essa a lenda? Que o deus do mar deu...
- Não, não essa parte... - Alefh o interrompeu.
- que o óleo das ovas deixa carnes mais gostosas?
- Sim...
- Capitão? - Alefh se deu conta naquele instante de um pequeno detalhe quase sutil.
- Acontece que o óleo de jotonir apodrece com duas partes de ciclo... dois meses, no caso- Alefh disse a frase onde logo em seguida um soldado mais ao fundo o completou.
- E... jotonires só colocam ovos duas vezes por ano, a última já fez...
- Isso! Já fizeram quatro partes de ciclo desde o fim da última desova.
- ela pode ter se enganado. -disse o soldado da moeda.
- Ou ela pode ter, nos, enganado. - outro soldado do cavalo marrom falou.
A chuva pareceu ter ficado mais fria naquele instante de dúvida, e os ventos, mais cortantes. A lua refletia nos pedaços das armaduras dos homens e o barulho da chuva fazia parte da confusão. Alefh, encharcado com a chuva que caía, deu o comando para que seguissem em frente com toda velocidade depois de realizar por um breve instante a conclusão do que aquela mulher poderia ser, e do porquê ter cruzado seu caminho. Os cavalos iam a toda velocidade jogando água para cima a cada vez que suas patas batiam ao chão, os cabelos e barbas molhados balançavam ao vento que batia nos guerreiros de olhos serrados, evitando a dor do vento e das gotas de chuva que batiam em seus corpos. Aquilo durou alguns poucos instantes.

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