No outro dia fui para o colégio ouvindo The Police – Every Breath You Take.
Estava meio sonolento, era aula de artes, e não esperava ver a Carol.
Entrei na sala, e ao olhar para o fundo dela, a vi sentada com o fone e a cabeça baixa.
Me olhou com aquele olhar misterioso.
Acenei com a mão surpreso, e ela deu aquele leve sorriso.
Me sentei ao seu lado e coloquei a cabeça em cima da carteira, virando para o lado onde o Marlon ficava, que estranhamente ainda não tinha chegado.
— Dormiu tarde, imagino… estava pesquisando sobre o que conversamos ontem? — disse ela.
— Harã… eu não sabia que íamos fazer aula de artes juntos! — falei virando meu rosto e olhando diretamente em seus olhos.
— Nem eu. Sabe… gosto como você me olha nos olhos! — exclamou, apontando para eles.
— Sempre sincera e direta — comentei.
— Não gosta?
— Gosto, mas isso não te traz problemas?
— Mais do que você imagina… — disse ela fazendo uma careta. — Gosto do seu estilo “vintage”, é charmoso.
— Obrigado. Diria que sofri influência do meu pai. Ele sempre se veste assim. — Ela foi a primeira pessoa a falar sobre como me vestia.
Estava com uma camisa, toda branca — totalmente diferente da minha cor favorita, mas eu amava camisas brancas —, calça jeans preta e tênis da New Balance 1600 preto com branco.
— Gosto do seu também. Tem muito a ver com atitude — comentei.
Estava vestida com uma camisa de manga curta preta, calça preta com vários rasgos e seu All Star preto. Sua maquiagem também combinava com sua roupa.
Tinha me distraído e nem notei o momento em que o Marlon chegou.
— E aí, Enzo — disse ele se sentando.
— Nossa nem vi você chegando. Quase se atrasou, imagino? — disse para ele.
— Longa história.
— Carol… Marlon. Marlon… Carol — falei os apresentando.
— Oi! — disse ela levantando a mão.
— Olá. Não sabia que já eram amigos — comentou.
— Somos? — Carol falou me olhando.
— Não sei, somos? — perguntei.
Ela começou a rir, eu e o Marlon ficamos sem entender. Confesso que fiquei um pouco envergonhado.
— Por que não? — ela disse soando mais como afirmação do que como pergunta.
Fiquei aliviado e feliz ao ouvir sua resposta.
Após isso o professor entrou na sala.
Foi uma dolorosa aula de inglês até o intervalo.
No refeitório sentando com o “casal perfeito”, vejo que ela está sozinha, e escrevendo naquele diário novamente.
— Convida ela para sentar conosco, Enzo — Lory falou.
— Será?
— Ela não disse que é sua amiga na sala? — disse Marlon. — Pode ir lá sem medo.
Afasto a cadeira, me levanto timidamente e caminho até ela.
— Carol?
Tirou o fone, guardou o diário e me olhou.
— Vai me convidar para sentar com vocês? Estou certa? — Essa garota estava sempre a dois passos na minha frente.
— Qual é sua resposta?
— Não. Eu gosto de ficar sozinha. Desculpa.
— Tudo bem. Quem sabe outro dia muda de ideia — falei me despedindo.
Fiquei um pouco chateado, mas se ela gosta de ficar sozinha, só me resta aceitar.
Me fez lembrar do meu passado, achava o máximo a palavra “sozinho”, sem preocupações, sem estresse. Passei o fundamental assim, e esse era o plano para o ensino médio, mas logo nas primeiras semanas o Marlon apareceu, sem explicação alguma, simplesmente se sentou à mesa, na qual eu ficava sempre sozinho no intervalo. Acredito que ele estava sozinho também, e viu em mim a oportunidade perfeita para mudar isso.
Ele começou a falar sobre várias coisas, e eu só tentava ignorar a presença dele na época.
— Você tem cara de gostar de música... — disse me encarando.
Olhei para ele, e balancei a cabeça dizendo que sim.
— Gosto muito também. Minha banda favorita é a T-Rex — disse ele.
Essa era uma banda muito boa dos anos 1960/70, e é na mesma linha que eu curto. De todas as bobagens que disse, ele enfim, falou algo que me chamou atenção.
— Joy Division, é a minha favorita nessa linha — comentei.
— Já ouvi, é muito boa. Vejo que temos gostos parecidos para bandas — falou rindo.
Foi o começo da nossa amizade, e depois de um tempo entendi que ter alguém para conversar, trocar conselhos e rir à toa, é bem melhor do que guardar no seu próprio mundo.
— Ela disse que está bem sozinha — comentei na mesa.
— Tudo bem — eles responderam.
— Quando terminar as aulas, vamos à loja? Está proibido de recusar! — Marlon falou.
— Se minha resposta tem que ser “sim”, por que perguntou então? — comentei.
— Estou ansiosa para ir até essa loja — comentou Lory.
— Vai gostar, e vai querer ir sempre — disse para ela.
Fiquei pensando que poderia encontrar a Carol na loja também. Isso me animou.
A última aula do dia seria de Inglês — que tédio. Como de costume foi uma tortura.
No final da aula encontramos a Lory, que já estava nos esperando em frente à escola.
— Estou animada — disse ela.
Já esperava que ficasse.
— É só uma loja de discos — comentei.
— Não escute ele, e vamos logo — falou Marlon.
Quando chegamos à loja notamos que estava bem movimentada, mais do que o normal. Dentro dela, a Lory ficou encantada com a quantidade de discos e CDs, queria ouvir de tudo um pouco.
Enquanto eu estava sozinho, fiquei concentrado procurando um disco de música Indie para ouvir, e acabei me esbarrando em uma pessoa.
— Desculpa — falei olhando para o piso pegando rapidamente o disco que tinha derrubado.
— Nossa, como é distraído — disse com uma voz conhecida.
Quando me levantei, era ela.
— Aqui — falei entregando o disco.
Ela me olhou e falou:
— Não era você que tinha preconceito?! E olha agora você aqui nas prateleiras do Indie — falou ironicamente. — Vejo que pesquisou mesmo sobre o que conversamos ontem.
— Fiquei curioso e vim ouvir alguns discos. Aproveitando sua presença, você pode me indicar algumas bandas que você gosta.
— Arctic Monkeys, Gorillaz… são ótimas bandas — disse ela.
— Conversando com você, eu notei que seu cabedal musical é enorme. Além desse estilo, o que mais você escuta? Fiquei com essa curiosidade.
— Eu escuto tudo. O critério que uso para escolher uma música, é: se ela toca meu coração, se conversa comigo, se mexe com a minha sensibilidade. Independente do estilo ou gênero, se a música entrar no meu íntimo, eu a escuto. Gosto muito da frase, “Música é quando alguém dá som aos sentimentos da gente.”
O que ela falou me fez pensar o quanto eu devo ter perdido na minha vida, por ter preconceito, ou se limitar por julgar as coisas ao primeiro ouvido, ao primeiro olhar.
— Mas, um estilo que toca o meu coração é o Soul, mas na linha da Black Music. Já ouviu? — me perguntou.
— Pouca coisa, como Michael Jackson, mas não me aprofundei muito nesse gênero — falei.
— Já escutou Earth, Wind & Fire, Kool & The Gang…?
— Se já escutei… não me lembro.
— Vamos à prateleira onde vai ter esse estilo. Vai amar, confia em mim.
Carol pega um disco e coloca para tocar, coloco o fone e sinto aquela vibração de um milhão de instrumentos, mas que formavam uma linda harmonia. Achei incrível, e confesso que fiquei com vontade de dançar, com a presença dela isso se tornou impossível, já que nem sabia dançar, mas aquele ritmo te fazia sentir vontade.
— September, é o nome dessa música. Curtiu, né?
Ela sabia que eu tinha gostado.
— Muito bom. É incrível essa harmonia. Vou comprar esse disco para escutar em casa — comentei.
— Bela escolha. Aqui! Já até peguei o disco para você — disse rindo, me entregando o disco que eu ia comprar.
— Obrigado. Vou parecer ridículo agora — falei dando uma leve risada.
— Como assim?
— É que você além de linda tem um ótimo gosto musical. Certeza que você é humana?
Deu uma risada fofa.
— Enzo, realmente você é interessante, mas obrigada pela sinceridade.
— Foi bem difícil para mim dizer isso, mas deixe-me perguntar… você descobriu tudo isso sozinha ou sofreu influência de alguém?
— A maioria eu descobri sozinha, mas o estilo rock Alternativo e Underground, foi por conta do meu pai.
— Vocês devem ser bem apegados.
— Muito, mas infelizmente… Ah! Esquece. — Do nada, ela pareceu triste. — E você, quem foi sua inspiração?
— Meu pai, ele é produtor musical, com isso sempre tive contato com músicas, porém, fiquei preso no rock dos anos 1980 para baixo.
— Nossa, que legal a profissão do seu pai — comentou.
— Pois é. — Mal ela sabe como é “na realidade”. — Acredito que nossos pais iam se dar bem.
— Isso não vai acontecer.
— Por quê?
— Ele mora em outra cidade.
Agora entendi o motivo de sua tristeza ao citá-lo, deve ser separado de sua mãe, mas não perguntei senão ia parecer indelicado da minha parte.
— Pensei que tinha ido embora — disse o Marlon.
Ele e Lory apareceram que eu nem vi. Na verdade, tinha até esquecido deles.
— Desculpa ter me afastado de vocês, é que encontrei a Carol na loja e ela estava me mostrando alguns discos.
Eles a cumprimentaram.
— Vocês dois formam um ótimo casal — disse Lory.
Carol me olhou e eu fiquei todo envergonhado, sem saber o que falar.
— Para, Lory, eles vão ficar envergonhados — comentou Marlon.
— Desculpa — disse ela rindo.
— Bom, eu tenho que ir embora — Carol falou se despedindo.
Nos despedimos dela e fui até o caixa comprar o disco, enquanto a Lory e o Marlon me esperavam do lado de fora da loja.
No caminho para casa com o Marlon, pois a Lory já tinha ido embora também! Ele comentou:
— Esses dias você tem conversado muito com a Carol. Está gostando dela?
— Estou sim, acredito que desde a primeira vez que a vi, mas acho que não tenho chance alguma com ela.
— Por que acha isso?
— Ela é muito linda, tem atitude, sabe ter uma boa conversa. Totalmente o oposto de mim.
— A Lory falou, que do jeito que ela sorriu ao se despedir de você na loja, está interessada. Sabe que uma opinião de outra mulher é totalmente válida.
— Será? Agora vou ficar pensando nisso, e a culpa vai ser sua e da Lory.
Na metade do caminho me despedi dele e segui para casa. Quando cheguei, a casa estava vazia, meus pais ainda não tinham chegado do serviço.
Aproveitei para colocar o disco que comprei para tocar na sala. Enquanto ouvia o som, eu fiquei olhando a capa, e na parte de trás, tinha um número escrito à caneta.
Peguei o celular e salvei o número, fiquei curioso, e resolvi mandar uma mensagem.
“Oi…”
Não sabia se alguém iria responder, poderia ser até uma “pegadinha” de mal gosto de outra pessoa, mas de alguma forma, aquilo me deixou apreensivo pela resposta.
Então se passaram um minuto e nada. É claro que ninguém vai responder, pensei.
O celular vibrou.
“Oi… Quem é você?”, foi a resposta do número suspeito.
“Pode parecer totalmente sem sentido, mas esse número estava escrito na parte de trás de um disco de vinil que comprei hoje.”
“Seu nome é Enzo, né?”, disse a pessoa.
“Como sabe disso?”
“Só vou responder, se você acertar a pergunta que eu vou fazer.”
“Qual pergunta?”
“O meu número estava no disco da banda Earth, Wind & Fire, então quero saber o que o signo de Sagitário tem a ver com essa banda?”
Quem iria fazer uma pergunta dessas?
“E se errar a resposta, não vou dizer quem eu sou.”
Então resolvi pesquisar no único lugar possível, o Google.
Na pesquisa aparecia que o signo tem elementos de regência o fogo, terra e vento, o que fazia todo o sentido com o nome da banda.
Fiquei pensando sobre isso, e a única pessoa que pensaria em algo assim, era a Carol. Deve ser ela, me testando, tem toda a cara dela.
“Oi, pessoa desconhecida, achei a resposta para sua pergunta. “
Passaram dois minutos e o celular vibrou.
“Pode responder.”
“Fogo, terra e ar, são os elementos do signo, sendo o mesmo nome da banda.”
“Muito bem! Enzo, mas acho que você já sabe quem eu sou.”
“Como você é louca, Carol”, mandei uma mensagem rindo.
“Fiz isso, porque eu sabia que você não teria coragem de pedir meu número. Obs.: foi por uma boa causa.”
“Estou ouvindo o disco nesse exato momento. Estou amando tudo.”
“Bom saber. Vou me ocupar agora. Até amanhã, Enzo.”
“Até amanhã!”
Ouvi um barulho na porta. Era o meu pai que tinha chegado.
— Black Music, Enzo? — disse com um tom de surpresa.
— E aí, pai. Pois é, estou curtindo.
— Como essa banda é boa, para mim a melhor nesse estilo. Amo esses ataques de metal que eles fazem.
— O senhor nunca me falou que esse estilo era tão bom.
— Você nunca se interessou, o seu foco sempre foi o rock dos anos 1980 para baixo. Estou até surpreso por você está escutando algo novo.
Após isso, tirei o disco e subi para o meu quarto. Ele ficou na sala vendo seu programa de música favorito.
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Cabelos Cacheados
RandomEnzo é um jovem apaixonado por músicas, e leva uma vida comum de um estudante do ensino médio, mas sua vida comum mudou completamente após conhecer Carol, uma linda jovem, com charmosos "Cabelos Cacheados".