13. A Esperança - parte. 2

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Enfim tinha chegado na sexta-feira, estava ansioso e inquieto. Tínhamos combinado de nos encontrar na praça às oito horas da manhã. Tínhamos que fingir que íamos para o colégio.
Por volta das oito e vinte minha irmã chegou na praça.
Ela desceu do carro e caminhou até a Carol. Estava vestindo um conjunto de moletom rosa, era bem a cara dela.
— É um prazer conhecer você, Carol, realmente ela é linda, até eu me apaixonaria — disse olhando para mim.
— Você não tem jeito mesmo, sempre vai falando sem pensar primeiro — disse colocando a mão no rosto, envergonhado.
— E aí, Amie, faz um tempo que não te vejo — Marlon disse.
— E aí, Marlon, continua lindo. Quando fizer dezoito, pode me ligar também. Brincadeirinha…
Ela não tem jeito mesmo.
— Depois que eu comecei a faculdade, não tenho mais tempo para nada. Hoje tive que faltar a uma aula importante, mas é por um bom motivo.  Vamos, pessoal, quero ver o beijo da Carol com o Enzo hoje. — A Amie era uma figura.
Demos risadas e entramos no carro.  Eu e a Carol ficamos na parte de trás, enquanto o Marlon ficou na frente.
— Gostei da sua irmã, Enzo, o estilo dela é bem intrigante — Carol falou.
— Olhando para ela e para seu carro todo rosa não te faz lembrar de uma personagem de desenho bem famosa? — perguntei para Carol.
— Deixe-me pensar… Hum… sim! Ela me lembra a “Penélope Charmosa”. — Ela riu a lembrar.
No carro ficamos rindo a viagem inteira, eu contando sobre o passado da Amie e ela falando sobre o meu.
A primeira cidade ficava a quarenta quilômetros de distância, cerca de trinta minutos de carro. Nessa cidade morava o Marcos Shelton, que trabalhava em uma biblioteca.

Quando chegamos à cidade fomos direto até o encontro dele. Na biblioteca, perguntamos ao balconista se o Marcos estava no local, ele respondeu que sim, estava repondo livros na terceira prateleira. Fomos até lá e o avistamos. Ele era um cara alto e magro, cabelos pretos ondulados, seus olhos eram castanhos escuros e usava óculos.
— Olá, você é o Marcos? — perguntei.
— Sim, sou eu. O que desejam?
— Pode parecer estranho, mas eu queria saber se você por acaso não tem descendência de um xamã? — Fui direto ao ponto.
— Xamã? Como assim? — Suponho que não seja ele, pela expressão de surpresa que ficou.
Expliquei toda a história, mas infelizmente ele não era o descendente. Disse que estávamos loucos, porque é impossível algo do gênero existir, que isso só acontecia em livros de ficção. Era uma reação bem previsível, agradecemos pela atenção e seguimos para a próxima cidade que fica a quinze quilômetros de distância.
— Ele nem tinha cara de xamã mesmo — minha irmã comentou para aliviar o clima chato que ficou.
— Isso mesmo, vamos logo que ainda tem chão pela frente — falei.
No caminho para a próxima cidade começaram a surgir dúvidas em minha mente, se realmente iríamos encontrar a pessoa certa. Acabei mostrando minha preocupação demais e a Carol percebeu.
— Relaxa, Enzo, ainda faltam duas pessoas, estou confiante. — Carol tinha razão, estava perdendo minha fé já no começo.
Na outra cidade, morava a Julia Shelton que fazia faculdade de história. Teríamos mais problemas para encontrá-la em um campus enorme. Como era dia de aula, acabou nos ajudando um pouco, pois só precisávamos ir às salas de aula. No perfil da rede social dela, que conseguimos achar na nossa pesquisa, dizia que cursava o segundo ano. Isso facilitou muito a encontrá-la. Resolvemos nos separar, cada um ia ficar responsável pelas salas de história. O ponto de encontro nosso seria na entrada da faculdade. Infelizmente a sala que fiquei responsável não tinha nenhuma Julia Shelton, contei então com o pessoal.
Fui o primeiro a chegar na entrada, depois o Marlon, que também não a encontrou como a Carol que chegou logo após ele. Então foi a Amie que a encontrou, de longe a vi andando com aquela explosão de cor rosa. Pelo jeito que caminhava e sua expressão, me fez entender que ela também não era a descendente.
— E aí, como foi? — Carol perguntou.
— Eu a encontrei, mas sinto muito, ela não era também. Ela disse a mesma coisa que o Marcos. — A Amie ficou realmente triste.
As dúvidas que eram fracas ficaram mais fortes.
— Ainda tem mais um, pessoal, ele é o certo sem dúvidas, até trabalha em uma loja de artefatos, isso é bem coisa de indígena — Marlon disse.
— É verdade, faz todo sentido — Amie comentou.
Então seguimos para a próxima cidade que estava a dez quilômetros. Sem dúvidas é o Kevin, é ele, tem que ser ele.
No caminho o clima estava bem mais tenso, as dúvidas e incertezas me consumiam. O pessoal estava fazendo de tudo para nos ajudar, e acabaram ficando chateados.
— Pera, por que estamos tristes? Ele é o cara certo. Devíamos estar felizes. Vocês dois vão ficar juntos, eu sinto isso. — Minha irmã tentou não deixar a ficha cair, a última esperança estava nele.
Chegando à frente da loja de artefatos, que ficava ao lado da rodovia, todos demos um longo suspiro em frente à porta.
— Independente do que acontecer, saibam que estou muito feliz pelo que vocês estão fazendo por mim e pelo Enzo, e, Enzo, independe de tudo, eu te amo e sempre vou te amar — Carol falou me olhando nos olhos, senti um medo naquele olhar.
— Não fala isso, eu não falei que iria ver um beijo de vocês? Então… isso vai acontecer daqui a poucos minutos — Amie comentou.
Resolvi ficar em silêncio, não sei se conseguiria falar algo sem deixar que lágrimas caíssem.
— Vamos lá — disse Marlon abrindo a porta.
Um homem estava de costas limpando um artefato, não era muito alto, e seus cabelos negros eram bem lisos. Ele se virou e sua aparência era parecida com a de um indígena.
— É ele — comentou minha irmã.
Ao ver sua aparência, confesso que fiquei aliviado.
— Olá, tudo bem? No que eu poderia ajudar vocês? — disse o homem.
Fiquei sem saber o que responder.
— Nós só precisamos de uma informação, prazer, Marlon — disse esticando o braço se apresentando, quase que o obrigando a falar seu nome.
— Kevin, prazer! Qual informação vocês precisam?
— Na verdade, era uma informação sobre você — Marlon disse.
— Sobre mim? Como assim? — Ele ficou intrigado.
— Você tem descendência indígena?
— Sim. Na verdade, essa loja é do meu pai, que é indígena, mas por que essa pergunta?
— Sei que vai parecer sem sentido, mas por acaso você é descendente de algum xamã? — perguntei.
— Xamã? Bom, não que eu saiba, e minha família nunca comentou sobre algo assim. Eu ainda não consigo compreender suas perguntas…
Explicamos a história para ele, e perguntamos se ele não tinha ganhado nenhum um livro antigo ou algo do tipo.
— Não, nunca ganhei nada disso do meu pai, mas eu vou perguntar se ele sabe de alguma coisa relacionado a esse xamã. Aguardem só um momento. — Ele abriu uma porta que ficava por trás do balcão.
— Será que não é o pai dele que tem o livro? — Marlon perguntou.
— Não sei. Talvez nem ele, nem o pai saibam de nada — comentei já bem triste.
— Mas ele é indígena e tem o sobrenome do descendente do xamã, talvez só não deve saber sobre a maldição — Amie comentou.
— Se ele não sabe sobre a maldição, consequentemente não deve saber como quebrá-la — falei para a minha irmã.
— Calma, gente, vamos esperar o Kevin voltar, tudo é incerto ainda — comentou Carol.
No fundo, eu já sabia, só não queria acreditar.
Então o Kevin abriu a porta, e com ele seu pai.
Já era um senhor, talvez tivesse mais de cinquenta anos e tinha totalmente a aparência de um indígena.
— Pai, são essas pessoas que estão perguntando por um descendente de xamã, e aquela é a garota que carrega a maldição — disse apontando para a Carol.
— Meu nome é Jaci. Essa história de vocês é bastante curiosa e única, mas sinto muito dizer que na nossa família nunca houve comentários sobre isso. É uma pena, pois sei que antigamente realmente os xamãs eram pessoas poderosas e podem amaldiçoar, fazer curas, prever o futuro, entre outras coisas sobrenaturais. É triste que você, minha jovem, carregue uma maldição dessas.
— NÃO! Tem que ser vocês. Vocês estão mentindo para não nos ajudar. — Fiquei desesperado, o ódio tomou conta de mim.
— Calma, Enzo. Ele parece não estar mentindo, sei que é difícil, mas essa é a realidade — minha irmã falou me abraçando.
— Eu sinto muito mesmo por não poder ajudar vocês — comentou o senhor Jaci.
— Não, me solta. — Saí da loja totalmente, abalado.
— Onde você vai, Enzo? — Marlon perguntou.
Não respondi e segui, nem consegui olhar para a Carol. De repente parei de andar e comecei a chorar sem parar.
Pouco tempo depois, minha irmã chegou e me abraçou.
— Por que é tão frustrante não poder fazer nada? — falei com a cabeça baixa. 
— Você só está vendo o lado pior das coisas, pelo menos você ainda a têm, ainda pode ver todo dia o sorriso dela — disse me apertou fortemente.
— Mas do que adianta tudo isso, se não posso nem ao menos beijá-la? Do que adianta, se não posso abraçá-la e dizer que a amo? Do que adianta, se não posso dizer para todos que a pessoa mais incrível e linda do mundo é minha namorada? Me diz, Amie, do que adianta? — Estava sem saber o que fazer, acredito que nem conseguiria olhar mais para ela.
Pouco tempo depois, eu me acalmei mais e voltei até onde o pessoal estava. De cabeça baixa eu cheguei até eles.
— Enzo, olha para mim! — Carol falou.
Levantei minha cabeça e a olhei.
— Tá tudo bem. Tá tudo bem. — Seus olhos castanhos brilhavam, ela estava tentando ao máximo não perder para suas verdadeiras emoções.
Marlon veio até mim e só me abraçou em silêncio. Ele sabia que nenhuma palavra naquele momento aliviaria o meu sofrimento.
Na volta para casa, passei a viagem toda olhando para a paisagem através do vidro, eu sabia que se a olhasse não conseguiria me segurar e iria beijá-la, dizendo que não me importava mais com nada, mas isso a machucaria ainda mais. No fone de ouvido coloquei uma trilha sonora que combinava com a minha situação, R.E.M – Everybody Hurts.

Quando chegamos à nossa cidade já passavam das quatro horas da tarde.
Primeiro fomos deixar o Marlon em sua casa e depois a Carol, e em frente a casa dela, ela desceu e se despediu.
— Tchau, Amie. Tchau, Enzo. — Sua voz estava diferente do normal, dava para sentir o sentimento de tristeza.
— Tchau, Carol, tenta não pensar muito nisso, tá bom? — minha irmã falou.
— Tchau! — disse sem olhar para ela.
Ela fechou a porta do carro e seguiu, sinto minha irmã me dar uma cutucada forte.
— Olha para ela pelo menos, seu idiota! — disse brava.
— Só vamos para casa, por favor… — disse ainda olhando para a janela do carro.
Chegando em casa, Amie perguntou se eu queria que ela ficasse um pouco comigo. Respondi que não, precisava ficar sozinho, foi tudo tão intenso, é frustrante. Agradeci pela ajuda e fui direto para o meu quarto.
Na cama, fiquei pensando que nada seria mais como antes, e como existem pessoas ruins no mundo. O prazer próprio é mais importante que a felicidade das outras pessoas. Sabia que mesmo sendo só amigos, ainda ia ficar aquele “e, se” no ar. Pensando em tudo isso acabei dormindo.

Cabelos CacheadosOnde histórias criam vida. Descubra agora