3. O Sonho

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Por um instante, estava andando em uma rua estreita, longa e deserta. No final havia uma praça e uma enorme árvore, que abrigava um banco de concreto antigo embaixo de si. Por conta do outono as folhas caíam lentamente sobre o chão e nos cabelos de uma garota que estava sentada naquele banco. Ela parecia não se importar com isso. Sentei-me bem ao lado dela e timidamente a olhei. Estava de cabeça baixa e seus cabelos cacheados me impediam de ver seu rosto, notei que em tempo, em tempo caía uma lágrima em cima de um livro que ela segurava firmemente. Fiquei lá parado, sem reação, só observando-a, e naquele silêncio estarrecedor o vento frio era o único barulho que se ouvia. De repente ela começou a levantar sua cabeça… e quando ia conseguir ver seu rosto…
O despertador começou a tocar.
Acordei meio atordoado sem entender nada. Que sonho estranho.
Me levantei sonolento. Me arrumei e fui para o colégio.
No local de sempre encontrei o Marlon.
— Bom dia, vejo que não está atrasado hoje — disse ele com um sorriso.
— E você parece bem feliz. Ficou a Lory ontem por acaso?
— Fiquei, e tem mais, ela é uma ótima pessoa e curte uns sons parecidos como nós.
— Sei não. Ela parece não se importar muito com as pessoas.
— Eu também pareço assim, por isso nos demos bem, mas brincadeiras à parte ela é uma ótima pessoa. Vou apresentá-la e você vai notar o quão incrível ela é.
— E você, Enzo, parece mais feliz do que o normal, aconteceu algo?
— Nada de mais, só estou com a impressão que o dia vai ser ótimo.
Na escola ficamos conversando na sala enquanto a aula não começava.
Lory veio até nós:
— Bom dia, Marlon — disse ela.
Ele se levantou, deu um bom dia e a beijou. Que clichê, eles parecem aqueles casais perfeitos.
— Lory, esse é o meu melhor amigo, Enzo. Ele é meio tímido, mas é uma pessoa incrível e um bom amante de música. — Foi uma bela demonstração de como ele me conhece.
— Olá. Tudo bem? — falei com um sorrisinho tímido.
— Oi! Enzo. — Um “oi” seco, pareceu meio rude da parte dela, talvez não estivesse muito interessada em falar comigo.
Marlon me deu uma olhada, parecia estar pedindo desculpa pelo jeito dela. Tudo bem, já estou acostumado.
Sempre aceitei o fato de que nenhuma garota olharia e falaria como a Lory é com o Marlon. Não pelo fato de ser feio, até me acho bonito, o problema estava na forma como eu sou intimamente, muito tímido para ter um diálogo com uma garota que não seja relacionado a música. É um tema muito bom de se falar, mas a maioria das pessoas só quer mesmo o produto final e se esquecem de que a música vai muito além dos ouvidos. Com isso comecei a ser mais observador, e costumo dizer que as melhores coisas encontram-se nos mínimos detalhes.
— Bom, eu já vou, já está quase na hora de começar a aula — disse ela.
— Desculpa, cara, pode parecer que ela foi grosseira, mas é só o jeito dela — Marlon falou se desculpando após ela ter saído.
— Estou acostumado já, não se preocupa com isso.
O professor de matemática entrou na sala, e pediu silêncio para a turma:
— Pode entrar! — disse ele olhando para a porta.
Ela entrou na sala e todos ficaram olhando-a. Pareceu não ficar nervosa com isso.
Estava com uma camisa preta que tinha uma frase “The Queen Is Dead”, sua calça jeans estava rasgada no joelho e estava com um All Star Converse preto — devia ser “rockeira”.
— Essa é a nova aluna da escola. Se apresente…
Deu um sutil passo à frente.
— Meu nome é Carol Oliver, e espero me dar bem com vocês. — Ela foi bem curta e direta com sua voz delicada, ao contrário de sua roupa que era bem chamativa.
— Não tem mais nada a dizer? — perguntou o professor.
Ela balançou a cabeça dizendo que não.
— Ok então. Pode se sentar naquela carteira — apontou ele, para a carteira ao lado da minha.
Meu coração começou a ficar acelerado. Não fique nervoso… falei para mim mesmo.
Andando lentamente, veio na minha direção. Carregava a mochila em sua mão, e nela estava um chaveiro de um porquinho, que balançava de um lado para o outro. Tentei não olhar diretamente, mas acredito que ela notou.
Disfarcei olhando para o lado.
— Linda, né? — sussurrou Marlon.
Balanço a cabeça com um sorriso tímido dizendo que sim.
Ela colocou sua mochila em cima da carteira e sentou.
Fiquei olhando para frente igual uma estátua, na mente um milhão de pensamentos e perguntas sem respostas.
— Gostou do Algie? — sussurrou ela.
Algie era o nome do chaveiro do porquinho que estava na sua mochila. Esse porquinho está na capa do disco Animals da banda de rock Pink Floyd.
— Bela sacada do Roger Waters, não acha? — respondi bem baixinho.
Coloquei os braços cruzados na mesa, e deitei com a cabeça em cima deles. Quase me obrigando a olhá-la.
Criei coragem para encará-la.
Ela estava olhando para frente, e notei que tinha um furinho no seu queixo, isso era um detalhe que me atraía. 
Notando que eu estava olhando para ela, acabou fazendo a mesma coisa que eu.
Ela me olhou. Com aqueles olhos castanhos e sorriu, como se soubesse que eu estava nervoso, mas era impossível, já que nem sabia meu nome.
Um sorriso leve, só levantando os dois cantos dos seus lábios, formando duas covinhas em suas bochechas.
Como algo, dito como um defeito físico pode ser tão lindo e charmoso?
Seu sorriso foi fofo e marcante.
Durante o restante da aula não consegui me concentrar, pois, seu sorriso estava na minha mente a todo instante.
Tocou o sinal do intervalo…
— Vamos lanchar no local de sempre? — perguntou Marlon.
— Sim, vamos.
— Se importa da Lory ficar na mesa com a gente?
— Não me importo, só peço que não fiquem de amassos, ou algo do tipo, senão vou embora — comentei rindo.
— Ok! Vou me conter — disse juntando as mãos como uma promessa.

Cabelos CacheadosOnde histórias criam vida. Descubra agora