Na segunda-feira, na hora do almoço, estava sozinho com a Carol no pátio do colégio, deitados na grama.
Estávamos observando o céu.
— Qual será o gosto das nuvens? — ela perguntou.
Essa pergunta me fez pensar em algo que eu sempre imaginei sobre as nuvens.
— Eu acredito que elas têm o gosto de liberdade, elas passam essa sensação, porque elas aparecem quando querem, somem quando querem, não tem nada que as prendas. Sempre quando as vejo, elas dizem de alguma forma, que nós podemos fazer o que bem entendemos sem nos preocuparmos com a forma que os outros vão nos ver.
Ela me olhou, e depois voltou a observar o céu.
— Você pode ter razão. Eu nunca tinha pensado dessa maneira — disse esticando seu braço para cima, imaginando tocá-las.
Ficamos em silêncio após isso. Ela pareceu estar refletindo o que eu tinha acabado de falar, e eu fiquei só a observando.
Resolvi quebrar o silêncio, com uma curiosidade que eu sempre tive.
— Posso te fazer uma pergunta?
— Qual pergunta? — disse me olhando.
— Sempre quando te vejo, você está escrevendo em um diário. O que você escreve?
— Como é curioso, mas como estou de bom humor hoje vou te responder. Poesias e poemas, isso que eu tanto escrevo.
— Nossa. Estou surpreso. Está com seu diário na sua bolsa agora? Queria ver alguns que você escreveu.
— Sim. Estou com ele, mas vou te mostrar só um. Tenho vergonha, sabe?
— Sou todos ouvidos.
Ela pegou o diário e abriu quase na metade.
— Esse aqui, eu fiz depois que chorei igual uma boba na sua frente — disse rindo.
Na vida
Só jogamos o jogo,
Não fazemos as regras.
— Faz todo sentido. Gostei. Fala outro, por favor?
— Tá bom, tá bom…
A vida é como um trem de emoções.
No qual estamos frequentemente vagando.
Sempre à procura da nossa estação.
Perdido em várias estradas de palavras.
Onde, momentos felizes são bem raros.
E, turbulências sempre em nossas janelas.
Talvez buscando algo…
Um alguém?
Um sentimento?
Uma palavra?
Mas, na estrada da vida…
Cada pessoa sabe o preço da sua felicidade,
Quem somos nós para julgar ou criticar?
Pois, os maiores absurdos,
Encontramos nas coisas mais simples.
Só nos resta observar e entender
Que muitos querem florescer.
Enquanto, outros simplesmente,
Rezam para o inverno não ter fim.
— Nossa, que lindo, Carol. Você tem talento, sabia?!
— Obrigada. Eu encaro como um passatempo. Você falando que tenho talento me fez lembrar da minha avó, ela dizia a mesma coisa.
— Do jeito que falou, ela era uma pessoa incrível.
— Ela era a melhor avó do mundo.
— Sem dúvidas era. Você falou que ela deixou essa casa com herança para sua mãe. Ela morava aqui?
— Sim. Meus avós cresceram nessa cidade. Porém, ela falava que teve alguns problemas e tiveram que se mudar para a cidade onde eu nasci. Eles nunca falaram qual foi esse problema. Meus avós discutiam muito, parecia que não tinha amor, e isso foi a perdição deles.
— Perdição? Como assim?
— Eu ainda não falei como eles morreram. Isso faz mais de um ano. A perícia suspeita que enquanto meu avô estava dirigindo eles começaram uma discussão, com isso ele acabou entrando na contramão, e para não bater no veículo que vinha na sua direção. Ele puxou muito forte o volante e acabou capotando o carro. Levando consigo a vida deles. Foi muito impactante para nossa família. Isso abalou muito minha mãe, que também não tinha um bom relacionamento com o meu pai, e assim ela resolveu se separar dele.
— Que triste, eu sinto muito — falei.
— A vida não é fácil mesmo, como o seu pai disse. Agora me conta dos seus avós… eles moram aqui?
— Não. Eles moram em outra cidade, não muito longe daqui. Nessas últimas férias de verão, passei uma semana na casa dos meus avós paternos.
— E seus avós por parte de mãe? — me perguntou.
— Eles são bem legais também, mas há uma intriga deles com o meu pai.
— Por quê?
— Quando meu pai resolveu se mudar da cidade por conta do serviço dele, ele não teve apoio dos meus avós. Porque ia levar a filha única, e seus netos. Família é uma coisa complicada. Lembro que você falou que era legal a profissão do meu pai, mas nem tudo são rosas, tudo tem dois lados. Realmente é legal, mas traz consigo grandes responsabilidades. Tempos atrás estávamos com problemas familiares por causa da ausência dele, mas agora está tudo bem.
— Nossa, eu não sabia que ser um produtor é tão complicado.
— Pois é, mas são águas passadas, e seus avós paternos, como eles são? — perguntei para ela.
— Incríveis, não tenho nem palavras para descrevê-los. Sabe… eles ficaram bastante tristes quando minha mãe resolveu mudar de cidade. Não só eles, mas minhas tias também. Meu pai tem duas lindas irmãs. Acho que você já deve ter se perguntado como eu tenho cabelos cacheados, sendo que tenho aparência indígena e minha mãe tem cabelos lisos. Saiba que puxei para a família do meu pai, entre eles só meu avô não tem cabelos cacheados. Eu gosto muito dos meus cabelos, me fazem lembrar do meu pai.
— Eu também gosto dos seus cabelos — comentei.
— Eu sei. Sempre noto você observando-os — falou rindo.
— Você tem descendência indígena?
— Minha mãe fala que sim, diz que minhas ancestrais eram indígenas e sempre foram só mulheres, mas nunca me contou a fundo sobre isso.
— Estranho. Eu sei que não deveria perguntar, mas...
— Mas? — perguntou curiosa.
— Era sobre o porquê você não ficou com seu pai. Sendo que fala sempre que ama muito ele.
— Não vejo problema em responder. É que mesmo eu o amando muito, não poderia abandonar minha mãe. Você já deve ter notado que ela tem uma aparência triste, um olhar distante. Ela sofreu muito com tudo o que aconteceu. Quando meus avós eram vivos, poucas foram as vezes que a vi sorrindo, e agora nem sorri mais. Acho que fiz a escolha certa ao escolher ficar com ela.
— Você fez, sem dúvidas você fez a escolha certa.
Marlon e Lory, chegaram e falaram:
— Desculpa estar atrapalhando os dois, mas as aulas estão prestes a começar.
A conversa estava tão interessante que o intervalo passou muito rápido.
Na quarta-feira, estava apreensivo. O dia demorou a passar. No final das aulas, a Carol me convidou para escutarmos músicas.
Com a maior tristeza do mundo tive que recusar. Falei que tinha marcado de encontrar o meu pai. De certa forma não menti para ela.
Cheguei ao estúdio por volta das quatro e meia. O pessoal já estava me esperando. Confesso que foi tudo intenso e uma experiência única. Gostei muito.
Quando saímos do estúdio já era noite. Segui para casa, enquanto meu pai ficou fazendo os últimos ajustes. Agora era só esperar até sábado para pegar o disco pronto.
Na quinta-feira, após ter saído da escola, fui até uma floricultura comprar os girassóis.
O plano era comprar na sexta-feira, mas estava apreensivo e resolvi comprá-las logo.
A moça que me atendeu na loja me perguntou:
— Gostaria de levar um cartão também?
— Não sei… Nem sei o que escrever.
— Por que não escreve “Um girassol precisa do sol para viver, eu sou um girassol e o meu sol é você”?
— Gostei, vou levar, mas antes eu gostaria de levar um buquê de margaridas para minha mãe.
Na sexta-feira, durante o intervalo a Carol me perguntou:
— Já comprou o presente?
— Já sim! Você vai gostar. Está curiosa?
— Digamos que um pouco. Pode me falar uma prévia do que seria?
— Não! É uma surpresa total.
— Seu malvado.
— Amanhã, onde eu posso te entregar o presente?
— Leva em casa pela parte da tarde. Pela manhã minha mãe disse que vai me entregar algo de presente também. De uma hora para outra, as pessoas resolveram me dar presentes.
— Isso quer dizer que você é especial, mas está combinado sábado na sua casa, certo?
— Sim, estou ansiosa por isso.
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Cabelos Cacheados
DiversosEnzo é um jovem apaixonado por músicas, e leva uma vida comum de um estudante do ensino médio, mas sua vida comum mudou completamente após conhecer Carol, uma linda jovem, com charmosos "Cabelos Cacheados".