Sobrevivemos
Só tive tempo de proteger a cabeça com os braços. O estrondo foi ensurdecedor. Estilhaços de vidro caíram por todos os cantos. Parecia uma chuva cortante. Litros de água escorreram como um tsunami. As águas-vivas praticamente cobriram o chão.
Umas dez delas grudaram em meu braço e me sacudi nervosa para ficar livre daquele toque pegajoso.
As pessoas correram, se empurraram, gritaram. Foi horrível. O caos estava instalado.Antes que eu pudesse assimilar o pânico, o homem misterioso me pegou no colo e nos tirou dali com dificuldade por ter que desviar da multidão assustada.
Saímos do sufoco mas eu ainda ouvia os gritos ao longe, os funcionários do aquário pediam calma aos turistas. Eles corriam, choravam, berravam. Foi quando notei as queimaduras e os cortes. Mulheres, homens, crianças. Todos cheios de marcas vermelhas pela pele. Sangue escorrendo pelos rostos, pescoços...
Meu estômago deu um salto desagradável.
Estiquei o próprio braço a frente e não entendi como saí intacta.
O homem misterioso apertou o passo e me colocou no chão quando chegamos na varanda. Ele manteve os braços em mim, as mãos quentes repousadas em minha cintura. Como sempre, seu toque e seu perfume ameaçavam expulsar meu raciocínio para longe.
Respirei fundo ao sentir a brisa gelada do oceano na pele. Havia uma paz errada ali ao lado de fora. Contrastava brutalmente com o caos. As imagens de queimaduras invadiram outra vez meus pensamentos. Estremeci.
Quando notei que era capaz de falar novamente, perguntei a ele:
- Por que não estou queimada, nem cortada? Foi você não foi?
Ele ergueu o rosto coberto pelo capuz e alisou minha pele com a ponta dos dedos, como se procurasse por feridas. Parecia tenso.
Ali, a luz do dia, tive esperança de conseguir ver mais de suas feições. Só constatei o mesmo de antes. A boca convidativa. A pele branca e sedosa. Os cabelos negros.
Notando que era observado, ele cobriu os olhos rapidamente por óculos escuros, e apoiou os cotovelos na bancada dando as costas para mim. Bufei por ter sido completamente ignorada.- Quem era a mulher que explodiu o aquário? E o homem que me empurrou da árvore solitária? Responda, eu sei que aquilo foi real. Não tente me convencer de que estou mesclando sonho e realidade!
Pude ver as costas dele subirem e descerem com a respiração pesada. Mas ele continuou em silêncio. Apenas as ondas quebrando emitiam algum som.
E eu ficava cada vez mais irritada. Até quando ele iria aparecer sem convite e sumiria sem deixar explicações?- Pelo visto, não vai me responder, não é?
Girei sob os calcanhares, não ficaria ali insistindo por respostas que obviamente não teria. E meus pais deviam estar absurdamente preocupados.Dei um passo para ir embora e ele segurou meu pulso. A familiar sensação morna se concentrou onde ele tocou:
- Fique longe de mim. Esqueça que me viu.
Sem nenhum motivo plausível, as palavras dele me magoaram.
É isso. Estou louca. Fico cobrando respostas de um estranho invisível que me salva do perigo.
Sacudi a cabeça e sai apressada. Antes de abrir a porta de vidro, arrisquei espiar por sobre os ombros. Ele havia desaparecido.
Procurei meus pais e Raquel por todos os lados no meio da confusão. O caos estava ainda pior, quando resolvi sair do aquário para tentar encontrá-los na entrada.
Sirenes de ambulância, uma emissora local de televisão, dezenas de pessoas enroladas em cobertores. Gritos, lágrimas, sangue. Era demais. Eu precisava sair dali antes que sufocasse. Só naquele minuto me dei conta: minhas roupas continuavam perfeitamente secas, o que seria fisicamente impossível.
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A Sombra (Completo)
FantasíaNESSA VIAGEM PELA COSTA DA CALIFÓRNIA, CADA CURVA REVELARÁ UM SEGREDO. Um encontro inesperado, um desaparecimento e uma maldição. Assim iniciou-se essa história. Liza pensou que fosse apenas uma viagem para comemorar seu aniversário. Ela estava ter...