- Capítulo 9

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Sabina Hidalgo                            
15 de outubro

Duas semanas haviam se passado e tudo se manteve - quase - igual.

Depois de fazer aqueles exames esperei dois dias para receber o resultado dos mesmos e, consequentemente, para saber quais os tratamentos que posso começar a receber. E assim fizemos. Fui até ao consultório da Dra. Forbes e ela me mostrou a localização do tumor e me disse que eu estava no estado IIIA. No estado IIIA as células podem ter-se difundido para os gânglios linfáticos do hilo ou mediastino, que é o meu caso. Com isso a doutora se reuniu com outros especialistas e todos chegaram, em concordância, eu começar por fazer quimioterapia neoadjuvante e logo que comecem a ver melhorias no tamanho do tumor, operar para retirar o mesmo. Dado isso, comecei o mais rápido que pude a quimioterapia, e sempre que de lá saio parece que me passaram com um camião em cima.

Durante estas semanas eu mantenho contato com Noah, mas apenas por mensagem. Nunca mais nos encontramos e, sinceramente, eu acho melhor assim. Por mais que goste dele e da amizade dele não quero que ele veja o meu estado agora que tenho quimioterapia. Não podia estar pior. Estou mais magra, minha cara mais pálida e com manchas que eu já nem considero olheiras, e estou fraca, muito fraca.

Mas bem, tirando essas duas coisas, tudo se mantém igual. O cuidado da minha mãe comigo; o apoio de Joalin; continuo a dar aulas aos meus pequeninos...Como disse, tudo igual.

Mudei meu horário de aulas para de manhã em vez de a meio da tarde. Sendo assim, tenho tempo para dar aulas e, nos dias marcados, ir ao hospital ter minha dose de quimioterapia, e entre essas duas coisas ter tempo para descansar um pouco. Esses são os piores dias. Mesmo assim, ainda não desisti do meu emprego, e não o irei fazer tão cedo, nem que me obriguem.

E bem, hoje é um desses dias.

Minha rotina nestes dias é simples. Eu acordo, faço o que tenho a fazer no banheiro e tomo meus medicamentos, desço para tomar meu café da manhã e assim que tudo pronto vou para o Studio onde trabalho. Dou as minhas aulas, tomo banho nos balneários de lá, volto para casa e almoço e no fim de almoçar, e tomar meus medicamentos novamente, descanso até perto da hora que tenho de ir para o hospital.

No meio dessa rotina existe sempre um espaço para encaixar minhas conversas com Noah e Joalin. E por falar nela, desde aquele dia ela vem sempre nas minhas sessões de quimioterapia. Já lhe pedi várias vezes para o deixar de fazer, basicamente, todas as sessões eu peço lhe isso. Ela sabe que não é por falta de confiança nem à vontade e sim, pelo mesmo motivo de não querer me encontrar com Noah; meu aspeto.

Porém, a mesma disse que não importa o quão horrível e fraca eu saia de lá, ela sempre estará lá comigo para me apoiar e ajudar. E eu sou lhe muito grata por isso.

Até agora não fiz mais nada que escrevi naquela lista. De todas as enumeras coisas que tenho lá escritas apenas a que diz "dar aulas de dança" está com um risco em cima.

Eu de certa forma ando a evitar aquela lista desde que a escrevi e nem sei o real motivo porque eu realmente quero fazer tudo - ou quase tudo - que lá escrevi e então eu resolvi que vou fazer. Não vou fazer pela a ordem que escrevi, apenas, atirar à sorte. Porque é nisso que eu me baseio agora; a sorte. A fé. Apenas isso resume minha forma de viver desde à 3 semanas para cá.

" Número 11: Escrever uma carta e jogá-la no mar, dentro de uma garrafa. "

De certa forma é errado fazer isso porque estarei apenas a poluir mais o oceano, mas nada disso me interessa agora. E de certa forma também é muito simples ou até mesmo tedioso fazer isso, mas eu sempre achei interessante fazer isso.

Me lembro de quando era mais nova ver um filme em que fazem isso e do quanto fiquei fascinada com essa ideia. Não me lembro da história do filme, nem das personagens e nem sequer do nome, apenas me lembro desse momento.

Então vamos lá.

" Normalmente as pessoas escrevem uma carta quando têm saudades de alguém que está longe, ou quando estão tão apaixonados que não sabem como expressar os seus sentimentos nem como agir perante esses sentimentos. Existem vários outros motivos para escrever esta carta, mas como sempre e para não variar, eu vou ser diferente. Eu gosto de ser diferente.

Hoje estou a escrever esta carta sobre a morte.

A morte é sempre o que todos dizem ser o seu maior medo. Eu, honestamente, não acho que estejam certos. Para mim, nós não temos medo da morte e sim das consequências que ela deixa para os outros após nos levar. Temos medo da forma como as pessoas vão reagir; se vão chorar, se vão rir ou se vão nem ligar. E acima de tudo, a que pessoas irão corresponder cada uma dessas reações.

A morte irá chegar a todos e isso é uma coisa que ninguém pode impedir. Nem os mais ignorantes e nem os gênios. Todos irão morrer no seu momento. Infelizmente a morte vem buscar uns mais cedo que outros, mas no final, vem nos buscar a todos.

Eu também já tive medo da morte até que percebi o quão próxima de mim ela estava.

Cancro do pulmão. Quem diria certo? Sempre fui saudável e ativa. Nunca tive doenças mais graves que uma pequena gripe em pleno inverno, e mesmo isso, foram poucas as vezes que tive. E então, tão inesperado como podia ser e tão imprevisível, recebo a notícia que sou uma das novas vítimas do cancro, seja em que lugar ele esteja localizado.

No momento e nos primeiro 2 dias eu fiquei com medo. Pior, eu fiquei aterrorizada.

Esta doença virou minha vida de cabeça para baixo e eu pensei que o melhor seria desistir. Mas não, isso não é o melhor. Isso seria o mais fácil e eu estaria esta doença vencer mais uma pessoa. Isso não vai acontecer!

Pelos vistos, a morte adora pessoas doentes, e sempre que consegue leva alguém das nossas vidas. Todos os dias ela leva mais de mil pessoas com ela. Todos os dias ela nos tira alguém que nos era querido e nos faz sofrer. Mas porquê?

Para quê sofrer tanto se isso é uma parte da vida?

Por muito que não queiramos aceitar essa é a verdade.

É verdade, machuca demais. Mas a vida segue. E a pessoa que a morte nos tirou irá permanecer sempre em nossos corações e, mesmo que não os consigamos ver, sentir e tocar, sempre estará do nosso lado nos observando a errar e a aprender; a conquistar e a desistir; a cair e a levantar. A viver.

Não podemos deixar que a querida - que ninguém gosta nem um pouco - morte nos tire a vida mesmo antes de nos buscar. Antes de ela chegar nós temos de viver. Temos que ter a oportunidade de errar, aprender com os erros, a conquistar nossos sonhos, a nos apaixonar, a chorar, a criarmos uma família...E infelizmente quando s pessoas percebem isso já é tarde demais, como aconteceu comigo.

Bem, não conseguirei criar uma família como sempre sonhei, mas ainda posso realizar outros sonhos que antes os vi como desnecessários.

Eu tenho esse direito. Todos nós temos.

Então, para você morte, desta vez você não vai conseguir convencer uma pessoa a desistir de viver antes de você decidir aparecer. Eu vou ser essa pessoa. E muitas mais pessoas porque eu realmente espero mostrar isso para outras pessoas à volta de todo o mundo.

Eu vou viver!

" Os covardes morrem várias vezes antes da sua morte, mas o homem corajoso experimenta a morte apenas uma vez. " - William Shakespeare, vulgo minha maior obsessão desde os 16 anos.

Com amor - e ódio ainda maior -

Sabina.


P.S.: Costumo desenhar sempre um coração quando assino o meu nome, mas você, minha não tão querida morte, não merece."


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