Dias de morango - Parte dois

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Setembro

Eu estava perdendo a noção sobre Yolanda ser real ou não. E passava meus momentos com ela a transitar por essa fantasia. Havia a Yolanda deusa, Yolanda feiticeira, Yolanda serpente, Yolanda vento, Yolanda flor. Mas e o cerne da sua essência, onde ficava?

Eu não sabia ainda, mas só quando nos fundimos ao outro descobrimos quem ele é. E embora meu coração, minha alma e o meu corpo, vibrassem em busca dessa fundição, eu não sabia ao certo o que fazer. Diferente de Jônatas, minha alma não havia ainda se ligado com a de Yolanda.

O sexo é uma das formas das almas se ligarem, eu descobri lendo a Bíblia. E quando Deus disse que o homem e a mulher seriam um só, era isso o que Ele quis dizer. Em relação a carne, porque literalmente o homem e a mulher se tornam um só, mas isso também é tão espiritual que me arrisco a dizer que seja a coisa mais espiritual do mundo. Quando sua alma une-se a de alguém e vocês se tornam um só. É por isso que a religião dá tanta importância ao sexo. E é por isso que, depois de muito pensar nisso, percebi que o sexo é o casamento segundo a Bíblia. O homem deixará seus pais e se unirá a uma mulher, e serão um só. Quando você se torna um só com alguém, espiritualmente sua alma se ligou a dele, e são um só. Claro que o casamento envolve mais coisas, um compromisso absorto, mas o sexo é a sua confirmação, é a sua consumação. 

Não que isso ocorra na prática. Pensei nas novelas e o sexo casual. O sexo parecia divulgado para ser algo prazeroso, uma satisfação primária, que não se consume nunca. Mas eu imaginava que era impossível não existir um vazio, mesmo que breve, se o sexo acabasse na carne e não atingisse o seu cerne espiritual. O seu maior objetivo: o alívio de uma alma que encontra a outra.

E enquanto conjectura sobre essas coisas pensava em Yolanda.

E imaginava ela sem blusa, e que não tremeria tanto quanto eu, porque era tão mais forte. Comecei a questionar se ela já tinha feito isso antes. Do jeito que pareceu se concentrar na sua foto e não propriamente em mim. Eu queria que ela tivesse reparado em mim?

Por esses dias eu comecei a me despir em frente ao espelho e reparar em mim, algo que eu nunca tinha me permitido fazer. É muito confuso explicar o que eu sentia. Um dia escrevi no meu caderno onde juntava as poesias, o meu caderno do "auto descobrimento": 

Eu sou o olho de um redemoinho. Por dentro tudo gira pelo avesso. Sou destruidora por dentro, mas por fora me protejo. Um dia vou rasgar-me inteira. E deixar apenas um traço impetuoso no meu rastro, e tudo será passado. Passado, passado. E eu quero um futuro que faça o barulho de um vento fraco, com cheiro de agrião e morango. E lamber a pele da minha vida, e criar o sexo de todas essas formas possíveis... Por um toque ou tão somente por observa-lhe a existência. Não sei quem eu sou. Digo para Deus que também não sei se perecerei nas chamas de um inferno de desesperados... Mas se a minha consolação estiver lá... É para lá que irei. 

Quando você descobre o prazer, o prazer se agarra a todos os teus cantos. E por questionar o prazer aciduamente, um milhão de coisas foram se desmanchando dentro de mim. Tudo parecia-me tão natural agora. E por que não seriam naturais se estavam lá? Se, de fato, existiam em todos. Devia ser em todos. Caso contrário, eu estava enlouquecendo. Já não chorava envergonhada para Deus, pelo contrário, sentia vontade de dizer-lhe tudo. E de agradecer demasiadamente pelas descobertas que Ele me proporcionava. Eu olhava as pessoas ao meu redor, mas onde elas estão? Elas pareciam tão absordas em um realidade tão bem elaborada, enquanto somente eu sentia a luz do sol queimar a pele. E eu ainda não podia saculeja-las. Não podia simplesmente gritar um grito colossal que quebrasse as correntes... 

Faltavam dois meses para o vestibular, eu estudava de madrugada, de tarde ia para escola,de noite pensava em Yolanda. E nos domingos eu poderia desfrutar da sua companhia. Mas naquele mês ela viajou, sem despedidas. Eu não sabia para onde ela tinha ido, ou se voltaria. Descobri a sua viagem por meio das meninas no colégio. Me senti um tanto escanteada, é verdade. Porém, minhas perturbações existenciais ocuparam o mês inteiro, de forma que mal o senti passar... 

Não coma esses morangosOnde histórias criam vida. Descubra agora