Como Yolanda realmente me conheceu

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Talvez o título dessa parte não seja adequado porque eu mesma não me conhecia. Poderia facilmente ser "Como eu mesma me conheci". Mas foi isso o que tentei fazer no capítulo anterior. É importante que entenda que toda a coragem que aparentemente criei sempre estivera em mim, nos meus questionamentos, na minha falta de vontade por coisas que só depois eu entenderia como triviais. Não fora só o beijo que eu permiti que me despertou, mas todo o conjunto de adjetivos que constituíam Yolanda, ela foi uma alavanca para ativar meu verdadeiro espírito.

Quando bati na porta estava descabelada, suada e imagino que muito vermelha. A senhoria que abriu era a dona Romena, cozinheira no lar dos eternos e uma das mais antigas membras da igreja onde meu pai era agora pastor. Ela sorriu e falou meu nome com surpresa. Eu sorri e finalmente me toquei do que tinha feito... Então não soube o que dizer.

- Linda?

A Yolanda tinha escutado dona Romena e viera até a porta. Ela me convidou a entrar e me levou até a varanda, que ficava logo depois da sala onde estive da outra vez. Nós sentamos nas enormes cadeiras artesanais, enquanto dona Romena me interrogava sobre meus pais e como eu ia de saúde. Aparentemente todos já sabiam que estive de cama. Yolanda manteu-se calada enquanto eu respondia, e mesmo depois que dona Romena saiu e eu fiquei contemplando o jardim.

Ela esperou que meus olhos percorressem toda aquela plantação maravilhosa... De morangos... E quando eu parecia menos surpresa e relaxei me encostando no encosto da cadeira, ela disse:

- Acho que sei porque veio até aqui... Me desculpe por favor Linda. Eu estive tomando uns remédios que me deixam um pouco consternada. Sem muito controle sobre o que faço. Não pretendia... Você sabe.

- Você está melhor?

Eu perguntei isso depois de observa-la lentamente, embora parecesse rápido, acho que você me entende. Estava com uma saia e uma dessas camisas largas que ela adorava usar. A roupa toda branca fazia a brancura do seu corpo ser quase transparente. E você não podia imaginar o quanto o seu cabelo e as sardinhas das suas bochechas contrastavam com sua roupa. Estava sentada elegantemente, com as duas mãos sobre o joelho nas pernas dobradas. E manteve os olhos esverdeados no chão enquanto falava comigo. Era como uma mulher que, embora muito madura, estivesse envergonhada.

- Eu estou melhorando.

De onde vem sua tristeza? Quis perguntar. Mas agora que eu sabia que o beijo fora movido a remédios, e percebia sua vergonha, quis mudar de assunto. E falei sem saber bem o porquê:

- Ficamos sempre felizes de vê-la na igreja... Quero dizer... Eu e os meus pais.

Não sei se foi surpresa que vi quando levantou seus olhos pra mim rapidamente. Mas, acho que acertei ao mudar de assunto, pois ela logo relaxou e se encostou na sua cadeira também. Não falou nada por uns segundos. Percebi que éramos ambas mestres em sentir-se bem no silêncio.

- Eu criei o costume de ir à igreja com uma amiga de São Paulo. Ela sempre ia, e sempre me levava com ela. Mas admito que não sou muito adepta as tradições e costumes cristãos. Apesar de admirar de todo coração as pessoas que seguem tudo isso ardentemente... Como seus pais... - Ela me olhou sorrindo, parecia divertir-se - E como você.

- Não sei o quão ardentemente assim... - Ela estava me olhando fixamente. Eu sorri e me senti sua amiga, pela primeira vez. Isso me fez querer sugerir outro assunto. - Minhas amigas gostam muito de você sabia?

Ela riu.

- Também gosto muito delas! São meninas inteligentes. Ouvi dizer, aliás, que algumas das minhas aulas de arte não agradaram seu pai.

- Não soube de nada disso. Andei distraída esses dias.

- Eu soube. - ela relutou um pouco - Espero que eu não tenha nada a ver. - Como não quisesse tocar no assunto, continuou: - Nem tão ardentemente assim? Não sei se estou pronta para entender seu espírito.

Não coma esses morangosOnde histórias criam vida. Descubra agora