Como conheci Yolanda

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A maioria dos jovens que, como eu, cresceram em um lar cristão, sabem que enxergamos o mundo de uma forma agravadamente sensibilizada. Não quero dizer com isso que outros jovens que não tenham crescido em um lar cristão não tenham uma visão sensível de mundo. Mas, para nós, existe uma divisão muito clara que nos é fixada a partir de nossa infância. Lidamos com a existência do bem e do mal sob uma força muito maior do que a nossa.

Quero que entenda o que digo: a primeira coisa que aprendi quando comecei a ler foi a história da criação do mundo. E sobre como a mulher foi enganada por uma serpente, e por conseguinte o homem também, e sobre como todos nós entramos em uma luta entre o bem e o mal por causa disso.

Nos contos de fadas, e também na Biblia, aprendemos que o bem sempre vence. Mas a grande confusão que se instalou na minha vida a uma certa distância da minha infância, foi saber diferenciar o bem e o mal. E entender qual o limite de um e do outro. Porque depois de uma certa idade, você sabe, tudo parece muito banal. O bem e o mal caem em tal sincretismo, que parecem fazer parte de uma mesma coisa; algo muito maior do que nós, que mediocrimente lutamos contra um e em favor do outro.

Quando estas confusões me acometeram, por coincidência (ou não) conheci Yolanda.

Ela estava vestida de azul nesse dia. O seu vestido parecia mesmo uma continuidade do céu naquele verão. E como eu estava sem óculos e sofro com a claridade, juro que o contraste do azul com o vermelho intenso do seu cabelo, colocou fogo nos meus olhos. E eu não soube na hora que aquele fogo corromperia minha alma. Mas agora que sei, desculpe, estou grata a Deus por tê-la conhecido.

Yolanda amarrava uns cordões nos postes da praça em frente a escola. Eu e minhas amigas ficamos olhando a garota estranha e nos perguntando se era a nova moradora da casa no alto da última rua. Nós moramos em uma cidade pequena, muito longe da cidade, e aqui todos se conhecem. Apesar de ser uma cidade quase esquecida pelo resto do mundo, os franceses nos encontraram. E temos uma colônia chamada "lar dos eternos" onde uma francesa se instalou há muito tempo e abriu uma creche, para ajudar a alfabetizar as crianças da vila. Agora ela já está muito velha. E de tempos em tempos arremessos de franceses chegam para voluntariamente ajudar na colônia. Que muito se expandiu, e hoje não é só uma chácara, mas os franceses construíram casas em torno, na ultima rua. Quando eles não estão aqui, as vezes alugam as casas para pessoas que vem fugidas do estresse urbano.

Foi o caso da Yolanda, ficamos sabendo depois que uma das meninas decidiu ir até lá conhecer a estranha. A Yolanda estava pendurando os cordões porque preparava uma "exposição de morangos". Sibele, que era a minha amiga que tinha ido até lá falar com ela, disse que a moça ruiva sorriu gentilmente ao dizer isso. E falou que nós poderíamos ver quando saissemos da escola.

O resto da tarde só se falava sobre isso na escola, você pode adivinhar. Uns diziam que ela vinha da Holanda. O que eu achei engraçado, devido seu nome ser Yolanda e soar bem com o nome do país. Mas outros diziam que ela era neta da velhinha que fundou o Lar dos eternos e que, portanto, tudo aquilo seria dela. Os rapazes comentavam sua beleza, "será que haveria um esposo?", Sibele não parava de dizer que Yolanda foi super gentil e simpática com ela, e que tinha um cheiro doce que ela nunca sentira igual.

Quando saímos as 17:40 fomos todos do último ano conhecer a exposição de morango. Que nada mais era do que gravuras de maravilhosos morangos, pintados em aquarela. Todos acharam bonitos os desenhos e sorriram com a possibilidade de viver dessa arte tão sutil. Mas tenho que dizer-lhe: aquilo me absorveu. Enquanto todos estavam muito mais interessados em saber sobre a nova moradora da vila, eu olhava minuciosamente cada gravura pendurada nos cordões. Ela os retratou das mais diversas formas, cores, e proporções. E apesar de em geral estarem em mesas, paisagens de campo, ou em bandejas na varanda, pareciam seres animados. Os morangos pareciam vivos e sorrindo para mim. Achei fantástico que fosse dedicado tempo para pintar com aquarela morangos no papel cartão.

Todas as minhas amigas fizeram uma roda em torno de Yolanda e lhes perguntaram as mais diversas coisas. Era mesmo neta da Sra. Collet, a dona da colônia, seus pais moravam na Holanda, onde ela nascera, mas veio muito jovem estudar artes no Brasil. E agora viera morar um tempo na colônia com sua avó. A quem muito pouco devia ter visto durante sua vida, subentendeu-se. Tinha 22 anos. E diante das tantas perguntas animadas, a ouvir dizer: "Se querem saber meu signo também, sou leonina." E sorriu graciosamente, estirando as sardinhas vermelhas da sua bochecha quase até a orelha. Sibele estava certa. Ela tinha um cheiro doce (que eu identifique ser quase de agrião misturado com alguma outra coisa), que eu nunca sentira igual.

E foi assim que eu conheci Yolanda.

Não coma esses morangosOnde histórias criam vida. Descubra agora