Violeta

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"Violeta começava o dia sempre com uma xícara de café forte. Antes mesmo de abrir os olhos. E aquilo dava-lhe uma energia que nem lhe digo. Ela chegava na escola pronta a brigar com qualquer um que se lhe atrevesse. E uma vez foi comigo, apenas porque sentei na sua cadeira. Eu tentei questionar mais sabia o que me aconteceria, e sai da cadeira seguida pelo olhar consternado dos meus amigos. Como tudo o que me provoca, aquilo me instigou. A fúria da menina pálida me tomou. Noite e dia. Manhã após manhã. O meu coração acelerava como um cavalo louco sempre quando ela entrava com aquele mau humor na sala. E o desprezo de todos era observado pela minha púdica idolatria. Até que certa vez eu a encontrei em uma livraria. Estava lendo Os sofrimentos do Jovem Werther e deixava que as lágrimas pingassem nas páginas amareladas do livro. Há uma distância segura eu sentei e a observei chorar, olhando para um século dezenove e seus romances drásticos. Ela me viu e enxugou as lágrimas apressadamente. 

Os dias que estivemos juntas desde então foram apressados, de uma pressa que acontece somente quando as almas sabem que não poderão perpetuarsse. Só agora percebo. Que cada pôr-de-sol ao lado dela eram para mim quando uma grande injustiça. Porque tudo o que eu anseava era que a noite se apressasse e me devolvesse mais um dia com ela. 

Ela me ensinou quem eu sou. 

E eu finalmente entendi minha vida enquanto me sentava no quadril da bicicleta rosa dela, e íamos ver o nosso pequeno mundo ao redor. E ríamos, cortando pontes, livrando pessoas, achando locais escondidos para nos amar. 

 Juro que o cabelo negro dela cintilava um violeta escuro quando a luz do sol lhe batia. Aquela era a pessoa mais linda que eu já tinha sonhado em ver. Mas com ela veio-me o caos. Tudo que eu tinha por certo me embaraçava a alma agora. Pensava noite e dia: eu vou para o inferno. E em casa, enquanto nós oravamos rotineiramente, eu chorava e chorava. E os meus pais não entendiam. Então eu me esforçava o máximo para não estar em casa, para sair e ficar no meu refúgio. Com Violeta não existiam estes traços que contornam a vida. Sem cores, sem regras, sem pecado, sem coisas a considerar. E eu sentia que minha alma estava segura naquela simplicidade. Porque eu simplesmente não precisava pensar. Eu não entrava em uma crise existencial: eu existia. E pensar no porquê eu existia, e em tudo o que pessoas suportaram para que eu existisse, isso sim me impedia de existir. 

Sem julgamento. Sem "eu". Sem conceitos. Sem doutrinas. Somente nós. 

Violeta era uma metáfora que andava. Quando queria chorar dizia: quero chover. Quando me via sorrir dizia: Yolanda não ria assim, ou eu como o seu sorriso. E as nossas brincadeiras me tornaram uma mulher, moldada à sombra de um ser infinitamente superior. Logo eu descobri o seus problemas, os seu traumas, os motivos do seu temperamento explosivo. E me esforçava o máximo para ser-lhe o mundo. De um jeito que o mundo não lhe era. 

Eu estava assustada no dia que decidimos ir embora. Meus pais estavam decididos na separação, eram amigos ainda assim. Minha mãe decidiu pela carreira no Brasil, perto da mãe. E ninguém em um só momento veio me perguntar como eu me sentia. E eu não ousava contar sobre minhas descobertas, julgando que não seria compreendida. Fui para o ponto de ônibus onde marcamos e fiquei lá. Sentindo o vento frio cortar minha garganta toda noite. A madrugada chegou e não trouxe Violeta com ela. Eu me senti abandonada. Pelo meus pais, por Violeta, e por mim mesma. Pois era como se tivesse colocado todo o fardo da minha vida nas pessoas ao redor e ninguém percebesse isso. Eu era um grito no vácuo materializado. Estava chorando quando o meu pai me encontrou as 3:00 da manhã no banco da parada de ônibus. Ele desceu do carro e sentou do meu lado. 

Disse que viu meus desenhos de Violeta. Que sabia o quanto eu a amava e compreendia que eu me sentisse assim, mas agora precisava voltar para casa. Ele já sabia do acidente, e eu sabia que ele estava me escondendo algo. Pois só poderia saber onde eu estava se Violeta o houvesse contado. Ela não contou, mas sim sua mãe. Foi ela quem ligou pro meu pai e mostrou a carta que Violeta deixara. Dizendo para onde ia, e que não podia me deixar partir para o Brasil, porque me amava, que esperava compreensão ao menos desta vez. Pode ser que a sua mãe finalmente a tenha entendido, mas nunca me perdoaria pelo que fiz. O meu pai contou-me mansamente essas coisas, insistindo para que eu não fosse ao enterro. E assim, eu nunca mais vi o rosto de Violeta.

Não coma esses morangosOnde histórias criam vida. Descubra agora