8. Uma cena improvável

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Capítulo 8 | O Som das Flores

𝒁𝒐𝒆𝒚

Caminhando sozinha até a praia, Zoey olhou ao redor à procura de Liam. Ela havia acordado um pouco mais cedo que o normal, e, quando desceu ao andar inferior para ir ao banheiro, não viu o amigo na cama. Ela pensou que talvez ele já estivesse tomando o café-da-manhã, mas ele sempre a esperava para seguirem juntos para o refeitório. Supôs então que ele estivesse do lado de fora, na varanda, deitado na rede ou levando os filhotes para fazer suas necessidades. Mas Meg e Mel estavam lá, já despertas, brincando uma com a outra. O espaço onde Liam havia colocado os jornais estava limpo, e sua cama estava arrumada.

A moça achou tudo muito estranho, por isso, trocou de roupa e saiu do chalé às pressas. Lana e Marcela ainda não haviam despertado — nenhum hóspede, na verdade, pois não eram nem sete da manhã. O único lugar possível de encontrá-lo àquela hora seria na praia, e foi para onde Zoey se dirigiu quando não o viu em parte alguma na pousada.

A caminhada durou menos de três minutos. À princípio, ela não viu ninguém no mar ou andando pela areia; até que uma cabeça cacheada surgiu das ondas.

— Liam! — Zoey gritou, observando-o dar braçadas e furar ondas. Não havia mais ninguém ali além deles. O rapaz emergiu novamente, acenando para ela. Um pedaço de tecido azul marinho foi levado pelas ondas em direção à areia. A moça se aproximou, apertando os olhos. Aquilo era uma sunga?

— Ei! — Liam gritou para ela. — Pode jogar isso para mim?

Zoey arregalou os olhos de imediato, observando a sunga próxima aos seus pés. Se aquilo era de Liam, ele estava...pelado?

— Você é maluco! — Zoey gritou de volta, enrolando e peça na mão e jogando na direção do amigo. Ele estava rindo, e por um momento ela achou que Liam estivesse bêbado. Ela não conseguia acreditar que uma pessoa sã pensaria em nadar nu em uma praia pública às seis e meia da manhã. Mas fora exatamente aquilo que ele fez.

— Obrigado! — ele agarrou a sunga e mergulhou. Ainda boquiaberta, Zoey esperou Liam surgir novamente; ainda sem acreditar naquela cena. Uma cena bastante improvável. Por um momento, ela teve vontade de dar um soco nele. E se ele tivesse se afogado? Não seria nada agradável encontrar um garoto morto e nu flutuando sobre as ondas.

O rapaz começou a sair do mar e Zoey desviou o olhar. Liam se aproximou e passou o braço em torno do ombro dela, molhando sua roupa e seu cabelo.

— Idiota — ela murmurou, empurrando-o. Liam riu, as bochechas levemente coradas sobre a pele bronzeada pelo sol. — Qual é o seu objetivo? Ser preso? Ou morrer?

— Eu não posso ser preso — ele replicou, abaixando-se para pegar sua camisa largada na areia. — Eu ainda sou menor de idade. E não tem ninguém aqui... — olhou para ela — além de você agora. E morrer... Isso não estava nos meus planos.

— Idiota — Zoey repetiu, balançando a cabeça. — Você deve ter assustado os pobres peixes. E as ostras nunca mais vão querer sair das conchas.

— Eu sou tão traumatizante assim? — ele perguntou, passando a mão pelo abdômen. Zoey fingiu que não viu.

— Sim, muito traumatizante para os pobres peixes — ela falou, disfarçando a súbita vontade de sair correndo e ignorando o frio na barriga. Ainda podia sentir o braço de Liam ao redor do seu ombro, mesmo não estando mais lá.

Eles voltaram juntos para o chalé para esperar pelo café-da-manhã. Alguns funcionários da pousada já trabalhavam, e o cheiro de cafeína espalhava-se pelo pátio principal, o que fez Zoey ficar um pouco mais desperta e refletir sobre o que havia acontecido. Seu amigo só podia estar ficando louco.

Zoey quase teve certeza desse fato durante à tarde. E como se já não bastasse, ela acabou aceitando participar de uma de suas maluquices. Liam havia implorado à Marcela para que alugasse um mini buggy. Eles haviam visto, há uns dias, alguns turistas dirigindo pelas dunas da praia vizinha, e Liam ficou obcecado com a ideia de poder dirigir um — já que ele não precisava de nenhuma carteira de motorista para isso.

Ela se arrependera no instante em que Liam pressionou o acelerador.

— Liam...Você já andou nessa coisa? — ela perguntou, conferindo se o cinto de segurança estava devidamente no lugar.

— Não, mas eu ouvi todas as instruções — ele disse, acelerando um pouco mais. — Essa coisa não vai tão rápido. Relaxa!

Zoey não sabia da definição exata de rápido que Liam tinha em mente, mas com toda a certeza não era a mesma que a dela. Liam conduziu o pequeno veículo amarelo pela areia, pisando exageradamente no acelerador; não satisfeito com a velocidade. As dunas ficavam a alguns metros à frente, e foi para lá que ele dirigiu. Zoey sentia seu traseiro pulando no assento rígido à medida que os pneus se encontravam com as elevações cada vez mais íngremes. A moça arregalou os olhos, agarrando-se ao cinto que passava por seu peito. Liam, por outro lado, parecia estar se divertindo muito. Ele gritava UHUL conforme o mini buggy avançava, o motor engasgando vez ou outra com as súbitas freadas. Os cabelos de Zoey taparam sua visão por um momento, e, quando teve coragem de soltar as mãos do assento do carro, percebeu que já estavam no topo de uma das dunas. Elas eram muito bonitas — pareciam vários pequenos montes cor de ouro; e ao fundo, o mar se estendia em um tom turquesa. Zoey temeu que voassem mar adentro, e gritou algo para que Liam diminuísse a velocidade.

— O QUÊ? — Liam gritou acima do vento que batia em seus rostos, desacelerando enquanto dirigia em linha reta.

Zoey sentiu seu coração batendo loucamente pela adrenalina e, apesar do desespero inicial, teve vontade de rir. Ela nunca se permitiu se arriscar daquela forma — apesar de seguirem todos os protocolos de segurança — e percebeu que Liam também não. A moça nunca o tinha visto tão sorridente e tranquilo quanto naqueles dias; como se o mar tivesse limpado todas as lembranças ruins que estavam lhe perturbando no começo da viagem.

— Ok — Zoey finalmente conseguiu dizer, sentindo a boca seca. Passou a mão pelos cabelos, sentindo-se como se estivesse levado um choque. — Quais são seus próximos planos malucos?

— Ainda não sei qual será o próximo — ele olhava para frente. Suas mãos pousavam sobre o volante com confiança e habilidade, e por um momento a moça duvidou que fosse a primeira vez que ele dirigia.

— Por acaso isso tudo tem a ver com sua tal lista? — ela perguntou com curiosidade. Havia alguns dias que ele tinha revelado que havia feito uma lista, mas ela ainda não sabia o que ele pretendia cumprir.

Liam deu um sorriso perverso.

— Como você sabe? — perguntou, começando a fazer uma curva para voltar. Zoey cerrou os dentes e se segurou no assento novamente.

— Eu sabia... — ela murmurou.

Liam acelerou o mini buggy novamente, aproveitando a praia vazia. Ele começou a gritar de novo, eufórico, e a moça se viu contagiada pela felicidade dele. Colocou as preocupações de lado e focou no entusiasmo do amigo. Zoey pensou sobre aquilo mais tarde, lembrando-se da época que visitava um Liam completamente diferente daquele. Um Liam que ficava apenas no quarto escuro, que mal tomava o café-da-manhã e parecia ter repulsa de todos à sua volta — até mesmo Lana e Marcela, que faziam de tudo para vê-lo pelo menos um pouco melhor. Zoey, entretanto, parecia a única que conseguia tirá-lo do quarto ou fazê-lo comer algo. Foram tempos difíceis para ambos — ela ainda superando seu transtorno, e ele lutando contra a súbita depressão e os resquícios de uma ansiedade que ainda insistia em permanecer nele.

Havia passado três anos desde então, e o rapaz parecia outro. Naquela viagem, vez ou outra ela sentia um orgulho tão grande dele que tinha vontade de abraçá-lo. Não só porque sentia orgulho, mas porque o amava. Amava tê-lo como amigo e não queria que nenhum sentimento a mais estragasse isso.

No fundo do seu coração, ela ainda estava confusa quanto ao que sentia por aquele garoto — e tudo ficou ainda mais confuso no dia seguinte, quando resolveram fazer uma festa do pijama canina.

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