Visita Noturna

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Com uma lanterna na mão, encolhida na cama, Luna lia atentamente seu livro de cabeceira sobre o Folclore - o mesmo que leu com o seu pai há 2 meses, antes dele desaparecer.
Pela maneira como ela checava a porta a cada dois minutos, com receio de ser pega no flagra, era nítido que ela não deveria mais estar acordada, mas a noite estava quente demais para conseguir se esconder debaixo da coberta.

Por um momento, Luna se concentrou tanto no conto que nem percebeu a borboleta azul que atravessou a pequena fresta na janela de seu quarto. Na sombra formada pela luz da lanterna, vemos a borboleta se transformar em algo maior, com as curvas e as vestes de quem conhecemos bem. Quando a pequena finalmente levantou o olhar do livro, não teve tempo de gritar chamando pela bisavó. A mão de Inês cobriu delicadamente sua boca e o canto suave envolveu sua mente.

Nana neném, que a Cuca vem pegar
Papai foi na roça
Mamãe...

Ao abrir as portas mais recentes da mente da menina, Inês encontrou exatamente o que esperava: medo, angústia, desespero, tristeza... Tudo o que não era destinado à uma criança. O vestido preto rendado que a bruxa usava a fez se camuflar no escuro que absorvia o ambiente. Para sua surpresa, os momentos vividos com as entidades não passam de borrões na mente de Luna, que os interpretou como sonhos. Nada além de imaginação, do que leu no livro. Inês atravessou uma dezena de cômodos até encontrar o que estava procurando: o medo de nunca mais abraçar o pai. Essa foi a súplica de Eric: que a bruxa confortasse a mente das pessoas que ele ama com a certeza de que estava vivo e que em breve retornaria. E assim ela faria.

Deixando Luna num sono tranquilo, Inês saiu do quarto a procura de Januária.
Ela encontrou a senhora na cozinha, encostada no batente da porta que divide a casa com o quintal dos fundos. Januária tinha seus olhos fixos na lua, dizendo algo baixinho. Talvez fazendo uma oração. Um apelo para que os deuses, ou até a própria lua, trouxesse seu neto de volta.

Inês andou com leveza pela cozinha. Mas mesmo que tivesse derrubado uma cadeira, talvez Januária nem notasse. Ela estava assim desde que Eric desapareceu. Distante. Perdida no labirinto que se tornou sua mente. As vezes Márcia a convence de sair, jogar tranca com as amigas, enquanto cuida de Luna. Mas a distração não dura muito e logo a aflição toma o controle. Márcia afirma que Eric está bem. A mais nova diz isso com tanta certeza que Januária quase acredita, mas no fundo sabe que ela só está tentando conforta-la. Uma vez a detetive até tentou lhe acalmar dizendo que Eric tinha sido acolhido por entidades do folclore. Januária riu com a lembrança. Márcia estava sendo a força que ela e Luna precisavam. A mais velha sempre seria muito grata. A senhora estava tão perdida em seus próprios pensamentos que mal percebeu o som suave que envolveu o ambiente.

Nana neném, que a Cuca vem pegar
Papai foi na roça
Mamãe foi trabalhar...

Januária despertou no sofá. Sem entender muito bem como havia chegado alí, isso não era tão incomum ultimamente, mas o sentimento de paz que acolheu sua alma era...

A luz da lua cheia iluminava o quarto em que a borboleta azul adentrou dessa vez. A janela escancarada era consequência do calor, já que nem mesmo o ventilador no meio do cômodo conseguiu sozinho refrescar o ambiente.
Na sombra criada pelo brilho do luar a borboleta deu lugar a Inês, que ficou imóvel por um instante observando a figura a sua frente.

Márcia dormia numa respiração profunda, de costas para a janela por onde Inês entrou, sem coberta, sem calça, a regata surrada e a calcinha escura são as únicas peças que a envolvem.

A bruxa se aproxima e levemente se senta na beira da cama, analisando o perfil de Márcia. Sua mão vai em direção ao rosto da mais nova antes mesmo de sua mente registrar o movimento. Com delicadeza, ela afasta uma mecha de cabelo rebelde que se emaranhava na bochecha da detetive. Ao enxergar a face de Márcia com mais clareza, um sorriso acanhado surge nos lábios de Inês.

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