A gente

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Márcia travou uma batalha com a forte luz do Sol que entrava pela janela para tentar manter seus olhos abertos.

Janela? Então suas mãos e seu olhar percorreram o pano que a cobria, minha manta, minha cama...

- Bom dia, flor do dia! - Inês se colocou entre a jovem e a estrela da manhã, fornecendo sombra aos olhos de Márcia, que passou a encarar a bruxa com estranhamento. A detetive se sentou, pressionando a manta com mais força sobre seu busto, percebendo pela primeira vez que esse era o único tecido em seu corpo.

- Quem é você? - a detetive questionou tentando ser firme, mas sua voz rouca só possibilitou um sussurro. Inês franziu o cenho, confusa. Lentamente ela sentou na beira da cama e respirou fundo encarando a jovem que aguardava pela resposta. - Tô de sacanagem. Só queria ver a sua cara. - a bruxa bufou com indignação enquanto Márcia soltou uma risada divertida, que foi interrompida pela dor intensa que sentiu em seu peito. Por onde a flecha passou, ela se lembrou.

Inês pensou em todos os xingamentos que aprendeu durante seus séculos na Terra, mas decidiu não dar voz a nenhum. Ao invés disso, ela se inclinou e envolveu Márcia em um abraço apertado, que logo foi retribuído pela mais jovem.

- Obrigada! - Inês sussurrou - Você foi muito bem ontem. Estou orgulhosa.

- Eu ia querer ficar assim o dia todo - Márcia começou, acariciando as costas de Inês - se não parecesse que você tá enfiando uma faca no meu peito... - A bruxa se afastou imediatamente, se desculpando em silêncio por ter esquecido da ferida invisível. - Ele morreu mesmo? - a mais velha assentiu com a cabeça. Márcia suspirou. Se sentia aliviada, mas ainda restava pena do homem depois de tudo o que viu em sua mente. - Parece meio besta perguntar, mas você acha que ele foi pro inferno? Eu não acredito em inferno, mas eu também não acreditava em Saci Pererê, então...

- Tudo o que eu sei é que a terra aceitou o Laerte dessa vez, isso significa que ele descansou. - a resposta foi suficiente para Márcia.

Um silêncio inquietante preencheu o quarto. Não sabiam mais como continuar. Não existiam mais pedidos a serem feitos entre as duas. Sob o olhar da entidade, a respiração da detetive acelerou de repente. E com os movimentos bruscos de inspiração e expiração o tecido da manta afrouxou um pouco, revelando mais de seus seios. A pele a mostra chamou a atenção dos olhos de Inês, que engoliu a seco o suspiro de apreciação que ameaçou escapar. Márcia estava hipnotizada observando Inês observar seu corpo e só percebeu a movimentação da mais velha quando sentiu os dedos dela tocarem seu busto. A detetive inspirou fundo com a expectativa da sensação que estava por vir, mas expirou com decepção ao perceber que a entidade apenas ajeitou a manta para cobrir sua pele novamente. Inês se colocou de pé, andando rapidamente em direção à porta

- Estou feliz que você está bem, Márcia. - Inês disse apertando a maçaneta com força - Teremos uma celebração no bar hoje ao entardecer. Vou te esperar na sala enquanto você se apronta.

- Desde quando você tem problema com me ver pelada? - a resposta da entidade foi girar a maçaneta e atravessar a porta - E quem disse que eu aceitei o convite? - Márcia apenas ouviu os passos de Inês se afastando. Ela suspirou em frustração e jogou a manta para o lado, se levantando devagar para evitar as dores em seu corpo.

Seu guarda-roupa não tinha lá muita variedade. Calças jeans, camisetas escuras, botas coturno... Márcia encarou as peças nos cabides desesperançosa. Passou a mão por alguns vestidos simples, que Januária insistiu que ela comprasse num passeio ao shopping, mas não se animou. A verdade é que ela não fazia ideia de como se vestir para uma celebração de entidades do folclore pela vitória contra uma alma penada. Ela fechou o guarda-roupa e decidiu tomar banho primeiro. Com a mente mais fresca ela conseguiria escolher alguma coisa para vestir.

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