Esse é o único jeito

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- Por que você fez isso? - Inês gritou enquanto ajoelhava ao lado de Márcia, agora caída no chão. Mesmo com a fina madeira atravessada em seu peito e o sangue escorrendo entre as folhas mortas na terra, a detetive teve forças para ficar indignada. Afinal, a bruxa não estava gritando com Caipora por ter atirado, mas sim com a jovem por ter tentado salvá-la.

- A flecha ia acertar você!

- Eu sou imortal, sua burra! - Inês gritou novamente, furiosa. A cabeça de Márcia já estava explodindo. Quantos gritos os ouvidos dela ainda poderiam aguentar essa noite? - Camila! - a bruxa chamou e em poucos segundos a sereia estava ao seu lado. - Eu preciso que você assuma daqui.

- Mas Inês, eu não tenho força o suficiente...

- Eu já fiz a parte mais difícil, eu só preciso que você termine. - a entidade mais nova hesitou  - Agora, Camila! - a entidade mais jovem se colocou de pé e encarou o homem a sua frente.

Laerte ainda estava oscilando, mas com menos frequência agora. Seus pés ainda não tinham conseguido se movimentar, na verdade apresentava uma dificuldade enorme em apenas se manter de pé. Então Camila começou a cantar, como num sussurro, e ele se prendeu no feitiço dela. Enquanto a sereia assumia a tarefa de transformar Laerte em um ser totalmente de carne e osso, Inês se concentrava na mulher deitada em sua frente.

- Vai ficar tudo bem. - a bruxa declarou suave, percebendo que esse não era o momento mais adequado para ficar furiosa com a mulher cujo o único erro foi tentar protegê-la, "mesmo com um ato estúpido como esse". - Eu prometo.

A dor que atravessava o peito de Márcia era massante, lágrimas escorriam involuntariamente por suas bochechas, mas ela não teve medo. Em seu quarto a bruxa questionou se a jovem confiava nela e a resposta continuava sendo a mesma.

Inês passou a mão pela cabeça de Márcia, acariciando seus cabelos. Depositou um beijo em sua testa, em sua bochecha, na ponta de seu nariz e por fim em sua boca. O beijo foi diferente do que aconteceu há poucos minutos. Esse era mais calmo, mais gentil. Márcia tentou extrair o sabor de morango da bruxa, mas encontrou um gosto amargo e seus lábios começaram a formigar. A detetive tentou levantar a mão para tocar o próprio lábio, mas não conseguiu. Tentou a outra mão, em vão. Não podia se mover, parecia presa ao chão. Uma sensação de dormência e formigamento percorreu o corpo da moça, e logo o desespero fez o mesmo trajeto.

- Me desculpa - Inês sussurrou, finalmente quebrando o beijo. A mais jovem não entendeu a princípio, mas quando notou a mão da bruxa envolvendo a parte exposta da flecha que estava cravada em seu peito, percebeu que a entidade estava se desculpando pelo que estava prestes a fazer.

Márcia só teve tempo de inspirar um pouco do ar que a rodeava antes de seu peito ser rasgado. Fechou os olhos com toda a força que tinha e quando os abriu novamente pôde enxergar Inês ao seu lado com a flexa coberta de sangue na mão, sussurando alguma coisa que a mais jovem não conseguiu entender. Sua visão estava turva e suas pálpebras estavam pesadas. Mesmo com a maior parte do corpo ainda adormecido, Márcia podia sentir as gostas de suor em seu rosto e as lágrimas que escorriam descontroladamente por sua face. Ela não se lembrava de ter gritado mas a boca seca e a garganta latejando indicavam que ela tinha berrado. A mão vazia da bruxa posou delicadamente em sua testa, acariciando sua pele.

- Shhiu... Vai ficar tudo bem! Vai ficar tudo bem, Márcia! - Inês sussurrou em seu ouvido, acariciando o cabelo da moça - Respira fundo, isso respira! Você precisa ficar comigo, acordada.

- Inês! Deu certo! - Camila avisou a bruxa, que levantou o olhar. E lá estava ele, sem oscilações, apenas um homem de carne e osso. Mas ela ainda não podia cuidar dele. Ela indicou para que a sereia esperasse um pouco. Ela tinha uma coisa mais importante em suas mãos.

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