Frio na barriga

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~~Henry~~

Minhas patas afundando, o vento gélido bagunçando meu pelo... Eu estava de volta a floresta e caminhando sobre a neve. Sinto que aconteceu algo antes de mudar, mas não lembro o que. Procurei pelo resto do bando, acho que estou sozinho. A confusão na minha mente crescia, como se eu precisasse lembrar de algo, algo importante. Logo me juntei a outros lobos que fui encontrando na caminhada, são familiares mas sinto que são diferentes, eles não​ quiseram me passar nenhuma imagem.

Concentrado seguindo um animal pra me alimentar, não havia me dado conta do quanto tinha me distanciado. Acabei perdendo a presa de vista quando outra coisa me chamou atenção, um cheiro. Eu o conhecia, ele estava na minha memória, segui ele até parar de frente para um arbusto. Nele estava preso um pedaço de pano de algo que os humanos usam na cabeça, rasgado e desgastado pela neve. O cheiro que​ eu reconheci estava ali, fiquei confuso. Continuei a caminhar sem rumo, apenas seguindo o rastro de algo que não era capaz de entender. Não muito distante dali encontro um filhote de cervo, ou melhor, o que sobrou dele.

  Me aproximei devagar e com cuidado, o que me atraía não era o resto do animal e sim, novamente o cheiro, que estava tão fraco e distante a ponto de não​ ser reconhecido. O mesmo estava misturado a um odor de lobo, ao redor do animal reconheci o dos dois lobos que me atacaram antes de eu apagar da última vez. Antes que eu pudesse tentar entender o que isso significava na minha cabeça de lobo, ouvi pegadas e uma respiração baixa. Algo estava se aproximando e meus instintos alertavam perigo, me fazendo correr dali. Deixei pra trás algo que eu sentia ser muito importante e torci pra que eu pudesse me lembrar disso com a mente humana.

Em uma distância segura, me alimentei e procurei um local pra passar a noite. Voltei aos lobos estranhos pra não ficar sozinho, eles estavam reunidos em baixo de uma árvore próximo a onde estavam mais cedo. O menor estava brincalhão, veio até mim e mordiscou algumas vezes a minha pata, o macho mais velho me encarava duvidoso, talvez um pouco inseguro pela fêmea ao seu lado. Dei distância e deitei de frente pra eles, evitando brigas já que o alfa não estava presente pra separar.

  No outro dia fui até a humana observá-la como de costume, algo tinha mudado. Ela sorria pra mim de um jeito diferente e fazia movimentos, eu quis entender o que significava. Deitei minha cabeça nas patas da frente e fiquei ali vendo ela olhar nos meus olhos, desejando que ela pudesse ver minhas imagens, eu tinha tanto pra mostrar. Um tempo depois de prestar muita atenção em mim ela sumiu, e quando voltou segurava algo que chamou minha atenção. Fora da onde ela estava, eu pude sentir o cheiro da comida que​ ela segurava, me levantei atento e hesitei me aproximar. Ela deu uns passo á frente e eu uns para trás, intimidado. Depois jogou aquilo pra mim, o movimento me assustou e eu recuei, mas quando farejei não resisti. Analisei a distância entre nós, peguei a comida e me afastei, sem ir embora. Permaneci ali esperando por mais, mesmo sem entender eu estava feliz.

~~Anne~~

  Esperei ansiosamente até que ele visse pro seu cantinho de sempre, queria ver como ele reagiria agora. E quando ele apareceu era só ele... o lindo e grande lobo marrom, sem nenhum sinal de que por trás havia um humano, o qual eu estava me apaixonando. Ele me olhava atentamente, parecia estudar os meus gentos e meu rosto, querendo entender. Eu queria saber o que passava na cabeça dele ali tão distante, tão selvagem... Pensar que eu teria que me acostumar com isso​ me trouxe um misto de sentimentos. Agora sabendo de tudo, nada seria o mesmo. Eu sabia que não precisava sentir saudade, ele estava ali concentrado em mim, me protegendo.

Usei esses dias pra colocar a cabeça no lugar, pensar em como as coisas seriam daqui pra frente, admitir que eu gosto dele. É... acho que dou conta de um lobisomem, a plavara ainda soa estranho pra mim. Havia outros pontos importantes que eu precisava pensar e resolver pra minha vida voltar ao "normal", como fazer as pazes com Sabina e contar pra minha mãe sobre Hel, ela precisa saber. Decidi esperar por Henry pra ver como faria isso, e Sabina... Bom, eu tenho que ver como vou fazer isso. Eu não​ sei se deveria ter me conformando tão rápido sobre o que aconteceu com Hel, tudo ainda estava tão sem sentido e fora do lugar... Acho que no fundo eu só estava com medo de alimentar ainda mais as minhas esperanças, por isso decidi aceitar e seguir em frente.

Patas sobre a neveOnde histórias criam vida. Descubra agora