O metrô sinalizou com uma campainha que eu chegara na estação de Laranjal. Ainda tinha de pegar mais um ônibus para subir Santa Terezinha. Minha casa ficava no alto de uma ladeira e chegar lá não era trabalho simples. Nos idos dos anos de 1990, a regra estabelecida pelos meus pais era a de que o meu toque de recolher e de meus dois irmãos era que estivéssemos em casa até às oito e meia da noite. Caso contrário, nos arrependeríamos.
Esperei no ponto de ônibus, ainda cheio, o ônibus para subir a rua Marta até o alto de Santa Terezinha. A transição do outono para o inverno, às vezes, dava o ar da graça e hoje era um dia desses. O vento estava mais frio, a noite já cairá e os primeiros pingos de chuva já apareciam. Me encolhi debaixo da marquise antes que ela ficasse repleta de trabalhadores exaustos voltando para casa.
Sexta-feira era dia de passar a tarde na escola de música. Praticava violão e canto durante toda a tarde, dessa vez, sem muito afinco. Meus pensamentos iam até Bernardo. Havíamos terminado já um incontável número de vezes, mas dessa vez eu dissera que estava indo embora, e não conseguia reconhecer meus próprios medos sem sentir vergonha. Entre idas e vindas, estávamos juntos há três anos. No início escondido, pois nossos laços vinham lá da infância, por ele ser o melhor amigo do meu irmão. Três anos mais velho que eu, não queria que minha família soubesse e o privasse de ir e vir da minha casa, quando vez ou outra ele entrava no meu quarto, ou nos encontrávamos na escada e trocávamos olhares ou pequenos beijos. Coração batendo forte, adrenalina, tensão. E se minha mãe visse? E se meu pai proibisse de viver esse primeiro amor, ora escondido, ora declarado, muitas vezes confuso, cansativo, e surpreendente.
Nosso último encontro, horas antes fora agradável. Bernardo me esperava em frente à escola, que um dia ele também havia estudado. Eu estava no último ano, e carregava uma última semana tensa, de provas inúteis nas costas.
- Ei, linda! - Disse, apagando o cigarro com o all star sujo e me abraçando forte. - Quase uma semana sem você perto. Me puxou para um abraço forte. E me fez um cafuné.
- Me dediquei demais as provas. Falta pouco para acabar a escola, não sei se aguentaria mais um ano. - Sorri - E as aulas da faculdade?
- Indo, você sabe...
Entrelaçamos os dedos. Naquele horário do almoço, nenhum de nós diria que a noite o tempo viraria completamente.
- Bora pegar uma praia? - Sugeriu Bernardo.
- Hoje não dá. Tenho escola de música à tarde, vou descer para a a cidade às duas.
Seu irmão te falou que vamos tocar no tico taco?- Não! Uau! Isso é incrível!
- Vamos descolar para você ir. Cada um pode levar um acompanhante. E adivinha? Brita liberada para a gente.
- Tô dentro. Preciso muito me divertir. Se Pedro vai, a probabilidade de eu ir aumenta.
- Claro que ele vai, Cecília. Ele é a porra do meu baterista!
A casa amarela de dois andares com jardim amplo da família de Bernardo, ficava numa rua com catraca privada próxima a minha, no alto da ladeira. Apenas quatro ruas nos separavam. Santa Terezinha, era um bairro grande e abrigava uma vasta população de artistas, artesãos, hippies, intelectuais e boêmios: uma galera alternativa que se amontoava em sobrados, prédios de no máximo três andares e casarões abastados, no bairro mais alto da capital. Se a cidade virasse mar, lá no alto estávamos protegidos. Minha vida, com meus recentes 18 anos, girava pelos arredores e em alguns bairros lá de baixo. Às sextas e terças eu ia a escola de música. E no mais, levava uma típica vida de uma menina dos anos 90, fruto de uma geração que tentava transgredir tudo, mas que ainda estava cheia de amarras particulares.
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Garota Azeda
Teen FictionGarota Azeda é a história de Cecília, que assim como você, já amou pela primeira vez e achou que essa pessoa era o melhor amigo que podia ter. Cecília é uma jovem mulher de 18 anos que está vivendo a adolescência nos anos 90. Antes dos smartphones...