O destino, contra sua vontade

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Senti dois braços me escorando e abri os olhos apressada, sacudindo a cabeça, incrédula com o destino.

- Tira a sua blusa agora e troca comigo!  – Gritei, esbugalhando meus olhos castanhos, tirando meus cabelos que caíam desgrenhados pelo meu rosto com a mão esquerda, dedo indicador direito esticado como uma arma, para o peito do cara que tinha me segurado.

Um passo para trás, ele levantou as duas mãos num sinal clássico de defesa. Sorriu e disse como uma sugestão:

- Melhor você sentar, garota. Ou tomar uma água.

- Água?! – Questionei com cara de nojo. - Água eu tomo em casa e de graça. Não vou gastar meu dinheiro com isso. – Disse cruzando os braços e juntando os pés, estacando firme no chão.

- Tá, Então deixa comigo, que eu pago.

Pisquei e pensei em algo para dizer.

- Meu nome é Cecília! A gente se conhece! – Anos mais tarde falei essa frase novamente para uma outra pessoa que também me olhou surpreso e negou que me conhecia. 

- A gente se conhece, é? – E sorriu.

- Sim, você também frequenta o conservatório de música. Já te vi falando com minha amiga Priscila. – Disse, gritando, mesmo próximo ao ouvido dele enquanto tentávamos chegar ao bar do Cine Isis.

- Então se a gente se conhece por que você nunca falou comigo lá? - Perguntou me olhando nos olhos.

Não sustentei a olhada, nem sabia responder a pergunta, porque, claro que gente não se conhecia coisa nenhuma. Então, abaixei a cabeça e dei de ombros. Ele passou a garrafa de água geladíssima para mim. Puxou um maço e acendeu um cigarro. Não me ofereceu. Não pedi também.

- Vem! – Agarrei o pulso dele e disse, - vamos sentar ali no cinema.

Segui na frente abrindo o caminho apertado, ainda agarrada ao braço dele que levantou a mão direita com o cigarro para o alto a fim de que não acontecesse nenhum acidente, o que era muito comum nessas festas. Queimar alguém com a guimba de cigarro.

- Sabe como eu sei que você me conhece? – E não esperei ele nem responder. - Você passou pela gente no metrô e lá dentro ficou olhando minha amiga no reflexo da janela. Sabe, a alta gostosa? Soraia.

- Eu? Tem certeza? – E riu debochado.

Acenei positivamente com a cabeça, rindo também e apertando os olhos. Ficamos no fundo da sala de cinema. No palco rolava uma banda tocando um especial de músicas dos anos 80, como Tears for Fears, The Smiths e algumas canções autorais sofridas. Estiquei-me na ponta do pé tentando achar duas cadeiras vagas. Precisava muito me sentar, pelo cansaço e pela bebedeira.

- Então na verdade, o que eu acho, é que você estava me observando. – Ele disse e me encarou novamente com os olhos puxados.

Arqueei a sobrancelha, desconversei:

- Melhor a gente sentar. – Apontei para qualquer lugar na esquerda do palco indicando que havia dois assentos desocupados. Descemos a rampa, agora eu já tinha conseguido me desgrudar do braço dele. E caminhava com mais fluidez, muito embora achasse que o meu cérebro não estava enviando os comandos corretos para o resto do meu corpo. Pulamos um casal dando uns beijos, um menino com a cabeça abaixada vomitando com o amigo cochilando ao lado. E nos sentamos nas duas cadeiras vagas. Um rato cinza correu assustado de volta para a toca.

- Você tá vendo os quatro japoneses tocando teclado? Estranho para caralho. – Disse, tombando sentada com toda força na cadeira. 

- Quatro? – E deu uma risada alta.

Garota AzedaOnde histórias criam vida. Descubra agora